VIOLÊNCIA

Grande Recife tem 435% mais homicídios em residências do que o Grande Rio de Janeiro, diz instituto

Levantamento inédito do Instituto Fogo Cruzado, que estuda a violência armada, é baseado no primeiro semestre deste ano

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Raphael Guerra

Publicado em 15/07/2021 às 6:30
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Era fim de noite do último dia 29 de junho. Havia pouco movimento na Rua Alves Lira, no bairro de Jardim Fragoso, em Olinda, na Região Metropolitana do Recife (RMR). Mas logo a paz acabou. Cinco homens armados chegaram à rua e seguiram para a casa de Elysson Elias Barbosa dos Santos, de 19 anos. O barulho de tiros assustou a todos. Logo depois, os homens fugiram do local. Manchas de sangue na porta e pela rua confirmaram a violência: Elysson foi morto. O jovem foi uma das 107 pessoas assassinadas dentro de residências na RMR somente no primeiro semestre deste ano. Um aumento de 45% se comparado com o mesmo período de 2020, quando 73 mortes violentas semelhantes foram contabilizadas.

Os dados inéditos fazem parte de um levantamento do Instituto Fogo Cruzado (veja detalhes na arte mais abaixo). Outro recorte chama a atenção: a Região Metropolitana do Rio de Janeiro tem população estimada em pouco mais de 13 milhões de habitantes. Lá, 20 pessoas foram mortas dentro de casa no primeiro semestre deste ano, segundo o instituto. Isso significa que o Grande Recife, com população bem inferior (estima-se que seja pouco mais de 4 milhões de pessoas), teve 435% mais mortes nas residências.

A socióloga Edna Jatobá, que é coordenadora do Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares (Gajop), entidade parceira do Instituto Fogo Cruzado na RMR, comenta o resultado do levantamento. "A gente tende a achar que o Rio de Janeiro, por estar sempre no noticiário nacional como uma região de muita violência, com muitos tiroteios e eventos de bala perdida, é mais violento que o Grande Recife. Mas o que mapeamos desmonta esse raciocínio. Apesar do período de pandemia da covid-19, quando mais pessoas estão em casa para se proteger da circulação do vírus, elas não estão protegidas da violência armada no Recife. A variação de 435% de mortes em residências é muito alta. Vale lembrar que, no primeiro semestre, o Rio de Janeiro viveu a chacina do Jacarezinho (dia 06 de maio). Muitas pessoas foram mortas em casa. Mesmo assim, o número no Grande Recife é bem maior", destacou Edna.

O mapeamento do Fogo Cruzado também aponta que quase a totalidade desses homicídios ocorre nas periferias da RMR. Em relação às motivações dos crimes, as atividades criminais, como o tráfico de drogas, e a cobrança por dívidas lideram.

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Estatísticas de assassinatos dentro de residências - artesJC

Das 107 vítimas, 96 eram homens e 11 eram mulheres. Recife foi o município com maior número de casos (35), seguido de Jaboatão dos Guararapes (19), Cabo de Santo Agostinho (11) e Olinda (9).

"Há indícios de que os crimes, em sua maioria, são premeditados. Isso porque os assassinos encontram as vítimas com muita facilidade nas residências. As forças de segurança, a inteligência da Polícia Civil de Pernambuco, precisam analisar esses números, os casos, para que se encontrem respostas para diminuir a violência e trazer uma sensação maior de segurança para as pessoas", afirmou Edna Jatobá, que também é membro do Conselho Estadual de Segurança Pública e Defesa Social de Pernambuco.

O assassinato de Elysson Elias, citado no início da reportagem, ainda não foi esclarecido pela Polícia Civil. No dia em que foi morto, as investigações apontaram para a relação com o tráfico de drogas e a disputa pelo domínio da venda na localidade. Em nota, a polícia informou apenas que a 9ª Delegacia de Polícia de Homicídios segue investigando o caso.

O número de pessoas feridas à bala também foi alto no primeiro semestre na RMR. No total, 27 vítimas. No mesmo período de 2020, foram 18. Quando os números são comparados aos do Grande Rio, a variação também chega a 125%.

Procurada pela coluna Ronda JC para comentar o levantamento, a assessoria da Secretaria de Defesa Social (SDS) não forneceu um porta-voz. Em nota oficial, alegou que "desconhece a metodologia de coleta desses dados e, portanto, não comenta essas estatísticas". Disse ainda que "os dados de violência de Pernambuco estão disponíveis para consulta pública no portal da Secretaria de Defesa Social (www.sds.pe.gov.br) e são divulgados mensalmente".

Vale destacar, no entanto, que o site da SDS não divulga publicamente dados de homicídios especificando, por exemplo, se ocorreram em via pública ou residências.

A SDS afirmou, por fim, que "as forças de segurança estão atuando para reduzir a criminalidade em todo o Estado". "Somente no primeiro semestre de 2021, dados apontam redução de 14% nos crimes contra a vida em Pernambuco. Os CVLIs caíram de 1.963 no mesmo período em 2020 para 1.682 nos seis meses iniciais deste ano", concluiu.

MULHERES ASSASSINADAS

FILIPE JORDÃO/JC IMAGEM
O bairro de Nova Descoberta apresenta grandes índices de homicídios. - FILIPE JORDÃO/JC IMAGEM

A violência armada na Região Metropolitana do Recife (RMR) também tirou a vida da dona de casa Maria Mirele Alves do Nascimento, de 27 anos. Grávida, a mulher teve a residência invadida por homens armados na noite do dia 06 de maio deste ano. Não houve tempo para tentar fugir. A vítima recebeu vários tiros e morreu na hora. O crime foi na Rua Marquês de Abrantes, no bairro de Campo Grande, Zona Norte do Recife. O principal suspeito do crime, segundo a polícia, é o companheiro da dona de casa. Pouco mais de dois meses após o suposto feminicídio, as investigações ainda não foram concluídas. E não houve justiça para Maria Mirele, que deixou seis filhos.

A suspeita de feminicídio é principal motivação das mortes de mulheres dentro de residências na RMR no primeiro semestre. E não é por acaso, segundo a socióloga Edna Jatobá. Ela afirma que há relação com a pandemia da covid-19, já que as pessoas foram obrigadas a passar mais tempo dentro de casa para evitar o contágio pelo novo coronavírus.

"Nossa plataforma do Fogo Cruzado observou um aumento de 33% no número de mulheres assassinadas por arma de fogo dentro de residências. No primeiro semestre deste ano, foram 12. No mesmo período do ano passado, nove. Nossa avaliação é de que pode haver dificuldade das mulheres em acessar a rede de familiares, amigos e vizinhos para pedir ajuda, já que os companheiros e maridos agressores estão mais tempo em casa", disse. "Os feminicídios já dão pistas de que vão acontecer a partir da violência doméstica. Por isso a importância da denúncia o quanto antes", completou.

Segundo a SDS, 16.961 queixas de violência doméstica foram registradas nas delegacias de Pernambuco entre janeiro e maio deste ano.

"Pernambuco dispõe de Delegacias da Mulher em Santo Amaro (Recife), Prazeres (Jaboatão), Cabo de Santo Agostinho, Paulista, Vitória de Santo Antão, Goiana, Caruaru, Surubim, Afogados da Ingazeira, Garanhuns e Petrolina. Onde não houver unidade especializada, a população pode procurar qualquer delegacia. Já a Polícia Militar tem intensificado a Patrulha Maria da Penha, que acompanha casos de mulheres sob medida protetiva determinada pelo Poder Judiciário", pontuou a SDS.

Para denúncias e informações sobre a rede de proteção às vítimas de violência doméstica, a Ouvidoria Estadual da Mulher atende gratuitamente pelo telefone 0800-281-8187. Em caso de emergência policial, a orientação é ligar para o número 190.

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