Segurança

Facções criminosas avançaram na pandemia em Pernambuco, aponta MPPE

Em apenas nove meses, 52 municípios já ultrapassaram o número de homicídios registrados ao longo de 2019

Raphael Guerra
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Raphael Guerra
Publicado em 28/10/2020 às 5:00 | Atualizado em 28/10/2020 às 10:37
Alex Oliveira/JC Imagem
Duplo homicídio em Camaragibe - FOTO: Alex Oliveira/JC Imagem

A sensação para quem vive na Região Metropolitana do Recife é de que a violência se multiplicou. Para se ter uma ideia, foram registrados pela polícia cinco duplos homicídios, um triplo e uma tentativa de chacina somente nos últimos dias. O medo, principalmente nos finais de semana, quando ocorrem mais crimes, voltou a fazer parte da rotina. Se entre os anos de 2018 e 2019, foi possível uma redução significativa no número de mortes violentas, 2020 deve chegar ao fim mostrando resultados totalmente contrários. Em nove meses, 52 municípios pernambucanos já ultrapassaram o número de homicídios registrados ao longo de todo o ano de 2019, indicando o enfraquecimento do programa Pacto pela Vida. (veja arte abaixo) E o avanço das organizações criminosas no Estado, durante a pandemia do novo coronavírus, pode ter contribuído para este resultado.

De acordo com o promotor de Justiça Frederico Magalhães, coordenador do Grupo de Atuação Especializada de Combate ao Crime Organizado do Ministério Público de Pernambuco (Gaeco/MPPE), muitos dos homicídios ocorridos na Região Metropolitana, na Mata Norte e na Mata Sul estão associados à criminalidade. “Existe uma guerra pelo domínio do tráfico de drogas entre facções locais. O número de organizações criminosas é muito grande. Há uma disputa pelo poder. Além disso, alguns desses grupos estão associados a outros de fora do Estado”, explicou. Há indícios de que há organizações ligadas ao Primeiro Comando da Capital (PCC), conhecida facção de São Paulo. “Alguns se autointitulam integrantes da facção.”

O coordenador do Gaeco afirmou que as organizações conseguiram se espalhar mais rapidamente pelo Estado nos últimos meses, e que há relação com o aumento das mortes em vários municípios pernambucanos. “A pandemia surgiu de forma muito repentina, não estávamos preparados. Ela dificultou o trabalho dos órgãos de fiscalização, o trabalho da polícia. Isso propiciou o crescimento e a difusão dessas facções, que ficaram mais estruturadas e passaram a atuar mais livres para disputar o domínio do tráfico. Ipojuca, Escada, Limoeiro, Casinhas e até o Recife estão entre os mais afetados”, disse.

Segundo dados da Secretaria Estadual de Planejamento, disponíveis no site oficial, 56 operações de repressão qualificada foram realizadas para prender criminosos no primeiro semestre do ano passado. No mesmo período de 2020, foram 20. No mês de fevereiro deste ano, quando ainda não se falava em pandemia, nenhuma operação foi realizada pela polícia.

ARTES JC
HOMICIDIOS - ARTES JC

Em agosto, uma chacina deixou cinco pessoas mortas e 12 feridas em uma praça na comunidade de Rurópólis, em Ipojuca. Na época, a polícia afirmou que a principal linha de investigação era a disputa pelo tráfico de drogas da região. Na semana passada, uma operação da Polícia Civil cumpriu 44 mandados de prisão de pessoas suspeitas de envolvimento na chacina.

A socióloga Edna Jatobá, coordenadora-executiva do Gabinete de Assistência Jurídica às Organizações Populares (Gajop), pontuou que o número de pessoas assassinadas dentro de casa, neste período de pandemia, também cresceu. “Dados da plataforma Fogo Cruzado apontam que a Região Metropolitana do Rio de Janeiro registrou 23 mortes, enquanto a Região Metropolitana do Recife contabilizou mais de 170. Boa parte desses crimes pode ter sido acerto de contas. Na pandemia, as pessoas têm passado mais tempo em casa. As organizações criminosas acham mais fácil suas vítimas.”

Edna ainda criticou a condução atual do Pacto pela Vida. “No começo, em 2007, houve um olhar diferenciado. Eram inúmeras forças-tarefas, operações para prender criminosos contumazes e para que os crimes fossem evitados. Isso diminuiu muito. E ainda deixaram à margem os programas de prevenção. Por um tempo, os números caíram, mas depois cresceram porque não há um trabalho sólido para evitar que jovens entrem na criminalidade.”

SDS RESPONDE

A Secretaria de Defesa Social (SDS) só quis se pronunciar por meio de nota. Segue o texto na íntegra:

A Secretaria de Defesa Social informa que já adotou uma série de medidas para fazer os homicídios recuarem em Pernambuco. É importante lembrar que o aumento percentual de 10% nos CVLIs se dá no comparativo com a 2019, ano em que o Estado destacou-se nacionalmente na redução dos crimes contra a vida, repetindo o que já havia ocorrido em 2018. É fundamentar ressaltar, no cenário da segurança pública, que os crimes patrimoniais completaram 37 meses consecutivos de declínio no Estado. A cidade do Recife, por exemplo, vem apresentando os menores índices de roubos em 15 anos de estatísticas criminais.

É importante contextualizar que os homicídios aumentaram no País. O Nordeste, conforme atestou o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, apresentou elevação de 23,4% no 1º semestre, enquanto Pernambuco teve crescimento de 11,8% no mesmo período. No Estado, a avaliação dos indicadores, feita sistematicamente pelo Pacto pela Vida, mostra uma ampliação dos crimes de proximidade, praticados sob emoção ou por impulso, em ambiente familiar ou entre pessoas que convivem em comunidade, em momentos de brigas, discussões, conflitos, intolerância de diversos tipos e consumo excessivo de álcool. Essa motivação representou 30% dos homicídios no Estado. No Sertão, foi ainda maior: 56%. Iniciativas de prevenção e campanhas de conscientização, em parceria com as prefeituras, estão em fase de planejamento. É preciso fortalecer a cultura de paz entre as pessoas.

Na questão operacional, estratégias integradas estão em curso, como o reposicionamento do policiamento ostensivo e especializado, assim como a intensificação de operações de repressão qualificada e investigações focadas em grupos de extermínio e do tráfico de drogas. As polícias trabalham com a diretriz de priorizar a resolução de homicídios e para que nenhum crime violento letal intencional fique impune em Pernambuco.

ARTES JC
HOMICIDIOS - FOTO:ARTES JC

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