A mistura perigosíssima de álcool e direção provoca uma média de 1,2 morte por hora. Esse dado assustador é do Ministério da Saúde e foi revelado pelo Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (Cisa) em referência aos 15 anos da Lei Seca, a lei que implantou a tolerância zero para o consumo de álcool ao volante no Brasil, comemorados nesta segunda-feira (19/6).
A análise sobre a Lei Seca, marco na luta contra a violência no trânsito brasileiro, revela que 10.887 pessoas perderam a vida em decorrência da mistura de álcool com direção em 2021.
Apesar de ainda alarmante, a taxa de mortes por 100 mil habitantes de 2021 foi 32% menor que a de 2010, quando a Lei Seca tinha apenas dois anos. O número de mortos por ano caiu de sete para cinco por 100 mil habitantes no período.
NÃO É ACIDENTE PORQUE É EVITÁVEL
"Esse número é altíssimo se a gente considerar que as mortes atribuídas ao álcool por sinistro de trânsito são completamente evitáveis. É só você não beber", diz o psicólogo e pesquisador do Cisa, Kaê Leopoldo, em entrevista à Agência Brasil. Não se define mais acidente de trânsito. Agora é sinistro de trânsito.
Segundo o levantamento, cerca de 5,4% dos brasileiros relataram dirigir após beber, índice que tem apresentado estabilidade no País. Para o pesquisador, o número ainda é excessivamente alto, mas a tendência é de redução ao longo dos dez anos analisados.
HOSPITALIZAÇÕES DE MOTOCICLISTAS E CICLISTAS EM ALTA NO PAÍS
Segundo o levantamento do Cisa, o total de hospitalizações cresceu 34% no período estudado, passando de 27 para 36 internações a cada 100 mil habitantes. A pesquisa mostra, também, que esse crescimento foi puxado por sinistros de trânsito com motociclistas e ciclistas. Já os registros com pessoas que estavam em veículos e de pedestres envolvidos em ocorrências causadas pelo consumo de álcool tiveram redução.
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O pesquisador do Cisa opina que a expansão das hospitalizações envolvendo ciclistas e motociclistas pode estar relacionada ao aumento da frota no período.
"Principalmente na questão dos motociclistas, que representam um caso que merece atenção especial. Cresceu o total de motoboys e de entregadores. Eles passaram a trabalhar em horários que, às vezes, há outras pessoas dirigindo embriagadas", destacou Kaê Leopoldo à Agência Brasil.
DIFERENÇAS ENTRE OS ESTADOS
Os números de óbitos e hospitalizações variam bastante de acordo com o estado. Enquanto Tocantins (11,8), Mato Grosso (11,5) e Piauí (9,3) registram mais de nove óbitos a cada 100 mil habitantes por sinistros motivados pelo consumo de álcool, Amapá (3,6), São Paulo (3,5), Acre (3,5), Amazonas (3,2), Distrito Federal (2,9) e Rio de Janeiro (1,6) não chegam nem a quatro óbitos por 100 mil habitantes.
Em relação a hospitalizações, elas podem variar de 85,2 a cada 100 mil pessoas, como no Piauí, até 11,8 a cada 100 mil no Amazonas. A diferença é de mais de sete vezes entre os dois estados. Para o pesquisador, é difícil entender essa diferença.
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"Temos alguns indicativos como implementação de políticas públicas, fiscalização, densidade de blitzes, fatores culturais, frota de veículos e qualidade da frota e das estradas. Tudo isso entra no cálculo e afeta na diversidade dessas taxas de óbitos e hospitalizações", argumenta.
O Cisa defende que as autoridades locais devem aumentar a fiscalização nas ruas e implementar campanhas de educação.
PERFIL DAS VÍTIMAS SEGUE O MESMO: JOVENS E HOMENS
O perfil das vítimas de sinistros de trânsito envolvendo consumo de álcool é majoritariamente masculino. Isso porque 85% das hospitalizações envolvem homens, enquanto 89% das mortes causadas pelo álcool são de pessoas do sexo masculino.
"Em relação à faixa etária, a população entre 18 e 34 anos de idade é a mais afetada", informa o estudo. O Centro de Informações sobre Saúde e Álcool alerta que não há um volume seguro para ingestão de bebidas alcoólicas antes de dirigir.
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Arthur Guerra, psiquiatra e presidente do Cisa, acentua que muitas pessoas acreditam que a pouca ingestão de álcool não interfere na capacidade de dirigir.
"Em pequenas quantidades, o álcool já é capaz de alterar os reflexos do condutor e, conforme a concentração de álcool no sangue, [ele] se eleva e aumenta também o risco de envolvimento em acidentes de trânsito graves, uma vez que provoca diminuição de atenção, falsa percepção de velocidade, aumento no tempo de reação, sonolência, redução de visão periférica e outras alterações neuromotoras", finalizou.
A EVOLUÇÃO DA LEGISLAÇÃO DA LEI SECA
Popularmente conhecida como Lei Seca, 15 anos atrás foi incluída no Código de Trânsito Brasileiro (CTB) a tolerância zero à mistura álcool e direção e outras substâncias capazes de alterar a forma de condução dos veículos.
Até então - como explica a Polícia Rodoviária Federal (PRF) -, não era prevista punição a motoristas que dirigissem após o consumo de pequenas quantidades de álcool. A partir da mudança, conduzir veículos em via pública com qualquer teor de álcool no organismo passou a caracterizar infração de trânsito gravíssima, com multa de R$ 2.934,70 e suspensão da Carteira Nacional de Habilitação por 12 meses.
E pode ir além da esfera administrativa, com motoristas cometendo crimes de trânsito. Desde 2012, o Artigo 306 do CTB define como conduta criminosa conduzir veículo com mais de 0,3 mg de álcool por litro de ar alveolar ou 6 dg de álcool por litro de sangue, ou com a capacidade psicomotora alterada por outra substância psicoativa.
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“O motorista abordado nessa situação é preso em flagrante e encaminhado à Polícia Civil. As sanções administrativas são mantidas e o condutor pode responder a processo na Justiça. As penalidades para o crime de "embriaguez" ao volante são de detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor”, destaca a PRF.
MAIS RIGOR PARA QUEM MATA NO TRÂNSITO SOB INFLUÊNCIA DO ÁLCOOL
Outro significativo avanço relacionado ao tema foi o endurecimento punitivo para dois crimes de trânsito, quando cometidos sob influência de álcool ou outras substâncias psicoativas que possam gerar dependência.
Com a aprovação da Lei 13.546 de 2017, a pena para quem provocar homicídio culposo (sem intenção) na direção de veículo automotor, quando embriagado, passou de 2 a 4 anos de detenção, para 5 a 8 anos de reclusão (prisão), além da suspensão da CNH.
Para o crime de lesão corporal culposa (sem intenção) na direção de veículo automotor, se praticado sob o efeito de álcool ou outro entorpecente, a pena também é de reclusão. No entanto, pelo período de 2 a 5 anos, caso as lesões sejam de natureza grave ou gravíssima, além da suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.
VEJA NÚMEROS DA PRF NAS ESTRADAS FEDERAIS
Testes e autuações feitas pela PRF (2011 a 2022):
Ano - Testes realizados - Autuações por consumo de álcool
2011 - 93.922 - 3.963
2012 - 648.291 - 25.051
2013 - 1.515.165 - 33.593
2014 - 1.017.716 - 20.820
2015 - 1.999.604 - 21.776
2016 - 1.939.937 - 16.284
2017 - 896.757 - 17.640
2018 - 1.708.797 - 16.661
2019 - 2.482.439 - 17.157
2020 - 893.107 - 9.108
2021 - 420.502 - 8.186
2022 - 2.889.992 - 11.750
Prisões por embriaguez feitas pela PRF (2008 a 2022):
Ano Prisões
2008 - 5.987
2009 - 9.037
2010 - 9.929
2011 - 8.501
2012 - 8.159
2013 10.204
2014 - 5.497
2015 - 4.345
2016 - 6.959
2017 - 2.745
2018 - 5.803
2019 - 6.260
2020 - 5.863
2021 - 4.808
2022 - 5.640
Fonte: Diretoria de Operações de PRF
* Com informações da Agência Brasil