Romoaldo de Souza

A Fontana di Trevi dos Bolsonaros e a apropriação indevida do que é público

Leia a coluna Política em Brasília

Romoaldo de Souza
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Romoaldo de Souza
Publicado em 06/02/2023 às 20:43

O cinema mundial não seria o que é sem a antológica cena em que Anita Ekberg (1931 - 2015) e Marcello Mastroianni (1924 - 1996) tomam banho, sob a cumplicidade da luz do luar, na Fontana di Trevi, no filme La Dolce Vita, de Federico Fellini (1920 -1993). Desde então, casais do mundo inteiro idealizam repetir a cena na vida real. Outros se contentam em jogar uma moeda, fazer um pedido e aguardar o bom-humor do Cupido, o “anjo do amor”, filho de Vênus - a deusa do amor - e Marte, o deus da guerra.

Em Brasília (DF), quando o tempo permite, é comum o turismo cívico da capital da República direcionar os visitantes até outra fonte, sem o glamour “felliniano”, mas sempre com um apelo ideológico. À frente do Palácio da Alvorada, uma das mais imponentes obras de arte do arquiteto Oscar Niemeyer (1907 - 2012), foi construído um fosso de segurança para impedir a passagem para o gramado do palácio, onde geralmente reside o presidente da República.

Houve épocas em que a nossa fonte dos desejos arrecadava perto de R$ 1 mil por ano. Costumeiramente, o dinheiro era destinado a programas sociais do governo federal, como o de combate à fome, nas gestões do PT. Uma ninharia se comparada aos R$ 7 milhões anualmente jogados na Fontana de Trevi.

Os Bolsonaros deram outra interpretação aos desejos dos seus seguidores e em vez de pedidos pela democracia, pelo combate às desigualdades, apoiadores do então presidente Jair Bolsonaro (PL) eram vistos jogando moedas aos gritos de “fica Bolsonaro!” Tudo dentro do roteiro do morador do palácio.

Recentemente, antes de esvaziar a fonte (além da despensa do palácio) e recolher as moedas, a família encontrou uma destinação bem ao seu próprio estilo. A então primeira-dama Michele Bolsonaro chamou o pastor Francisco de Assis Castelo Branco, uma espécie de “síndico” do Alvorada, mandou tirar a água, “pescar” umas carpas que habitavam a fonte e destinou o valor - não declarado - à Ibab (Igreja de Batista Atitude de Brasília), administrada pelo próprio funcionário.

Ou seja, a fonte dos desejos dos brasileiros que passam por Brasília bem que poderia ser uma referência de transparência. Quanto arrecada, para onde vai o dinheiro e por que daquela escolha. Se não se consegue ser transparente com ninharias, pense você o que se faz com um cartão corporativo, sem limite, e quase todo ele sob o manto do sigilo?

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