"Miguel pouco lhe importava", diz juiz que condenou Sarí Corte Real a 8 anos e meio de prisão
Acusada terá direito a recorrer da sentença em liberdade, como determina a lei
Na sentença que condenou Sarí Mariana Costa Gaspar Corte Real a oito anos e seis meses de prisão pelo crime de abandono de incapaz com resultado morte, o juiz José Renato Bizerra afirmou que a acusada agiu movida por "motivo fútil".
O magistrado destacou que, ao abandonar a criança sozinha no elevador, Sarí voltou para fazer as unhas com a manicure que a aguardava em casa. Na ocasião, a mãe do menino, Mirtes Renata, passeava com o cachorro da patroa.
"Sobre os motivos do crime, o imediato foi a acusada Sari abandonar à criança para retornar à manicure, um motivo fútil, sentar-se à mesa, entregar uma mão àquela, ou a manicure tomar-lhe a mão, usando a acusada apenas uma para telefonar à mãe de Miguel, um comportamento inapropriado ante a urgência e a emergência do caso", disse.
A urgência a que o juiz se refere é o fato de Miguel ter ficado sozinho no elevador.
"O gesto da acusada lhe materializou o pensamento. Quando abandona o menor, o seu pensamento poderia ter a duração de um relâmpago, ser curta, mas é o bastante, o fim foi a queda e morte do menino."
Em outro trecho da decisão, o magistrado reforça que "Miguel pouco lhe importava".
"Era só o filho da trabalhadora doméstica beneficiária das vantagens extras", criticou, na sentença que tem 31 páginas.
Miguel morreu após subir e cair do nono andar do prédio de luxo onde Sarí morava, na área central do Recife.
O juiz decidiu que a acusada deverá iniciar o cumprimento da pena em regime fechado. Entretanto, conforme previsto pelo artigo 387, parágrafo único, do Código de Processo Penal, Sarí Corte Real tem o direito de recorrer em liberdade.
A mãe de Miguel afirmou ter considerado o tempo de pena baixo e que iria recorrer. A defesa de Sarí também disse que iria recorrer por considerar que ela não deveria ter sido condenada.
O QUE DIZ O MPPE
O Ministério Público de Pernambuco (MPPE) protocolou, em dezembro do ano passado, suas alegações finais sobre o caso. O promotor de justiça Humberto Graça destacou, no documento, que existem circunstâncias agravantes, pelo fato de o crime ter sido cometido em momento de calamidade pública.
No dia dos fatos, a creche de Miguel estava fechada em razão da pandemia e Mirtes Renata, mãe da criança, não teve escolha senão levá-lo à casa de Sarí, onde trabalhava como empregada doméstica.
"Apenas pelas idades, dela e da criança, já seria natural esperar um comportamento diferente da acusada, pois naquele momento, não apenas convencer e demover a criança de seu intento seria o esperado, mas sim remover a criança do elevador e conduzi-la em segurança de volta ao interior do apartamento, (...) ou seguir com ela no elevador ao encontro da mãe (...). O que não poderia ter acontecido era o abandono da criança no interior de um elevador", destacou o promotor.
O MPPE também não considerou aceitável que um adulto se sujeite às vontades de uma criança que não tinha condições de seguir no elevador desacompanhado, deixando-o tomar as rédeas da situação: "Tratar, naquele momento, uma criança de apenas 5 anos, como uma pessoa maior, capaz, inclusive de entender os perigos a que estava sujeita, foi, no mínimo, imprudente e negligente da parte da acusada", disse a manifestação.
O CASO
Miguel morreu na tarde de 02 de junho de 2020. Depois de a mãe descer com o cachorro da patroa, o filho correu para pegar o elevador e ir atrás de Mirtes. Sarí chegou a ir até o garoto e conversou com ele. Depois de algumas tentativas, ela apertou o botão da cobertura, antes de deixar a criança sozinha no elevador - segundo imagens de câmeras de segurança periciadas pelo Instituto de Criminalística.
Ao sair do equipamento, no nono andar, o menino passou por uma porta corta-fogo, que dá acesso a um corredor. No local, ele escala uma janela de 1,20 m de altura e chega a uma área onde ficam os condensadores de ar. É desse local que Miguel cai, de uma altura de 35 metros.