Um inimigo invisível. Essa é a definição para a poluição atmosférica nas cidades e, também, o nome de uma campanha nacional criada para combatê-la. Um inimigo que poucos vêem, mas que faz estragos enormes no mundo, ainda mais no Brasil, que ainda engatinha em medidas de controle das mudanças climáticas. A poluição é vista, após a pandemia do coronavírus, como o segundo maior perigo global à saúde humana depois da covid-19. Provoca, somente no Brasil, 51 mil mortes por ano - 633 delas são prematuras e acontecem todos os anos. No mundo, mata 9 milhões anualmente, segundo dados de 2018 da Organização Mundial da Saúde (OMS).
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Ou seja, não faltam razões para que todos, sem exceção, queiram combatê-la. Mas o Brasil corre o risco de, mais uma vez, fazer o caminho inverso. Retroceder no pouco que evoluiu. A nova fase do Programa de Controle da Poluição do Ar por Veículos Automotores (Proconve) para veículos pesados, que deveria entrar em vigor até 2022 - como acordado em Resolução do Conama nº 490 de 2018, poderá ser adiada por até três anos. Pelo menos é o que está sendo pleiteado pela Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (ANFAVEA). As montadoras alegam dificuldades financeiras para cumprir os prazos, potencializadas pela pandemia do coronavírus.
Por tudo isso foi criada a campanha #InimigoInvisível. A proposta é mobilizar a sociedade para pressionar o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), ente federal que tem o poder de decidir pelo adiamento ou manutenção do prazo da nova fase do Proconve - chamada de fase oito P8. Segundo as entidades que criaram e legitimam a campanha, o conselho pode se reunir nas próximas semanas para tomar uma decisão. Essas mesmas entidades alegam que, se as regras forem postergadas, a emissão de óxidos de nitrogênio (NOx), poluentes responsáveis por problemas pulmonares, chegará a ser de até 20% a mais em comparação com o cumprimento no prazo.
Já a emissão de material particulado 2,5 (MP) na combustão dos veículos - partículas finas formadas por fuligem e outras partículas sólidas ou líquidas em suspensão na atmosfera, que podem causar problemas cardiorrespiratórios - aumentaria em até 11%. Esses cálculos foram feitos pelo Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA), que integra a campanha. O mesmo relatório mostra que o Proconve é e continuará sendo um instrumento efetivo para o controle de emissões de veículos pesados até 2050.
PROCONVE
O Proconve é um programa instituído pelo Conama para melhorar a qualidade do ar no Brasil impondo restrições para a fabricação e comercialização de veículos menos poluentes. O programa envolve ônibus, micro-ônibus, caminhões em geral, motocicletas, comerciais leves (como vans) e automóveis. A fase P8 do Proconve equivale às normas Euro 6 que entraram em vigor na Europa em 2014. “Ou seja, as montadoras instaladas no Brasil já detém, em suas matrizes europeias, a tecnologia necessária para essa mudança. Nos Estados Unidos, por exemplo, já é exigido desde 2010. Se essas exigências forem implementadas no prazo previsto, nós estimamos 2.500 mortes a menos no Brasil, provocadas pela poluição”, alerta Carmen Araújo, diretora-geral do Conselho Internacional de Transporte Limpo (ICCT).
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MÉDICOS ENTRAM EM CENA
A batalha para reverter o possível adiamento da fase oito do Proconve ganhou um aliado de peso na semana passada. Mais de dez associações médicas brasileiras aderiram à campanha #InimigoInvisível e lançaram uma carta pública, na terça-feira (15/12), pedindo a manutenção do atual cronograma do Proconve. O documento é endereçado ao governo brasileiro, membros do Conama, indústria automobilística e seus fornecedores, além dos ministros da Saúde e do Meio Ambiente.
A carta é um manifesto dos médicos brasileiros na defesa da qualidade do ar e da vida. Nela, argumentam que o cenário é ainda mais grave devido à pandemia e que a poluição atmosférica expõe ainda mais a humanidade ao risco. Cita, inclusive, estudo recente da Universidade de Harvard que concluiu por essa relação direta entre o coronavírus e a poluição do ar. Mostrou que o risco de óbito por covid-19 chega a ser 15% maior em populações que vivem em regiões mais poluídas.
“Isso implica afirmar que juntos, o novo coronavírus e a má qualidade do ar, são os principais adversários a serem combatidos em defesa da vida. Veículos motorizados, em especial ônibus e caminhões, são a principal fonte de poluição do ar na maior parte das regiões urbanas do País, responsável pelo adoecimento e mortalidade precoce por diversas causas e outros danos ao meio ambiente. Dentre 40 cidades no Brasil monitoradas para a qualidade do ar pela OMS, todas se encontram mais tóxicas do que indicam os níveis preconizados para a segurança em saúde”, alertam.
Confira a carta na íntegra:
MAIS DETALHES DA DESTRUIÇÃO
O IEMA projetou as emissões de poluentes em quatro cenários. O primeiro considera que a fase P8 do Proconve terá início conforme estabelecido na resolução do Conama, ou seja, em 2022 para novos modelos de veículos pesados e 2023 para todos os modelos de veículos pesados. O segundo cenário considera a fase P8 do Proconve com início adiado em três anos, ou seja, em 2025 para novos modelos de veículos pesados e 2026 para todos os modelos de veículos pesados. O seguinte assume que haverá maior eletrificação progressiva da frota em conjunto com a implementação da fase oito no prazo. E, o último, também considera a fabricação e comercialização de mais veículos híbridos e elétricos, mas com o adiamento em três anos da fase oito.
A quantidade de emissões a mais no caso do adiamento da nova fase varia com o decorrer dos anos. Por exemplo, no caso dos óxidos de nitrogênio (NOx), em 2023, será emitido 5,6% a mais do poluente na atmosfera. O número sobe ano a ano até chegar ao pico em 2032, quando os veículos lançarão 20,5% a mais do poluente. Uma espécie de platô é observada entre os anos de 2026 e 2036, onde a emissão a mais permanece em torno dos 20%. A queda mais fácil de ser observada se dá a partir de 2037 (com 18,4%).
ANFAVEA RESPONSABILIZA PANDEMIA
A Anfavea confirma que tem enfrentado dificuldades para o desenvolvimento, testes e implementações das tecnologias que atenderão às exigências da fase oito do Proconve. Que a pandemia agravou a situação e que, por isso, solicitou a ampliação do prazo. Também diz que não foram solicitados três anos de prorrogação, como dito na Campanha #InimigoInvisível. O prazo teria sido de 12 e 18 meses, o que seria, na visão da entidade, tempo suficiente para recuperar o atraso de 2020, que deverá continuar até a maior imunização da população.
“A Anfavea tem alertado sobre a necessidade de reavaliar os prazos de forma realista, transparente e com bom senso e tem sido alvo de críticas injustas de alguns setores. A entidade já expôs aos órgãos reguladores argumentos ligados aos efeitos sanitários da pandemia que afetaram profundamente as atividades de pesquisa e desenvolvimento do setor automotivo. O único objetivo do pleito é cumprir a lei, como vem sendo feito à risca desde que o Proconve foi criado nos anos 1980. Para isso, é preciso evitar um impasse a partir de 2022 (veículos leves) e 2023 (veículos pesados), quando novas regras de emissões entrarão em vigor para 100% dos modelos vendidos no País”, diz.
A entidade nacional ainda lembra que vários países já postergaram a entrada em vigor de novos limites de emissão. Alguns exemplos:
• México: Suspendeu a exigência do início de EURO VI a partir de 2021.
• China: Postergou por 6 meses o início de EURO VI.
• Japão: Postergou por 11 meses a exigência do novo sistema de OBD (J-OBDII) e por
4 meses a aplicação do novo procedimento de teste (WLTC).
• Estados Unidos: O tema está em discussão.
• Europa: não existem novas fases de emissões de poluentes previstas para os próximos
três anos. Somente metas corporativas de emissão de CO2 estão previstas, cujos
desenvolvimentos já estão em fase final e para as quais são concedidos incentivos
tributários.
Leia o posicionamento da Anfavea na íntegra:
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