O poeta canadense Leonard Cohen (1934 - 2016) escreve em “Anthem”, uma de suas mais destacadas canções, “There is a crack, a crack in everything. That's how the light gets in” [Há uma fresta em tudo. E é por aí que a luz entra] e eu me pergunto onde está a rachadura para que essa luz penetre? Na política? Acompanhei o caso de três universitárias que debocharam de uma colega por ela ser “idosa” e já ter chegado aos “40 anos”. “Como desmatricular uma colega de sala?” pergunta a primeira. “Ela tem 40 anos. Já era para estar aposentada,” responde a segunda.
Onde foi parar a tal da empatia que seria uma das heranças dos tempos de confinamento provocados pela pandemia da covid-19? Em que ralo essas universitárias meteram a compaixão? Faltaram papai, mamãe, um amigo próximo declamar um trecho do poema do uruguaio Jorge Drexler, “No somos más que un puñado de mar. Tenga la misma edad que la edad del mar” [Nós não somos mais que um punhado de mar. Tenha a mesma idade que a idade que o mar tem]. Por assim dizer: o que faltou, nesse episódio, foi a tão necessária compaixão. Fosse a “idosa” uma parente, uma amiga, certamente as universitárias estariam celebrando o feito. Postando nas redes sociais como elogio e não como desprezo.
E agora, que você já passou dos dois primeiros parágrafos desta coluna, pode até perguntar: sim, e o que isso tem a ver com a política? Tudo. Absolutamente, tudo. Tudo, porque entendo plausível o pensamento de Aristóteles (384 a.C. - 322 a.C.) segundo o qual “a Política é a ciência que tem por objetivo a felicidade humana.” Seja a política educacional, a política partidária, a política da boa vizinhança. Essa ciência a serviço do bem comum.
Toda vez que uma legenda, um aglomerado de partidos pratica a política do toma lá, dá cá está contribuindo para estreitar ainda mais aquela fresta de que trata Cohen. Quando um governante - qualquer que seja ele, até porque todos o fazem - senta-se à mesa com um líder partidário para negociar cargos em troca de apoios no Legislativa ambos os lados estão contribuindo para termos uma sociedade cada vez mais tóxica.
E como mudar? Aos poucos. Com as necessárias escusas, “aristotelizando” a política. Criando espaço para que cada cidadão possa expressar seus princípios, dialogar sobre seus valores, na incessante busca por melhoria da qualidade de vida, do meio ambiente. Emprego, renda, educação de qualidade. Talvez somente quando a política for, de fato, uma ampla rachadura é que a luz de um dos valores mais fundamentais que é a empatia, a compaixão vai fazer da nossa sociedade um espaço para a salutar convivência sem que uma grupo de universitárias fique tão incomodado quando se encontrar, novamente, durante o recreio, com a colega que tem para elas uma abissal diferença não apenas de idade. Até porque política e empatia deveriam ter tudo a ver.
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