Seria ingênuo concluir que o processo de invasão das terras dos Yanomami, no extremo norte do país, tenha sido um fenômeno que ocorreu do dia para a noite. Organizações de defesa dos povos indígenas vêm há décadas reclamando da falta de atendimento à saúde básica dos Yanomami, do avanço desenfreado de madeireiros e do garimpo ilegal que retira riqueza e deixa uma terra arrasada.
Ocorre que no início do ano, como se 2023 fosse um número cabalista, Brasília se volta para Roraima, na fronteira com a Venezuela, e assim, como por um triz, as autoridades colocam na vitrola um LP (um disco de vinil) de Milton Nascimento e cantarolam os versos de Fernando Brant (1946 - 2015) “Aqui vive um povo que merece mais respeito. Sabe, belo é o povo como é belo todo amor. Aqui vive um povo que é mar e que é rio. E seu destino é um dia se juntar.” As autoridades “descobrem” os Yanomami.
O presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), vai lá, faz uma “live”[também chamada de transmissão ao vivo pela internet], sim, em algumas regiões pega a internet, inclusive na maioria dos garimpos. O ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, mete os pés na lama e vistoria os garimpos ilegais, e o clic das máquinas fotográficas ganha os principais jornais do mundo e do Brasil em particular. Os Yanomami viram notícia, as autoridades se compadecem, culpados são apontados e alguns equipamentos que entraram ilegalmente nas áreas protegidas foram incendiados.
No arrumar da Casa, praticamente depredada pelos atos antidemocráticos de 8 de janeiro, e enquanto não surge um pauta de votação, um grupo de senadores decidiu criar uma comissão para acompanhar o desenrolar das ações do governo.
“Devemos acompanhar e desobstruir a área indígena para proteger aquela etnia no seu território, e também proteger os garimpeiros porque são cidadãos brasileiros. São seres humanos e precisam de um cuidado especial. Eles foram tangidos para aquelas áreas, muitas vezes por donos de máquinas e empresários que ninguém sabe nem quem são, e hoje são os mais prejudicados”, disse o senador Chico Rodrigues (PSB-RR).
O senador entende que o Estado não pode deixar desamparados os garimpeiros que “em muitos casos são vítimas da exploração das mineradoras”, como quem tenta encontrar uma justificativa para o avanço sem precedentes na cultura, nas terras e nas riquezas dos Yanomami.
O governista Humberto Costa (PT-PE) delimita a temporalidade dos avanços das mineradoras, da presença dos garimpeiros, da falta de atendimento à saúde dos Yanomami aos quatro anos do “governo genocida” de Jair Bolsonaro. “O papel da comissão é de olhar essa situação por diversos ângulos, mas nós não podemos esquecer que a questão principal é o fato que nós tivemos uma etnia onde houve um processo de absoluta e total omissão que, na visão de organismos internacionais, se tratou de um genocídio”, resume.
No Ministério do Desenvolvimento Social está sendo preparado um projeto de criação da “bolsa garimpeiro”, nos moldes do Bolsa Família. Cada um do trabalhadores que for retirado dos garimpos ilegais vai receber o benefício por até seis meses. A Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) estima que ao menos 20 mil garimpeiros estejam ilegalmente na Terra Indígena Yanomami.
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