Todos os olhares devem se voltar para Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, nesse momento. Pelo menos para quem, de alguma forma, tem relação ou se preocupa com a mobilidade urbana brasileira. A capital gaúcha está para colocar em prática o chamado Transporte Cidadão, projeto ousado de priorização financeira, social e, principalmente, moral do transporte público coletivo da cidade. Cobrará do transporte individual uma parcela de responsabilidade sobre o uso dominante do sistema viário. Um novo modelo de financiamento do setor em que toda a sociedade, assim como acontece com a saúde e a educação públicas, paga para tornar o transporte coletivo mais acessível.
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O projeto é ousado porque é a primeira iniciativa concreta do poder público de cobrar que todos os motoristas, usuários ou não do transporte público, paguem para financiá-lo pelo bem da sociedade e das cidades. Uma estratégia defendida há muitos anos por quem vivencia a mobilidade urbana, mas que nunca tinha sido encarada por nenhum gestor por ser polêmica. Por isso, o Brasil precisa olhar para ele. Para que outras cidades o adotem, espelhem-se nele. Com o pacote de propostas elaborado pelo executivo municipal gaúcho, a passagem de ônibus de Porto Alegre custaria, no máximo, R$ 2 para o trabalhador e R$ 1 para os estudantes. Teria uma redução de R$ 2,70 e R$ 3,70, respectivamente. E, assim, poderia atrair mais usuários e manter aqueles que precisam do sistema. Essa é a aposta.
O transporte público é um direito social e precisa ser visto como tal. Na saúde e na educação públicas, por exemplo, o usuário não tem que pagar diretamente pelo serviço oferecido. É um custo dividido com toda a sociedade. Por que com o transporte público é diferente? É o passageiro quem paga? E quase sempre sozinho. Não é justo. É essa lógica que queremos inverter com o Projeto Transporte Cidadãoprefeito de Porto Alegre, Nelson Marchezan Júnior
São seis novas propostas que complementam e atualizam as que foram enviadas em janeiro de 2020 para a Câmara de Vereadores e que até agora não foram encarados pelos parlamentares - exatamente pela polêmica e o desgaste político que os envolve. A Prefeitura de Porto Alegre reviu algumas exigências e aproveita os efeitos da crise da pandemia no setor para fazer pressão sobre o Legislativo Municipal. Por lá, a situação é semelhante a de todo o País: queda de 32% no número de passageiros desde 2013 e, com o coronavírus, redução de até 80% da demanda. E, mesmo após a retomada de alguns setores, de 30% a 50% dos passageiros.
O Brasil deve acompanhar o desenrolar da proposta em Porto Alegre porque ela traz inovações como a cobrança de pedágio (Taxa de Congestionamento) para acesso ao Centro e de taxa dos aplicativos de transporte individual de passageiros, como Uber e 99, pelo uso do sistema viário (TUSV). Outra novidade é a Taxa de Mobilidade Urbana, uma alternativa ao vale-transporte oficial a ser cobrada dos empregadores que, segundo a prefeitura, tem valor inferior ao custo do VT. Todos os recursos com a destinação específica e exclusiva para reduzir a passagem cobrada no transporte público. “Essa é a diferença do nosso projeto. Toda cobrança feita e isenção concedida é destinada à redução da tarifa do transporte público. Não é receita do tesouro municipal. É para fazer justiça com o transporte coletivo, para a modicidade tarifária. Outras cidades já adotaram algumas dessas medidas, mas sempre destinando o recurso para o tesouro municipal”, explicou o prefeito de Porto Alegre, Nelson Marchezan Júnior.
A chamada Tarifa de Congestionamento, uma nova denominação para o pedágio urbano, é uma taxa pelo dano ambiental que as retenções provocadas pelo automóvel provocam. Na proposta inicial, previa a cobrança de R$ 4,70 (o valor da passagem de ônibus de POA) dos veículos particulares que entrassem na cidade, mas depois de reações contrárias, foi restringida ao acesso ao Centro da capital gaúcha. Mesmo assim, uma medida que, pelas contas da prefeitura, possibilitará reduzir a passagem em R$ 1,60 (34%).
O País inteiro está aguardando o que vai acontecer em Porto Alegre. Se as propostas passarão no Legislativo. Uma das questões mais importantes para fazer o transporte público avançar no Brasil é justamente limpar todo o entulho legislativo que temos do passado. São muito importantes tanto a pressão democrática da população como o esforço que o município está fazendo. É preciso promover essa mudança para que o Executivo consiga governarJurandir Fernandes, presidente da Divisão América Latina da UITP
A Taxa de Utilização do Sistema Viário (TUSV) difere de outras cidades que a adotaram, como Fortaleza (CE), São Paulo (SP), Brasília (DF), Curitiba (PR) e São José dos Campos (SP), porque a arrecadação é destinada à diminuição da tarifa do transporte coletivo. Nas outras cidades, as destinações não são para o setor, mas para ações de mobilidade em geral. A Taxa de Mobilidade Urbana é uma substituição do vale-transporte. Os empregadores não comprariam mais vale-transporte. Pagariam uma taxa-base para todos os empregados, com custo médio do empregador tendo uma redução de R$ 240 para até R$ 63.
MAIS LIBERDADE PARA INOVAR
Além de taxar o transporte individual - incluindo os apps de transporte - o projeto de Porto Alegre propõe dar mais liberdade administrativa para que o setor possa ser modernizado. São alterações e flexibilizações na regulamentação do serviço prestado que vão facilitar o processo de inovação, por exemplo. É o caso de três propostas: A ampla revisão na legislação dos ônibus e na Lei do Sistema de Transporte Público de Porto Alegre (STPOA).
As duas propostas vão permitir, em resumo, incorporar novas tecnologias sem necessidade de aprovação do Legislativo e possibilitar, por exemplo, o uso de veículos menores em dias/horários com menor demanda. Além disso, a criação de novas fontes de custeio para reduzir a tarifa.
CONHEÇA AS PROPOSTAS
Novas propostas (encaminhadas na semana passada em cinco PLs para a Câmara de Vereadores):
Receitas Extra Tarifárias – Possibilita a incorporação de outras receitas no sistema de transporte para redução da tarifa. Benefícios: alguns exemplos são usar verbas de rendimentos da compra de passe antecipado, estacionamento públicos, entre outros, para reduzir a tarifa.
O Brasil todo está na expectativa dessa discussão. Ela abre portas para um novo patamar do financiamento do transporte público. Torcemos para que a sociedade porto-alegrense tenha maturidade para apoiar e se mobilizar ao redor dessas propostas, aprimorando-as, se for o caso, mas mantendo a sua essência, que é recapacitar e redesenhar o papel do transporte público na cidade. Porto Alegre está de parabéns por ter coragem de iniciar uma discussão como essa, de vanguarda. Nada substitui o transporte público urbano. Qualquer outro modal vai sempre ser complementar a eleSérgio Avelleda, diretor de Mobilidade Urbana da WRI Brasil
Tarifa de Congestionamento - Prevê cobrança de taxa de congestionamento e dano ambiental para ser destinada exclusivamente como subsídio ao sistema de transporte público. O valor, de R$ 4,70, seria cobrado entre 7h e 20h, em dias úteis, para circulação no Centro Histórico (exceto de veículos de socorro médico, oficias de órgãos públicos, transporte público e moradores do Centro). Impacto na tarifa: redução de R$ 1,60 (34%).
Alterações da emissão do Cartão TRI Escolar - Retira a obrigatoriedade de intermediação de Centros Acadêmicos e Grêmios Estudantis na solicitação e renovação do Cartão TRI para estudantes. Benefícios: sistema mais moderno, com menos custo e mais rapidez.
Revisão da Lei do Sistema de Transporte Público de Porto Alegre (STPOA) - Complemento à modernização das normas do serviço de transporte público. Benefícios: adequação à legislação federal que disciplina concessões de serviços públicos; possibilita a criação de outras fontes de custeio para reduzir a tarifa.
Ampla revisão na legislação dos ônibus - Modernização das normas do serviço de transporte público. Flexibiliza a legislação para facilitar a resposta do poder público aos avanços tecnológicos e a novas opções de mobilidade.
Propostas enviadas em janeiro/2020 à Câmara:
Fim da Taxa de Gestão da Câmara de Compensação Tarifária (CCT) – Extingue a taxa administrativa cobrada pela prefeitura para fazer a gestão do sistema de transporte. Impacto na tarifa: redução de R$ 0,15 (3%).
Tarifa de Uso do Sistema Viário - Taxa pelo uso intenso do sistema viário, com a cobrança de R$ 0,28 por km rodado. Recursos 100% destinados para subsidiar a passagem. Impacto na tarifa: redução de R$ 0,70 (14%).
Taxa de Mobilidade Urbana - Valor cobrado das empresas por empregado com carteira assinada. Empregadores não iriam mais comprar vale-transporte. Passam a pagar uma taxa-base para todos os seus empregados. Benefício: transporte livre para todos os trabalhadores (24 horas). Custo médio ao empregador teria redução de R$ 240,00 para até R$ 63,00.
Precisamos pensar no transporte público, priorizar essa forma de deslocamento, agir agora. O ônibus é a única alternativa para levar muitas pessoas ao trabalho. E não existe transporte público de qualidade, em nenhuma cidade do mundo, sem subsídio para custeá-lo. Precisamos fazer com que todos ajudem. Os aplicativos de transporte, por exemplo, são muito bem vindos em Porto Alegre, mas eles precisam, assim como o transporte individual, pagar pelo uso de toda a infraestrutura que o cidadão pagouRodrigo Tortoriello, secretário municipal extraordinário de Mobilidade Urbana de Porto Alegre
Autorização ao Executivo para conceder desconto na tarifa - Município pode conceder descontos tarifários e na compra de passes antecipados, em horários/dias determinados (baixa demanda), para incentivar o uso do transporte público. Impacto na tarifa: redução de preço para quem anda fora dos horários de pico.
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O transporte público é um direito social e precisa ser visto como tal. Na saúde e na educação públicas, por exemplo, o usuário não tem que pagar diretamente pelo serviço oferecido. É um
prefeito de Porto Alegre, Nelson Marchezan JúniorCitação
O País inteiro está aguardando o que vai acontecer em Porto Alegre. Se as propostas passarão no Legislativo. Uma das questões mais importantes para fazer o transporte público avançar no Brasil é justamente
Jurandir Fernandes, presidente da Divisão América Latina da UITPCitação
O Brasil todo está na expectativa dessa discussão. Ela abre portas para um novo patamar do financiamento do transporte público. Torcemos para que a sociedade porto-alegrense tenha maturidade para apoiar e se mobilizar ao redor dessas
Sérgio Avelleda, diretor de Mobilidade Urbana da WRI BrasilCitação
Precisamos pensar no transporte público, priorizar essa forma de deslocamento, agir agora. O ônibus é a única alternativa para levar muitas pessoas ao trabalho. E não existe transporte público de qualidade, em nenh
Rodrigo Tortoriello, secretário municipal extraordinário de Mobilidade Urbana de Porto Alegre
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