Anderson Nascimento, 25 anos, perdeu a vida dentro do Cotel. Ele deveria estar solto 10 dias antes. Foto: Arquivo Pessoal
Nas mãos dos detentos, os presídios pernambucanos vivem em constante ebulição. É um salve-se quem puder. E, nesta lógica, todo dia é preciso "matar um leão" para sobreviver. Anderson José do Nascimento, 25 anos, não resistiu. Morreu depois de uma briga com outros detentos do pavilhão "C" do Centro de Observação e Triagem (Cotel), em Abreu e Lima. A morte aconteceu em 1º de novembro de 2015. Mas ele deveria estar solto desde 22 de outubro, quando a Justiça concebeu o direito para que ele respondesse ao processo por tráfico de drogas em liberdade. Uma sucessão de falhas do Estado impediu Anderson de sobreviver dentro da unidade prisional. A servidora responsável por analisar o alvará de soltura e solicitar a tornozeleira eletrônica para que ele deixasse o Cotel atrasou o processo de liberação. Dez dias após a ordem judicial, o reeducando continuava preso e pagou com a vida. A punição à servidora só veio oito meses depois. O secretário-executivo de Ressocialização, Cícero Márcio Rodrigues, decidiu que o erro gravíssimo deveria ser pago com oito dias de suspensão do trabalho. Foi o preço pela vida perdida de Anderson.
A punição é simbólica. Mostra a importância que o Estado dá aos detentos que estão sob sua tutela. Abandonados e superlotados, os presídios nunca foram sinônimo de ressocialização, como a pasta responsável leva a crer. As unidades prisionais seguem leis criadas pelos próprios presidiários. E é preciso se adaptar a elas para sobreviver, pois o Estado, omisso, não tem controle da situação e até na hora de punir fecha os olhos para absurdos como o que aconteceu com Anderson. A vida, o bem maior, parece insignificante ao ser traduzida numa punição de oito dias de trabalho a quem não cumpriu com o seu dever. E é difícil não se questionar, diante disso, quanto vale uma vida.
Relembre o caso
Em 22 de outubro do ano passado, a juíza Andrea Rose Borges Cartaxo, da 2ª Vara Criminal de Jaboatão dos Guararapes, concedeu o alvará de soltura para Anderson José do Nascimento, preso provisoriamente desde janeiro sob a suspeita de tráfico de drogas. O Cotel, onde ele permanecia há nove meses, foi comunicado da decisão. O reeducando deveria usar a tornozeleira eletrônica e sair da unidade para aguardar o julgamento. Até 1º de novembro, porém, a decisão judicial não foi cumprida. Foi neste dia que Anderson se envolveu em uma briga e foi assassinado a facadas.
Dias após o caso ser divulgado pela imprensa, como medida imediata, o então diretor do Cotel, Josafá Reis, foi exonerado do cargo. Nas palavras do secretário de Justiça e Direitos Humanos, Pedro Eurico, "foi um caso gravíssimo de omissão e irresponsabilidade". A família da vítima está processando o Estado pela morte no presídio.
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