Pode parecer utópico para uma cidade que ainda briga por faixas exclusivas para os ônibus, lida com o completo sucateamento de um sistema como o BRT, e vive à espera de investimentos para dar segurança às duas únicas linhas de metrô existentes, mas a eletrificação do transporte público no Brasil é uma discussão necessária para todo o País. E a Região Metropolitana do Recife deveria estar inserida nela. Pelo bem de todos: passageiros, sociedade e cidades. Ainda mais com a crise sanitária mundial que reflete uma reação ambiental e exige mudanças reais e enérgicas para reduzir a poluição no mundo. E só o uso de tecnologias renováveis, livres de combustíveis fósseis, provocará o impacto necessário, na velocidade necessária.
O investimento na mobilidade elétrica, especificamente das frotas de ônibus, tem sido o assunto do momento no meio técnico, estimulando discussões e fundamentando projetos. Identificando entraves e, principalmente, indicando caminhos para que a pandemia provoque mudanças na visão da gestão pública. O Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento (ITDP), por exemplo, em parceria com entidades que discutem o transporte sustentável e o impacto das ações climáticas, como o Idec e o ICS, produziu o estudo “Incentivos na regulamentação podem ser chave para a eletrificação” que detalha os maiores entraves e alerta que a revisão desses contratos e modelos é a oportunidade ideal para a incorporação de novas tecnologias que permitam ao País ter um transporte mais limpo e sustentável.
O estudo aborda o planejamento, a operação, o financiamento e o carregamento dos ônibus elétricos, além de repassar orientações para executá-los. No planejamento, destaca a importância de que sejam elaborados contratos de operação de acordo com o tipo de tecnologia a ser utilizada, o que garantirá uma maior qualidade do serviço e permitirá uma maior competitividade. Com menor duração, os contratos - defende o ITDP - devem incentivar a utilização de novas tecnologias e, ao mesmo tempo, conseguir acompanhar o avanço do setor.
Há recomendações inovadoras, que têm como base experiências bem sucedidas no mundo, e que podem dar a sustentação que a transição para a eletrificação do transporte público necessita. Recomenda, por exemplo, que a propriedade e a gestão das frotas de coletivos e garagens tenham contratos separados para otimizar a operação. O município, o Estado ou os consórcios metropolitanos, por exemplo, poderiam adquirir a frota de veículos e o setor privado operá-lo. Esse modelo reduziria custos porque significa a partilha dos riscos, que nos contratos brasileiros atuais ficam todos com o setor privado, engessando possíveis inovações no setor.
O estudo também fala da necessidade da inclusão de outros atores nos contratos além dos tradicionais do setor de transporte. Esses novos atores podem ser da iniciativa privada, como companhias de energia e instituições bancárias, por exemplo. Em Santiago, no Chile, a companhia energética local foi quem adquiriu os veículos elétricos.
A REALIDADE
O mundo já investe na eletrificação do transporte público - veja os exemplos de Shenzhen, no sudeste da China, metrópole moderna que liga Hong Kong ao continente chinês, e de Santiago, no Chile, o novo destaque na América Latina - e o Brasil começa a caminhar nessa direção. Atualmente, segundo dados do Ebus Radar, plataforma que promove e monitora frotas de ônibus elétricos no transporte público das cidades latino-americanas, o País tem uma frota de 247 ônibus elétricos que operam em sete cidades das regiões Sudeste (São Paulo, Campinas, Santos, Bauru e Volta Redonda), Sul (Maringá) e Centro-Oeste (Brasília). Recife, Fortaleza e Salvador também já realizaram testes com veículos elétricos, colocando o Nordeste no mapa. São números ainda pequenos, mas projetos têm sido executados e planejados no País, como em São Paulo e Curitiba.
SÃO PAULO
São Paulo é a mais avançada das cidades brasileiras na eletromobilidade. Tem a maior frota de ônibus 100% elétrico do País. Conta, atualmente, com 217 ônibus elétricos em circulação. A adoção da Lei do Clima em 2018 (Lei Municipal 16.802/2018) foi fundamental porque estabeleceu metas de redução de 50% da emissão de gases de efeito estufa (CO2) e de 90% de material particulado em dez anos, incorporadas aos contratos de concessão. E para atingir o objetivo, a capital paulista estimula a renovação da frota por veículos mais limpos, preferencialmente de zero emissões, como é o caso dos elétricos.
CURITIBA
Já Curitiba viabilizou, com financiamentos internacionais que totalizam U$S 181 milhões, a implantação de dois corredores de transporte público a serem operados com ônibus elétricos. O do Inter 2 (a linha circular que mais transporta passageiros depois do BRT no Eixo Sul) e o Corredor Metropolitano Leste-Oeste (ligando o município de Pinhais, no extremo Leste da Região Metropolitana de Curitiba, à estação CIC Norte, no extremo Oeste da capital paranaense).
O projeto do Inter 2 prevê recursos do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) no valor de U$S 106 milhões, cujo contrato de financiamento foi assinado esta semana. Já o Corredor Metropolitano Leste-Oeste terá um financiamento de US$ 75 milhões do New Development Bank (NDB), o banco dos BRICS.
Confira o projeto do Corredor elétrico Inter 2 de Curitiba:
ESTAÇÕES COM TRANSPORTE MULTIMODAL
Além da operação com ônibus elétricos, o projeto do corredor Inter 2 prevê a implantação de estações como centralidades de mobilidade. A proposta é que elas sejam um polo inteligente de transporte multimodal, com acesso para os ônibus elétricos, transporte sob demanda, bicicletas públicas compartilhadas (além de bicicletários) e patinetes elétricos. Também é prevista área para comércio e ampla estrutura de acesso para pedestres.
As atuais estações-tubo serão substituídas por equipamentos com novo desenho e várias formas de arranjo, com climatização artificial e painéis fotovoltaicos em sua cobertura, além de acesso exclusivo por smart card, o que permitirá eliminar a existência de cobrador e agilizará os embarques.
SANTIAGO, NO CHILE, É DESTAQUE
O Chile é, atualmente, o líder em eletromobilidade entre os países do continente latinoamericano. A cidade de Santiago tem a maior frota de ônibus elétricos fora da China: 776. O sucesso de Santiago é resultado de um contrato de concessão moderno, que considerou incentivos na inclusão e renovação da frota por veículos mais limpos. Um serviço de cada lote do contrato tem que operar com um veículo de tecnologia de baixa emissão.
O modelo de contrato mescla vários atores e, assim, mantém o equilíbrio financeiro e de gestão. Lá, a concessionária de energia é a proprietária da infraestrutura de carregamento e dos ônibus elétricos. Os veículos são alugados ao setor empresarial de transporte, sob um contrato de arrendamento de dez anos. E a gestora pública, no caso de Santiago é a Red Metropolitana de Movilidad, é responsável pela distribuição dos recursos do sistema. O Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), por exemplo, defendem esse modelo. Segundo a plataforma E-Bus Radar, a América Latina tem atualmente 1.229 ônibus elétricos. Depois do Chile, destaque para o México (238), Equador (105), Colômbia (92) e Argentina (88).
Comentários