Surf nos ônibus: projeto de lei que proíbe ‘surf’ nos coletivos pode ser bem intencionado, mas não trata do que mais importa: a segurança pública
A executabilidade da proposta de coibir o 'surf' é difícil. Aliás, complicada demais porque não envolve o que mais é necessário: a segurança pública
A Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe), o deputado Pastor Júnior Tércio (PP) e o governo de Pernambuco têm um grande e explosivo problema nas mãos com a aprovação do PL 1366/2023, que tenta coibir a prática do chamado ‘surf’ ou ‘amorcegamento’ nos ônibus, prática que tem sido corriqueira no dia a dia do transporte público do Grande Recife, inclusive com mortes de adolescentes.
Os últimos protestos dos rodoviários, realizados em dois dias consecutivos - na segunda (4) no Centro do Recife e nesta terça (5) no Terminal Integrado da PE-15 - confirmam isso. Embora o deputado, autor do projeto, garanta que a intenção do PL foi boa - e parece, sim, ter sido bem intencionada -, a execução da proposta é difícil. É quase inexequível da forma como está. Isso porque não envolve o que mais é necessário: a segurança pública.
Não à toa, os rodoviários já começaram a fazer essas ponderações. Alegam que a explosão do ‘surf’ e ‘amorcegamento’ por vândalos nos ônibus é um problema de polícia. E, não, de operadores - tanto motoristas como empresas - ou de passageiros.
E, ressabiados com as perdas históricas vivenciadas pela categoria e agravadas com a pandemia de covid-19, gritam que vai sobrar para o motorista de ônibus. Que a ‘boa intenção’ do PL aprovado em plenário pela Alepe vai representar pressão sobre o trabalhador. E vai mesmo.
Além do teor em si do PL, que de fato não é prático, é preciso considerar um componente político na discussão: as eleições internas do Sindicato dos Rodoviários de Pernambuco, que acontecerão em breve e está sendo alimentada por todo e qualquer tema que envolve a categoria. É tanto que um dos protestos foi realizado pela atual direção do sindicato e o segundo foi pela oposição.
RODOVIÁRIOS ALEGAM QUE MULTAS ÀS EMPRESAS VÃO GERAR PRESSÃO SOBRE CATEGORIA
Quem anda de ônibus, quem utiliza o transporte público sabe disso. E mais: quem já presenciou a prática do ‘surf’ nos ônibus vai concordar ainda mais. Só a polícia resolve. O Estado - via o Grande Recife Consórcio de Transporte Metropolitano (CTM) - há meses realiza campanhas educativas em terminais de ônibus, em escolas e nas comunidades de onde a maioria dos mini-vândalos saem. Mas o resultado tem sido pequeno.
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E, embora o PL preveja a responsabilidade de multas para as empresas de transporte - que também não têm como evitar a prática do ‘surf’ sem força policial -, a pressão cairá sobre quem faz a roda girar: o motorista de ônibus. E, consequentemente, sobre o passageiro, que ficará no meio do fogo cruzado.
“Uma lei para coibir o ‘surf’ nos ônibus nós esperamos há muito tempo porque o motorista tem sido vítima desses vândalos há muito tempo, mas o deputado não teve o cuidado de proteger o motorista. Quando ele diz que o motorista tem que parar o ônibus e tirar o vândalo de cima, está colocando em risco a vida do profissional”, afirma o rodoviário Josival Costa, secretário do Sindicato dos Rodoviários.
GOVERNO DO ESTADO PRECISA SER RESPONSABILIZADO PELA SEGURANÇA PÚBLICA
“O fato de o PL penalizar as empresas é outro problema porque elas irão para cima dos motoristas quando receberem multas. Irão transferir para os trabalhadores. haverá multas, suspensões e até demissões. E para não ser demitido, os motoristas vão ter que se submeter a essa situação de risco”, reforça.
E apela: “Por isso pedimos que o PL seja modificado. Que, todos juntos, possamos discutir formas de criar uma lei que não puna o motorista, que seja bom para os operadores e os passageiros. Até porque o deputado esqueceu de apontar quem tem responsabilidade pela segurança pública, que é o governo do Estado. em nenhum momento ele é citado”, diz.
AUTOR DO PROJETO EXPLICA QUE BUSCOU A MORALIZAÇÃO DO SISTEMA
O deputado estadual Pastor Júnior Tércio se pronunciou nas redes sociais sobre os protestos que têm acontecido no Grande Recife desde a aprovação do PL. Tércio afirmou que a medida não vai gerar punições aos motoristas.
"É mentira. Qual o sentido de punir os motoristas que são tão vítimas desses vândalos, quanto os próprios passageiros?", rebateu o deputado.
"O nosso projeto coloca a responsabilidade para a empresa. O motorista está trabalhando para a empresa, ele não é dono do ônibus e não pode ser punido por algo que ele não fez. Esse projeto foi pensado para proteger tanto os passageiros, quanto os motoristas", declarou.
"Eu quero deixar bem claro: a multa aprovada é para quem pratica esses atos de vandalismo", disse Teles.
ENTENDA O PL DO SURF NOS ÔNIBUS
O (PL) 1366/2023, criado pelo deputado estadual Pastor Júnior Tércio (PP), que aguarda a sanção da governadora Raquel Lyra para entrar em vigor, tem o objetivo de proibir a prática do ‘surf nos ônibus’ e já foi aprovado pela Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe) no dia 30/10.
O projeto também estabelece multas de até 100 vezes o valor da passagem para os infratores, além de sanções às empresas que não observarem a lei.
Entretanto, os motoristas de ônibus entendem que o PL transfere a responsabilidade para os próprios rodoviários, que já estão sobrecarregados com a dupla função e a condução dos coletivos.
Confira o PL 1366/2023 na íntegra:
“Dispõe sobre a proibição da prática de surf e ‘morcegamento’, nos veículos do Sistema de Transporte Público de Passageiros da Região Metropolitana do Recife - STPP/RMR e do Sistema de Transporte Coletivo Intermunicipal de Passageiros do Estado de Pernambuco – STCIP.
Art. 1º Fica proibida, no âmbito do Estado de Pernambuco, a prática de prática de surf e ‘morcegamento’, nos veículos do Sistema de Transporte Público de Passageiros da Região Metropolitana do Recife - STPP/RMR e do Sistema de Transporte Coletivo Intermunicipal de Passageiros do Estado de Pernambuco – STCIP.
Art. 2º Para os fins desta Lei considera-se surf ou ‘morcegamento’ a prática de permanecer ou transitar do lado externo do transporte público, em locais como portas, janelas e teto veicular, durante o movimento do veículo, colocando em risco a segurança do praticante, dos demais usuários e da coletividade.
Art. 3º Constatada a existência de usuário descumprindo o disposto nesta Lei, caberá ao motorista, fiscal ou qualquer outro responsável pelo transporte:
I - solicitar imediatamente ao usuário que interrompa a prática; e
II - caso o usuário não a interrompa, solicitar a intervenção da força policial.
Parágrafo único. O usuário ou praticante que, após a advertido na forma do inciso I do caput, insistir na prática do surf e/ou ‘morcegamento’, estará sujeito a multa a ser fixada no valor entre 10 (dez) e a 100 (cem) vezes a tarifa aplicável ao transporte, consideradas as circunstâncias da infração.
Art. 5º Fica vedada a movimentação do veículo enquanto houver descumprimento da proibição à prática de surf e ‘morcegamento’ estabelecida por esta Lei.
§1º Caso observado o descumprimento do disposto no caput, a concessionária ficará sujeita à multa e demais penalidades, a serem aplicadas em conformidade com o disposto:
I - na Lei nº 14.474, de 16 de novembro de 2011, em se tratando de veículo do Sistema de Transporte Público de Passageiros da Região Metropolitana do Recife - STPP/RMR; ou
II - na Lei nº 13.254, de 21 de junho de 2007, em se tratando de veículo do Sistema de Transporte Coletivo Intermunicipal de Passageiros do Estado de Pernambuco – STCIP.
Art. 5º Caberá ao Poder Executivo regulamentar a presente Lei em todos os aspectos necessários para a sua efetiva aplicação.
Art. 6º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.”