TRANSPORTE PÚBLICO

Unidos contra a poluição atmosférica das cidades

Possibilidade de nova fase do Programa de Controle da Poluição do Ar por Veículos Automotores (Proconve) ser prorrogada acendeu o alerta de entidades de defesa do clima, da saúde, do transporte e de cidades sustentáveis. Foi criada a Campanha #InimigoInvisível

Roberta Soares
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Roberta Soares
Publicado em 20/12/2020 às 10:00
FELIPE RIBEIRO/JCIMAGEM
Esse mecanismo é autorizado para os casos em que o proprietário do veículo não estava ao volante no momento em que a infração de trânsito foi registrada - FOTO: FELIPE RIBEIRO/JCIMAGEM

Um inimigo invisível. Essa é a definição para a poluição atmosférica nas cidades e, também, o nome de uma campanha nacional criada para combatê-la. Um inimigo que poucos vêem, mas que faz estragos enormes no mundo, ainda mais no Brasil, que ainda engatinha em medidas de controle das mudanças climáticas. A poluição é vista, após a pandemia do coronavírus, como o segundo maior perigo global à saúde humana depois da covid-19. Provoca, somente no Brasil, 51 mil mortes por ano - 633 delas são prematuras e acontecem todos os anos. No mundo, mata 9 milhões anualmente, segundo dados de 2018 da Organização Mundial da Saúde (OMS).

Ou seja, não faltam razões para que todos, sem exceção, queiram combatê-la. Mas o Brasil corre o risco de, mais uma vez, fazer o caminho inverso. Retroceder no pouco que evoluiu. A nova fase do Programa de Controle da Poluição do Ar por Veículos Automotores (Proconve) para veículos pesados, que deveria entrar em vigor até 2022 - como acordado em Resolução do Conama nº 490 de 2018, poderá ser adiada por até três anos. Pelo menos é o que está sendo pleiteado pela Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (ANFAVEA). As montadoras alegam dificuldades financeiras para cumprir os prazos, potencializadas pela pandemia do coronavírus.

DIVULGAÇÃO
Campanha nacional #InimigoInvisível reúne diversas entidades de defesa do clima, da saúde, do transporte e de cidades sustentáveis - DIVULGAÇÃO

Por tudo isso foi criada a campanha #InimigoInvisível. A proposta é mobilizar a sociedade para pressionar o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), ente federal que tem o poder de decidir pelo adiamento ou manutenção do prazo da nova fase do Proconve - chamada de fase oito P8. Segundo as entidades que criaram e legitimam a campanha, o conselho pode se reunir nas próximas semanas para tomar uma decisão. Essas mesmas entidades alegam que, se as regras forem postergadas, a emissão de óxidos de nitrogênio (NOx), poluentes responsáveis por problemas pulmonares, chegará a ser de até 20% a mais em comparação com o cumprimento no prazo.

Já a emissão de material particulado 2,5 (MP) na combustão dos veículos - partículas finas formadas por fuligem e outras partículas sólidas ou líquidas em suspensão na atmosfera, que podem causar problemas cardiorrespiratórios - aumentaria em até 11%. Esses cálculos foram feitos pelo Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA), que integra a campanha. O mesmo relatório mostra que o Proconve é e continuará sendo um instrumento efetivo para o controle de emissões de veículos pesados até 2050.

PROCONVE
O Proconve é um programa instituído pelo Conama para melhorar a qualidade do ar no Brasil impondo restrições para a fabricação e comercialização de veículos menos poluentes. O programa envolve ônibus, micro-ônibus, caminhões em geral, motocicletas, comerciais leves (como vans) e automóveis. A fase P8 do Proconve equivale às normas Euro 6 que entraram em vigor na Europa em 2014. “Ou seja, as montadoras instaladas no Brasil já detém, em suas matrizes europeias, a tecnologia necessária para essa mudança. Nos Estados Unidos, por exemplo, já é exigido desde 2010. Se essas exigências forem implementadas no prazo previsto, nós estimamos 2.500 mortes a menos no Brasil, provocadas pela poluição”, alerta Carmen Araújo, diretora-geral do Conselho Internacional de Transporte Limpo (ICCT).

ARTES JC
IMPACTO GASES - ARTES JC


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MÉDICOS ENTRAM EM CENA
A batalha para reverter o possível adiamento da fase oito do Proconve ganhou um aliado de peso na semana passada. Mais de dez associações médicas brasileiras aderiram à campanha #InimigoInvisível e lançaram uma carta pública, na terça-feira (15/12), pedindo a manutenção do atual cronograma do Proconve. O documento é endereçado ao governo brasileiro, membros do Conama, indústria automobilística e seus fornecedores, além dos ministros da Saúde e do Meio Ambiente.

FELIPE RIBEIRO/JC IMAGEM
As entidades da campanha alegam que, se as regras do P8 forem postergadas, a emissão de poluentes será muito maior. 51 mil pessoas morreram em 2018 no Brasil devido à poluição - FELIPE RIBEIRO/JC IMAGEM

A carta é um manifesto dos médicos brasileiros na defesa da qualidade do ar e da vida. Nela, argumentam que o cenário é ainda mais grave devido à pandemia e que a poluição atmosférica expõe ainda mais a humanidade ao risco. Cita, inclusive, estudo recente da Universidade de Harvard que concluiu por essa relação direta entre o coronavírus e a poluição do ar. Mostrou que o risco de óbito por covid-19 chega a ser 15% maior em populações que vivem em regiões mais poluídas.

“Isso implica afirmar que juntos, o novo coronavírus e a má qualidade do ar, são os principais adversários a serem combatidos em defesa da vida. Veículos motorizados, em especial ônibus e caminhões, são a principal fonte de poluição do ar na maior parte das regiões urbanas do País, responsável pelo adoecimento e mortalidade precoce por diversas causas e outros danos ao meio ambiente. Dentre 40 cidades no Brasil monitoradas para a qualidade do ar pela OMS, todas se encontram mais tóxicas do que indicam os níveis preconizados para a segurança em saúde”, alertam.

Confira a carta na íntegra:

MAIS DETALHES DA DESTRUIÇÃO
O IEMA projetou as emissões de poluentes em quatro cenários. O primeiro considera que a fase P8 do Proconve terá início conforme estabelecido na resolução do Conama, ou seja, em 2022 para novos modelos de veículos pesados e 2023 para todos os modelos de veículos pesados. O segundo cenário considera a fase P8 do Proconve com início adiado em três anos, ou seja, em 2025 para novos modelos de veículos pesados e 2026 para todos os modelos de veículos pesados. O seguinte assume que haverá maior eletrificação progressiva da frota em conjunto com a implementação da fase oito no prazo. E, o último, também considera a fabricação e comercialização de mais veículos híbridos e elétricos, mas com o adiamento em três anos da fase oito.

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A nova fase do Proconve para veículos pesados, que deveria entrar em vigor até 2022 - como acordado em Resolução do Conama nº 490 de 2018, poderá ser adiada por até três anos - FELIPE RIBEIRO/JC IMAGEM

A quantidade de emissões a mais no caso do adiamento da nova fase varia com o decorrer dos anos. Por exemplo, no caso dos óxidos de nitrogênio (NOx), em 2023, será emitido 5,6% a mais do poluente na atmosfera. O número sobe ano a ano até chegar ao pico em 2032, quando os veículos lançarão 20,5% a mais do poluente. Uma espécie de platô é observada entre os anos de 2026 e 2036, onde a emissão a mais permanece em torno dos 20%. A queda mais fácil de ser observada se dá a partir de 2037 (com 18,4%).

ANFAVEA RESPONSABILIZA PANDEMIA
A Anfavea confirma que tem enfrentado dificuldades para o desenvolvimento, testes e implementações das tecnologias que atenderão às exigências da fase oito do Proconve. Que a pandemia agravou a situação e que, por isso, solicitou a ampliação do prazo. Também diz que não foram solicitados três anos de prorrogação, como dito na Campanha #InimigoInvisível. O prazo teria sido de 12 e 18 meses, o que seria, na visão da entidade, tempo suficiente para recuperar o atraso de 2020, que deverá continuar até a maior imunização da população.

“A Anfavea tem alertado sobre a necessidade de reavaliar os prazos de forma realista, transparente e com bom senso e tem sido alvo de críticas injustas de alguns setores. A entidade já expôs aos órgãos reguladores argumentos ligados aos efeitos sanitários da pandemia que afetaram profundamente as atividades de pesquisa e desenvolvimento do setor automotivo. O único objetivo do pleito é cumprir a lei, como vem sendo feito à risca desde que o Proconve foi criado nos anos 1980. Para isso, é preciso evitar um impasse a partir de 2022 (veículos leves) e 2023 (veículos pesados), quando novas regras de emissões entrarão em vigor para 100% dos modelos vendidos no País”, diz.

FELIPE RIBEIRO/JC IMAGEM
A proposta da #InimigoInvisível é mobilizar a sociedade para pressionar o Conama, ente federal que tem o poder de decidir pelo adiamento ou manutenção do prazo da nova fase do Proconve - FELIPE RIBEIRO/JC IMAGEM

A entidade nacional ainda lembra que vários países já postergaram a entrada em vigor de novos limites de emissão. Alguns exemplos:

• México: Suspendeu a exigência do início de EURO VI a partir de 2021.
• China: Postergou por 6 meses o início de EURO VI.
• Japão: Postergou por 11 meses a exigência do novo sistema de OBD (J-OBDII) e por
4 meses a aplicação do novo procedimento de teste (WLTC).
• Estados Unidos: O tema está em discussão.
• Europa: não existem novas fases de emissões de poluentes previstas para os próximos
três anos. Somente metas corporativas de emissão de CO2 estão previstas, cujos
desenvolvimentos já estão em fase final e para as quais são concedidos incentivos
tributários.

Leia o posicionamento da Anfavea na íntegra:

 

 

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