Embora leve e traga mais de 50 milhões de brasileiros todos os dias, o transporte público urbano continua sem prioridade no País, segue sendo tratado como um problema apenas do passageiro e, não, de todas as cidades e sociedade. Visto equivocadamente como um sistema que beneficia apenas quem o utiliza, sem efeito positivo para outros setores da economia, como o comércio, os serviços e a educação, por exemplo. O veto do presidente Jair Bolsonaro ao projeto de lei que socorreria com R$ 4 bilhões os sistemas brasileiros é uma prova dessa visão estreita.
Demonstra, mais uma pouca importância que o País ainda dá ao transporte coletivo urbano, operado por ônibus e metrôs. Não, não se trata de uma ajuda a empresários e concessionárias do setor. Trata-se de uma chance única de não só aliviar a superlotação para os passageiros - porque as frotas poderiam ser ampliadas -, mas também de deixar um legado de qualificação, sustentabilidade e prioridade viária - algo que o transporte por ônibus necessita em todas as cidades -, como destacou o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) ao comentar o veto presidencial.
Não é à toa que o veto foi uma surpresa, já que tinha sido construído por muitas mãos e enfrentado um caminho difícil no Congresso Nacional - tramitava desde o início da pandemia, por volta do mês de maio. E, por isso, gerou tanta indignação e críticas de instituições de fora do setor operacional e de gestão do transporte, mas que estão atentas ao impacto para a população. Como a Frente Nacional de Prefeitos (FNP) e o Idec.
O entendimento dessas instituições é de que o socorro emergencial seria gerido e liberado pelas gestões públicas e poderia, devido às exigências para uso, evitar reajustes da passagem no próximo ano, cobrir a ampliação da frota para reduzir a superlotação, forçar a implantação de corredores e faixas exclusivas nas cidades, rever contratos já viciados e estimular a troca por uma frota menos poluente.
Enquanto o Brasil dá as costas ao transporte público coletivo mais uma vez, o mundo faz o caminho oposto e cobra, de toda a sociedade beneficiada mesmo que indiretamente por ele, uma cota de contribuição. Os Estados Unidos anunciaram, ainda no início da pandemia, o investimento de 25 bilhões de dólares no transporte por ônibus e metrô nas principais cidades do País. Juntas, Alemanha e França, na Europa, farão investimentos no transporte público de suas cidades que totalizam 160 bilhões de euros.
É claro que o Brasil não é os Estados Unidos nem está no continente europeu. E o que são R$ 4 bilhões perto de tão altas cifras. Mas o veto à ajuda ao transporte público coletivo é mais grave pelo gesto que ele representa. Passa o recado de que a situação dos passageiros andando em ônibus e trens superlotados em meio a uma pandemia viral não importa. Não incomoda para quem usa o automóvel. Que o problema é apenas deles e das prefeituras e Estados que gerem sistemas de transporte.
É preciso lembrar que, por não ter um fundo nacional de ajuda, o transporte público brasileiro é pago pelo passageiro. E, devido à pandemia, a redução da demanda pagante foi significativa e vai continuar assim durante algum tempo, com 80% de queda em março e cerca de 50% em setembro, comparada com 2019. Essa é a estimativa da Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP), por exemplo. A demanda deve permanecer por um bom tempo ainda baixa, com uma queda média de 40%, diminuída ao longo do tempo.
É importante alertar que as ruas estão começando a ficar congestionadas pelos automóveis nos picos, com uma visível maior presença de motocicletas. Além do impacto na circulação e, principalmente, no ar das cidades, a quebra do transporte público coletivo é uma questão de segurança pública. Abre espaço para o transporte clandestino, que quase sempre não respeita regras e dá muito trabalho ao poder público. Fica o alerta!
AJUDA PELO MUNDO
Estados Unidos
Ainda no início da pandemia, por volta do mês de abril, os Estados Unidos anunciaram que iriam destinar US$ 25 bilhões em doações de fundos de emergência para sistemas de transporte público que enfrentavam uma queda maciça na demanda de passageiros devido à pandemia do coronavírus. Os fundos da Administração Federal de Trânsito dos EUA (FTA), incluindo US$ 5,4 bilhões apenas para a cidade de Nova York, foram aprovados pelo Congresso e, na visão do país, eram subsídios para garantir que os sistemas de transporte público da nação iriam conseguir continuar fornecendo o serviço para “milhões de americanos que dependem deles", como afirmou, na época, a secretária de transporte, Elaine Chao, à Reuters.
Os fundos, principalmente para as áreas metropolitanas, incluíam US$ 1,2 bilhão para Los Angeles, U$$ 1,02 bilhão para Washington, US$ 883 milhões para Boston, U$$ 879 milhões para Filadélfia, US$ 820 milhões para San Francisco e US$ 520 milhões para Seattle. Muitas dessas áreas cobrem sistemas que também estão em estados próximos e foram concedidas de acordo com uma fórmula baseada na população.
Alemanha
Ainda em junho, o governo alemão anunciou um novo pacote de estímulo econômico de 130 bilhões de euros que incluía várias medidas fortes para estimular a recuperação verde e promover uma economia de baixo carbono na Alemanha. Apesar de críticas pela ausência de metas climáticas mais consistentes e ambiciosas dentro do Acordo Verde da União Europeia, o pacote foi visto como um claro estímulo à mobilidade elétrica, prevendo formas de financiá-la.
Alguns dos instrumentos propostos seriam implementados diretamente pelo governo alemão, enquanto outros dependiam de novos atos legislativos do Parlamento alemão. Entre as medidas de estímulo para um setor de transporte sustentável, estão:
* Aumento de até 100% do prêmio do comprador financiado pelo estado para veículos elétricos até o final de 2021 (veículos elétricos híbridos plug-in e veículos híbridos e totalmente elétricos usados também se beneficiam deste prêmio sob certas condições, enquanto os motores de combustão são excluídos).
* 2,5 mil milhões de euros para expandir a infraestrutura de carregamento de veículos elétricos e para fomentar a investigação e o desenvolvimento da mobilidade eletrônica, como soluções para baterias.
* 7 bilhões de euros para apoiar pesquisa e desenvolvimento de tecnologia de hidrogênio na Alemanha.
* 2 bilhões de euros para apoiar a construção de instalações de produção de hidrogênio de fabricação alemã no exterior.
* 2 mil milhões de euros para investimentos em tecnologias limpas na indústria automóvel (fabricantes e fornecedores de automóveis).
* 2,5 milhões de euros para apoio aos transportes públicos dos municípios.
* 1 bilhão de euros para o transporte marítimo moderno e 1 bilhão para soluções de aviação modernas.
França
Na França, o anúncio de ajuda ao transporte público do País foi em setembro. Segundo o governo francês revelou, estava incluído no novo pacote de estímulo econômico de 100 bilhões de euros do país. Um terço do pacote de estímulo, que equivale a 4% do PIB, é alocado para medidas verdes. O objetivo foi aumentar a competitividade da economia francesa, impulsionando empregos e tornando a economia mais verde.
Segundo divulgado pela imprensa francesa, 11 milhões de euros foram destinados diretamente ao setor de transportes, sendo 5 milhões de euros para a rede ferroviária nacional, 1 milhão de euros para medidas de incentivo ao ciclismo e 2 milhões de euros para incentivos à migração para automóveis mais limpos. Outros 3 bilhões de euros foram destinados a medidas de descarbonização, como o desenvolvimento de tecnologias de hidrogênio verde.
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