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Os bairros do Recife onde o trânsito é mais perigoso

O JC inicia a série Trânsito travado para discutir as dificuldades e perigos do trânsito, um sistema vivo, mutante, perigoso, e que exige investimentos permanentes

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Roberta Soares

Publicado em 06/03/2022 às 8:00 | Atualizado em 10/11/2022 às 12:49
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A pandemia de covid-19 mudou e impactou a todos, em todas as áreas e lugares. No trânsito das cidades também. Por um tempo, logo no início da crise sanitária, acreditamos que mudaríamos para melhor. Isso não aconteceu, pelo menos quando a referência é o trânsito urbano. As estatísticas já mostram que estamos voltando aos patamares pré-pandêmicos em mortes e mutilações, índices de congestionamentos, infrações e até mesmo na busca pela habilitação para conduzir veículos. Regredimos em alguns aspectos, inclusive. Por isso, o Jornal do Commercio resolveu voltar a falar de trânsito. Das dificuldades de fazer parte dele e de gerí-lo, e de suas necessidades evidentes, que mexem com o dia a dia das cidades, a vida e saúde das pessoas.

Confira a série Trânsito travado:

Tecnologia fica a desejar na gestão do trânsito

Apesar dos problemas, gestão municipal tem resultados positivos

Nessa busca, entrou nos cinco bairros do Recife que mais tiveram sinistros de trânsito com vítimas (não se define mais como acidente de trânsito devido à mudança promovida pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), que alterou a terminologia no fim de 2020). Escolheu os cinco piores bairros sob o parâmetro da segurança viária, que é a abordagem que mais importa - ou deveria importar - quando olhamos para a circulação de veículos e pessoas nas ruas e avenidas: o trânsito nosso de cada dia. Confira o resultado na série Trânsito travado, que o JC publica nos próximos domingos.

BRUNO CAMPOS/JC IMAGEM
A reportagem do JC flagrou uma forte colisão provocada exatamente pela falta de orientação sobre a prioridade viária nas ruas - BRUNO CAMPOS/JC IMAGEM
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A reportagem do JC flagrou uma forte colisão provocada exatamente pela falta de orientação sobre a prioridade viária nas ruas - BRUNO CAMPOS/JC IMAGEM
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A indústria automobilística emprega pouco comparado à riqueza que produz - BRUNO CAMPOS/JC IMAGEM

OS CINCO BAIRROS QUE LIDERAM O PERIGO

Os dados são da Autarquia de Trânsito e Transporte Urbano do Recife (CTTU), que opera e gere o trânsito no Recife. Em primeiro lugar, sem surpresas, vem o bairro de Boa Viagem, o propulsor econômico da capital, localizado na Zona Sul da cidade. E também o bairro mais populoso - pelos dados do IBGE, são 123 mil habitantes - e o que concentra a maior frota veicular da cidade - 88.748 veículos em fevereiro de 2022, segundo o Detran-PE. Foram 173 ocorrências com vítimas em 2020 - mesmo o Recife, o Brasil e o mundo estando no auge da pandemia de covid-19. Quantia que representa 11 % dos registros da capital no mesmo ano - 1.560 sinistros com vítimas no Recife em 2020.

A colocação, inclusive, cai muito bem em Boa Viagem. Por ter grandes corredores viários, o perigo na circulação do bairro é quase palpável. E quem confirma essa percepção são os moradores do bairro, tanto os que vivem na Avenida Boa Viagem - onde são comuns as violentas colisões contra muros de prédios e postos de veículos conduzidos por motoristas em velocidade e sob efeito de álcool -, como aqueles que residem nas ruas mais calmas, nos quarteirões do lado oeste da Avenida Domingos Ferreira, na direção do bairro vizinho da Imbiribeira.

ARTES JC
Trânsito - ARTES JC

A ausência de sinalização é a grande reclamação no bairro. Um pouco menos percebida nos grandes eixos viários da região, mas em falta nas outras vias, o que confunde motoristas e provoca sinistros de trânsito. “A situação de Boa Viagem, de fato, corresponde à realidade. Principalmente nessa região dos colégios. Nos cruzamentos, é comum ninguém respeitar o que é preferencial, mão e contramão. As ruas são mal planejadas, algumas que deveriam ter sentido único, têm sentido duplo, e faltam calçadas. É tudo muito bagunçado e confuso. Isso chama minha atenção desde que vim morar aqui. Quando há placas, elas ficam escondidas. Por isso tantas colisões”, critica Marcelo Bronzatti, engenheiro de TI e natural de São Paulo, que reside em Boa Viagem há oito anos.

Confira a série de reportagens Por um novo transitar

O engenheiro alerta, inclusive, que é possível organizar o trânsito gastando menos. “A cidade do meu pai, no interior de São Paulo, tinha problemas como esses, e a gestão instalou faixas nas ruas para orientar os motoristas. É claro que tudo passa pelo condutor e percebo uma falta de educação muito grande entre as pessoas que dirigem. Mas sem dúvida o poder público precisa se fazer mais presente, investir mais em tecnologia, por exemplo”, alerta.

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Marcelo Bronzatti, engenheiro de TI e natural de São Paulo, que reside em Boa Viagem há oito anos - BRUNO CAMPOS/JC IMAGEM

Essa ausência a que se refere o engenheiro fica ainda mais evidente em Boa Viagem pela dimensão urbanística, comercial e residencial do bairro. A reportagem do JC, por exemplo, flagrou uma forte colisão provocada exatamente pela falta de orientação sobre a prioridade viária nas ruas. Dois condutores se chocaram violentamente no cruzamento das Ruas Professor José Brandão e Antônio de Sá Leitão, nas imediações dos Colégios Boa Viagem e Santa Maria - área do bairro conhecida pelos problemas de trânsito -, por volta das 7h da terça-feira (22/2).

ARTES JC
Trânsito - ARTES JC

A provável razão da colisão: a ausência de sinalização vertical e horizontal indicando que o tráfego é preferencial para quem está na Rua professor José Brandão. Minutos depois, uma segunda colisão por pouco não aconteceu pelas mesmas razões.

A Via Mangue - uma via semi expressa de cinco quilômetros construída por mais de R$ 500 milhões - ajudou a retirar boa parte do tráfego de passagem do bairro, mas, ao mesmo tempo, atraiu uma circulação inexistente para ruas que cortam o sistema viário local para acessar o corredor. A insegurança presenciada pelo JC e criticada pelos moradores se deu exatamente numa área com essas características.

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A implantação da Avenida Arquiteto Luiz Nunes, uma paralela à Avenida Mascarenhas de Moraes - que teve o prolongamento executado em 2009 - não foi suficiente para desafogar a Mascarenhas, como proposto, mas ajudou na circulação do bairro - BRUNO CAMPOS/JC IMAGEM

MAIS PERIGO

O segundo bairro recifense mais perigoso sob o aspecto do trânsito é a Imbiribeira, na Zona Sul da cidade, vizinho de Boa Viagem e também marcado por uma infraestrutura de grandes vias, como é o caso da Avenida Mascarenhas de Moraes. Além de larga, é um eixo rodoviário que representa a principal entrada da capital pela Zona Sul. Foram 83 sinistros de trânsito com vítimas em 2020 no bairro.

Embora não figure entre as localidades que mais têm veículos registrados, a Imbiribeira sofre as consequências de ser um bairro de passagem e de ligação entre as Zonas Sul e Oeste. Além disso, as liga ao Centro do Recife. Também recebe o pesado volume de tráfego da área sul da Região Metropolitana, vindo dos municípios de Jaboatão dos Guararapes e do Cabo de Santo Agostinho, por exemplo.

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José Augusto da Silva, que reside na Imbiribeira, próximo à Avenida Arquiteto Luiz Nunes - BRUNO CAMPOS/JC IMAGEM

A implantação da Avenida Arquiteto Luiz Nunes, uma paralela à Avenida Mascarenhas de Moraes - que teve o prolongamento executado em 2009 - não foi suficiente para desafogar a Mascarenhas, como proposto, mas ajudou na circulação do bairro. “De fato, ela virou alternativa quando há problemas na Mascarenhas de Moares, mas falta controle de velocidade e mais segurança para o pedestre e o ciclista. Esse é o nosso problema”, diz o porteiro José Augusto da Silva, que reside na Imbiribeira, próximo à Avenida Arquiteto Luiz Nunes.

A pavimentação da Avenida Pinheiros em toda sua extensão, uma reivindicação feita pelos moradores há 38 anos e atendida, três anos atrás, na gestão do então prefeito do Recife Geraldo Julio, foi algo que ajudou na circulação interna do bairro. A servidora pública aposentada Inês Benvinda dos Santos diz que a obra, de fato, mudou a realidade do bairro. “Melhorou muito. Antes da pavimentação de toda a avenida, nem táxi queria entrar aqui. Esperamos quase 40 anos por isso”, diz.

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Servidora pública aposentada Inês Benvinda dos Santos, que reside na Imbiribeira - BRUNO CAMPOS/JC IMAGEM

SISTEMAS VIÁRIOS RESTRITOS

Em terceiro lugar, vem o bairro de Santo Amaro, na área central da cidade, com 74 ocorrências com vítimas. Na quarta posição, colado com ele, o bairro da Madalena, no início da Zona Oeste do Recife, com 72 registros de sinistros de trânsito com vítimas. E, em quinto, o bairro do Cordeiro, também na Zona Oeste, com 52 ocorrências.

No caso do Cordeiro, toda a circulação e os problemas são focados na Avenida Caxangá, o principal corredor da região e, principalmente, do bairro. Embora tenha um bom sistema viário, com vias largas do lado sul da Caxangá, faltam conexões entre as ruas, tornando o Cordeiro totalmente dependente da Avenida Caxangá. Até mesmo os giros de quadra, devido à prioridade semafórica que precisa ser dada ao corredor, sofrem com retenções diárias, irritando motoristas.

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O tempo de deslocamento nas grandes cidades chega a 127 minutos por dia e, afirmam especialistas, o prejuízo à qualidade de vida e ao bem-estar é imediato - BRUNO CAMPOS/JC IMAGEM
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OOs congestionamentos custam R$ 267 bilhões por ano ao País, o equivalente a 4% do Produto Interno Bruto (PIB) - BRUNO CAMPOS/JC IMAGEM

“De fato, quem mora ou circula pelo Cordeiro depende totalmente da Caxangá, que já não suporta a quantidade de veículos que recebe, muitos deles vindos de outros municípios da Região Metropolitana, como Camaragibe e São Lourenço da Mata, por exemplo. É uma conta difícil de fechar”, diz Luiz Carlos Souza, motorista de táxi há 30 anos, que faz ponto em frente ao Hospital Getúlio Vargas, no coração do bairro do Cordeiro.

A Avenida Maurício de Nassau, mais conhecida como Paralela da Caxangá, assim como a Avenida Arquiteto Luiz Nunes, na Imbiribeira, colaborou, mas não conseguiu desafogar a Caxangá como se esperava. “Ajudou, sem dúvida, mas os congestionamentos acontecem ali também. Principalmente devido ao afunilamento que existe num trecho dela, nunca resolvido desde sua abertura”, critica o taxista. O mesmo acontece com a Avenida Gomes Taborda, antiga Rua da Lama, que deveria ter o papel de corredor para ajudar a desafogar a Caxangá, mas não consegue devido ao caos urbano, sem controle e fiscalização, que impera no trânsito do local.

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Essa realidade do Recife é o tema da segunda reportagem da série Trânsito travado, que o JC está publicando para discutir as dificuldades e perigos do trânsito, um sistema vivo, mutante, perigoso, e que exige investimentos permanentes - GUGA MATOS/JC IMAGEM
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Das nove capitais brasileiras que integram o ranking anual Traffic Index da TomTom em 2021, o Recife foi a que teve o pior desempenho no Brasil, mesmo com o País apresentando melhorias em relação à circulação de 2019 - GUGA MATOS/JC IMAGEM

EM SEGUNDO PLANO

Horácio Augusto Figueira, consultor em segurança de trânsito em São Paulo, coloca o dedo na ferida e avalia que, de forma geral, os gestores priorizam a fluidez do tráfego em detrimento da segurança viária nas cidades brasileiras. E defende que a fiscalização precisa estar presente nas ruas de forma aleatória, exatamente para estimular no motorista o respeito permanente às regras do trânsito.

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Luiz Carlos Souza, motorista de táxi há 30 anos, que faz ponto em frente ao Hospital Getúlio Vargas, no coração do bairro do Cordeiro - Guga Matos/JC Imagem

“A preocupação é maior com a fluidez do que com a segurança viária. E no Recife não é diferente. A fiscalização de trânsito foca mais na fluidez, no estacionamento rotativo e no respeito à faixa de ônibus, por exemplo. A ausência de uma fiscalização aleatória, capaz de colocar o poder público presente em toda a cidade por períodos - uma técnica que montamos e defendemos há muito tempo - é resultado dessa omissão. Mais da metade das multas manuais são por fluidez. A segurança deveria estar em primeiro lugar. A impressão que temos é que o poder público não quer incomodar o cidadão com as notificações de trânsito. Faz o mínimo necessário. E isso é em todo o País”, pontua o especialista.

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Em quinto lugar entre os mais perigosos está o bairro do Cordeiro, na Zona Oeste, com 52 ocorrências se sinistros de trânsito com vítimas. Um bairro totalmente dependente da Avenida Caxangá, corredor inseguro e de alta velocidade - Guga Matos/JC Imagem
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Em quinto lugar entre os mais perigosos está o bairro do Cordeiro, na Zona Oeste, com 52 ocorrências se sinistros de trânsito com vítimas. Um bairro totalmente dependente da Avenida Caxangá, corredor inseguro e de alta velocidade - Guga Matos/JC Imagem

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