Romoaldo de Souza

A lição de Itamar Franco que Lula não aprendeu

Leia a coluna Política em Brasília

Romoaldo de Souza
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Romoaldo de Souza
Publicado em 03/03/2023 às 21:21

Todo dia, por volta das 5h, o então presidente Itamar Franco (1930 - 2011) recebia um pacote de “clipping” contendo as principais notícias do Brasil e do mundo. Algumas vinham grifadas, outras sublinhas. A maioria com anotações sobre personagens da matéria. Não eram raros comentários como “descabida”, quando uma informação não era condizente com a avaliação do governo. Outras anotações traziam alertas como "procurar o Delcídio [Amaral]", ministro de Minas e Energia] ou “onde tá o [Gustavo] Krause?”, numa referência ao ministro da Fazenda. Assim, o presidente se inteirava do que se passava no seu governo e reforçava o respectivo alerta para conversar, mais tarde, com auxiliares.


?Até que na madrugada de 29 de outubro de 1993, Itamar é despertado por um ajudante de ordens com o telefone na mão. “É urgente, presidente!” Nessa época era comum telefones ligados à tomada, por meio de longas extensões em espiral. Do outro lado da linha - e da cidade - o inquieto ministro chefe da Casa Civil, Henrique Hargreaves.


?“Presidente, o senhor leu o resumo dos jornais? Eu gostaria de ir à sua casa o quanto antes”. Itamar concordou e logo correu para pegar as anotações de sua assessoria de Imprensa que tinha feita um círculo, com as anotações: “HH citado na CPI”. O braço direito do presidente tinha sido mencionado na CPI dos Anões do Orçamento, apontado como facilitador de negócios e acordos com o governo. Antes que a porta do carro se abrisse, Itamar Franco foi logo dizendo: " [O] meu governo não pode ser envolvido com denúncias contra você". Nem bem deu bom dia e Hargreaves retrucou: "Estou pedindo demissão para responder ao inquérito". Henrique Hargreaves se antecipou, procurou o relator da CPI, Roberto Magalhães (PFL-PE), logo marcaram a data, prestou depoimento e ficou provada sua inocência. 101 dias depois Itamar Franco faz uma solenidade em Brasília para reempossar Henrique Hargreaves.


?Passados 30 anos e o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) enfrenta uma saraivada de denúncias contra o ministro das Comunicações, Juscelino Filho. Ele é suspeito de favorecimento a uma empreiteira, destinando R$ 7,5 milhões, por meio de emendas para prestação de serviços de pavimentação superfaturados, na cidade de Vitorino Freire (MA), cuja prefeita é sua irmã, Luanna Rezende (União Brasil). O ministro nega.

Juscelino Filho também é acusado de usar o avião da Força Aérea Brasileira (FAB) para fazer uma viagem a São Paulo quando participou de leilões de cavalos de raça. O ministro também recebeu quatro diárias e meia indevidamente. Em nota, o Ministério das Comunicações informou que “o ministro cumpriu agenda oficial nos dias 26 e 27 de janeiro, participando de reuniões com a operadora Claro, onde houve apresentação do plano de investimentos no país da mesma”. Sobre as diárias pagas a Juscelino Filho, o ministério reconheceu que o pagamento se deu “de forma indevida” e informou que os valores foram ressarcidos aos cofres públicos.

Em entrevista nessa sexta-feira, à Bandnews FM, o presidente Lula disse que vai aguardar o retorno do ministro, que está em viagem ao exterior. “Eu tentei essa semana conversar com o Juscelino. O ministro Juscelino está em viagem, a serviço do ministério, discutindo em um encontro de telecomunicações. Eu já pedi para o ministro Rui Costa [Casa Civil] convocar ele para segunda-feira ter uma conversa porque ele tem direito de provar sua inocência. Mas se ele não conseguir provar sua inocência, ele não pode ficar no governo. Eu garanto a todo mundo a presunção da inocência”, afirmou Lula.

Fosse Lula mais zeloso com o dinheiro público e nem teria autorizado a viagem do seu ministro ao Mobile World Congress - maior evento sobre conectividade do mundo, que ocorrem em Barcelona, na Espanha. Poderia muito bem ter mandado um substituto, ficado no Brasil para prestar contas. Agora, o partido Novo quer que a Procuradoria-Geral da República investigue as denúncias contra o ministro das Comunicações.

Quando se instala a desconfiança no emprego de recursos público, vale recorrer à máxima atribuída a Júlio César quando pediu o divórcio de sua mulher, Pompeia. “A mulher de César deve estar acima de qualquer suspeita. A mulher de César não basta ser honesta, deve parecer honesta”.


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