Após denúncias de tortura, Justiça manda afastar diretora da Funase do Cabo de Santo Agostinho
Um garoto chegou a perder o baço após um ato de violência dentro da unidade, em dezembro do ano passado. A polícia apura o caso
Atualizada às 19h11
A Justiça determinou o afastamento da diretora da unidade da Fundação de Atendimento Socioeducativo (Funase) do Cabo de Santo Agostinho, Tatiane Morais. A decisão foi tomada pela Vara Regional da Infância e Juventude do município a pedido do Ministério Público de Pernambuco (MPPE), que apura uma série de denúncias de tortura na unidade onde adolescentes e jovens cumprem medidas socioeducativas.
O caso foi denunciado na coluna Ronda JC, a partir do acesso a um extenso relatório produzido pelo Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares (Gajop), entidade ligada aos direitos humanos. Segundo o documento, os garotos são obrigados a praticar agressões mútuas. Um deles, inclusive, em um dos atos de violência, chegou a perder o baço em dezembro do ano passado. Além disso, segundo o relatório, há conivência da direção.
Em nota à coluna, nesta terça-feira (30), o Ministério Público explicou que, diante dos episódios de violência "ajuizou uma ação civil pública com pedido de tutela de urgência para afastamento da atual diretora da unidade". O pedido foi deferido e um mandado foi expedido para afastamento provisório da gestora.
A direção da Funase afirmou que "ainda não foi intimada oficialmente da liminar que determina o afastamento provisório" da gestora. "A instituição será representada pela Procuradoria-Geral do Estado (PGE) mediante a demanda judicial e aguardará ter acesso integral ao conteúdo da decisão para avaliar as medidas cabíveis acerca da servidora, que está afastada de suas funções desde o início de março, em gozo de férias regulamentares".
AS DENÚNCIAS
De acordo com as informações apuradas pelo Gajop, a direção mantém, em cada alojamento, “representantes” responsáveis pela liderança desses locais. Os próprios socioeducandos fazem esse papel. “São conhecidos por todos os adolescentes da unidade como sendo ‘o doido’ e o seu substituto ‘segunda voz’. (Eles) recebem toda cobertura institucional para definir regras próprias, punições, sanções e distribuição de tarefas, legitimando uma outra organização paralela de funcionamento, dentro da unidade. (...) E mais grave, a Diretora comunica antecipadamente quando da ocorrência de Revistas pela Polícia Militar dentro da unidade, possibilitando aos “doidos” se organizarem e definirem o que será encontrado ou não”, informa trecho do relatório, que está sendo apurado pelo MPPE.
A criação de “representantes” nos alojamentos lembra um velho conhecido do Estado: o “chaveiro”. Para que não lembra, eram detentos que lideravam e ditavam as ordens em alas ou pavilhões de presídios pernambucanos - principalmente do antigo Aníbal Bruno (hoje, Complexo Prisional do Curado), no Recife.
O relatório segue denunciando agressões sofridas pelos socioeducandos. “Em uma dessas situações, ocorrida em Dezembro/2020, um dos socioeducandos foi agredido tão violentamente, que ao ser emergenciado no Hospital Dom Helder, foi identificado lesão no baço, sendo inevitável a cirurgia para retirada do órgão. Ao ser socorrido o adolescente foi ameaçado a não contar o ocorrido, com medo de retaliação o adolescente informou que havia caído durante uma partida de futebol”, diz outro trecho.
No relatório, o Gajop ainda destaca que os adolescentes usam fios desencapados para cozinhar, o que, claro, gera risco de incêndios. “É comum alguns jovens utilizarem fios desencapados como um tipo de “resistência elétrica” para ferver água e cozinhar alimentos dentro dos alojamentos. Relatam que utilizam este método para poder completar a alimentação que, segundo os adolescentes é de baixa qualidade e pouca quantidade”.
Além do MPPE, o Comitê de Prevenção e Combate à Tortura também recebeu o relatório para análise.