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Porto Alegre reduz gratuidade de estudantes nos ônibus da cidade sob o argumento de baixar a tarifa

Decisão foi aprovada com folga pelos vereadores da capital gaúcha e duramente criticada por técnicos da mobilidade urbana pelo impacto social que provocará

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Roberta Soares

Publicado em 25/11/2021 às 13:05 | Atualizado em 25/11/2021 às 13:10
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Um passo para a frente. Outros dez para trás. Assim, está sendo analisada a decisão da Prefeitura de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, de reduzir a gratuidade social - especialmente de estudantes - do transporte público municipal. A revisão dos benefícios, prevista no Projeto de Lei do Executivo Nº 043/21, foi aprovada por 24 votos favoráveis a oito votos contrários na Câmara Municipal, nesta quarta-feira (24/11). O argumento do poder público é de que, assim, poderá reduzir o preço da tarifa. Mas a decisão - rara no País - tem sido duramente criticada por técnicos, que alertam que o impacto social vai ampliar ainda mais a fuga dos passageiros do transporte público coletivo.

Confira a matéria sobre a REVOLUÇÃO prometida por POA na mobilidade urbana e que nunca aconteceu

O ousado plano de Porto Alegre para financiar o transporte público

A medida dará isenção de 100% na primeira passagem a estudantes de baixa renda do Ensino Fundamental, com renda per capita de até R$ 1.650. Os estudantes de baixa renda do Ensino Médio e Técnico, com renda de até R$ 1.650,00, terão isenção de 75% na primeira passagem e os estudantes de baixa renda do Ensino Superior, Profissionalizantes ou Preparatórios, com renda de até R$ 1.650,00, terão 50%. Mas todos os estudantes com renda de até R$ 1.650,00 terão isenção de 100% na segunda passagem.

Já os estudantes do Ensino Fundamental, Médio, Técnico, Profissionalizante, Graduação e Preparatório, com salário per capita entre R$ 1.650,01 e R$ 1.925, terão 50% de isenção na primeira e segunda tarifa. E os com renda per capita entre R$ 1.925,01 e R$ 2.200 terão 25% de isenção na primeira e 50% na segunda passagem. Para receber o benefício, todos os estudantes deverão estar cadastrados no CADÚnico - o cartão eletrônico usado no transporte de POA.

GUSTAVO ROTH/PMPA
Em 2020, Porto Alegre tentou colocar em prática o chamado Transporte Cidadão, projeto ousado de priorização financeira, social e, principalmente, moral do transporte público coletivo da cidade - GUSTAVO ROTH/PMPA

As pessoas com deficiência permanente física, mental, auditiva ou visual, vivendo com HIV/AIDS, e acompanhante, com renda não superior a R$ 6.600,00, deverão regular seu cadastro na entidade representativa ou assistencial e ter inscrição no CADÚnico. Já as crianças e adolescentes assistidos deverão estar matriculados ou vinculados à entidade social ou socioeducativa, ter inscrição no CADÚnico, ter renda familiar não superior a R$ 1.650,00, desenvolver atividades no turno e contraturno na entidade referida. Já os profissionais da Brigada Militar deverão se apresentar uniformizados e estar na ativa.
Outras categorias que têm gratuidade como Bombeiros e funcionários dos Correios, por exemplo, não tiveram qualquer alteração no benefício. Extraoficialmente, a informação é de que a prefeitura também queria rever, mas a pressão dos vereadores foi maior.

RETROCESSO

A percepção é de que POA retrocedeu, principalmente quando se considera que, na gestão municipal anterior - do então prefeito Nelson Marchezan (PSDB) -, a capital gaúcha ganhou destaque nacional com uma proposta moderna e justa socialmente de financiamento do transporte público. A principal voz contrária tem sido o Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor). “O corte de gratuidades é uma decisão ruim e não vai ajudar na crise do transporte. Ao contrário, na verdade vai ampliá-la porque a população vai usar menos o transporte coletivo, vai abandonar o sistema e encontrar outras formas de deslocamento. A gente tem dados que mostram que os cortes sociais não geram receita. O impacto social da tarifa na vida das pessoas é muito menosprezado pelo setor de transporte. Eles não têm levantamentos sobre o tema e terminam tomando decisões erradas como essa. Vão ampliar a perda de passageiros e caminhar para precarizar ainda mais o serviço. POA nos impressiona. De uma proposta inovadora ano passado, de financiamento do transporte, para essa repetição do senso comum de cortar gratuidades”, alerta Rafael Calabria, Coordenador do Programa de Mobilidade Urbana do Idec.

O QUE DIZ A PREFEITURA

A Prefeitura de Porto Alegre defende o projeto de todas as formas. Diz que a proposta é que muitos dos isentos do pagamento da tarifa passem a ter o vale-transporte pago pelos empregadores. E, não, uma isenção sustentada pelo trabalhador que paga do próprio bolso. "Hoje, 30% dos passageiros não pagam passagem, enquanto muitos trabalhadores arcam com a tarifa inteira. As mudanças em andamento buscam um sistema eficiente na lógica do benefício ao usuário. A conta precisa fechar, e não às custas da população que necessita dos ônibus. Na reunião da Frente Nacional de Prefeitos, vamos pautar o debate do financiamento do transporte. Receita extra tarifária é essencial, e os municípios não têm condições de arcar sozinhos com esse custo", afirmou o prefeito Sebastião Melo (MDB).

A proposta da antiga gestão municipal da capital gaúcha, que não avançou:

Artes JC
As propostas para financiar o transporte público - Artes JC

RETIRADA DOS COBRADORES

Outra medida polêmica adotada em Porto Alegre foi a legalização da retirada gradual dos cobradores de ônibus. Serão quatro anos para o sistema de transporte deixar de ter os profissionais, ou seja, até dezembro 2025. Pelo menos o processo na capital gaúcha será feito de forma gradativa e, não, às escondidas, como aconteceu na Região Metropolitana do Recife. Para quem não lembra, a retirada dos cobradores começou sem um aviso prévio e claro à população, ainda em 2015. De tão confuso, o processo foi suspenso pelo governador Paulo Câmara, ainda na sua primeira gestão. Quase dois anos depois, foi retomado, mas com critérios técnicos que consideravam o perfil por linha e demanda de uso do bilhete eletrônico. Só que, na pandemia, o Estado não suportou a pressão do setor empresarial e, em julho de 2020, autorizou a retirada geral de todos os profissionais, ampliando a dupla função dos motoristas, que passaram a dirigir e receber o pagamento das passagens em dinheiro.

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Assim como foi na RMR, a justificativa da Prefeitura de Porto Alegre para a medida é “contribuir para a redução dos custos da tarifa”, além de “modernizar o sistema de transporte coletivo da capital”. Só que, no Grande Recife, a passagem nunca foi reduzida - no máximo, foi dado descontos condicionantes e limitados a certos grupos e determinados horários. 

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