Ao longo dos últimos dias, Pernambuco assistiu a uma escalada de mortes causada por covid-19 que traz um misto de sentimentos, como insegurança, tristeza, medo, raiva, revolta, desespero e culpa. Muitas dessas sensações são experimentadas, em maior ou menor intensidade, por mais de duas mil famílias no Estado, que completa nesta segunda-feira (25) dois meses da confirmação do primeiro óbito decorrente de complicações do novo coronavírus. Até este sábado (23), em Pernambuco, foram 2.144 vítimas fatais que deixaram este mundo certamente sem se despedir de parentes e amigos como gostariam. Nesses casos, não houve rituais do adeus porque as barreiras necessárias que vivemos agora, com o distanciamento social, eliminaram situações essenciais para compreendermos e aceitarmos a morte de uma pessoa querida.
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Pelo risco de transmissão, a covid-19, essa doença que leva a um fim solitário e pegou a humanidade de surpresa, impede que parentes e amigos acompanhem o doente durante o internamento. Quando morre alguém, que nem se via numa perspectiva imediata de processo de finitude, não se é dada a chance dos velórios e sepultamentos tradicionais, como antes da pandemia. Agora, quando possível, a despedida conta com poucos parentes, todos a distância e protegidos, ao lado do caixão lacrado. Pelo Brasil afora, cemitérios têm realizado velórios online, transformando o processo de luto. Missas de sétimo dia também ganham os espaços virtuais.
“Estudos revelam que a morte repentina de uma pessoa, como acontece em casos graves de covid-19, faz com que a família e os amigos não consigam fazer um ritual de despedida, o que leva a um risco maior de desenvolvimento de luto complicado”, diz o psiquiatra e psicogeriatra Rodrigo Silva, que está na linha de frente da covid-19 no Estado, atendendo pacientes que estão em unidade de terapia intensiva (UTI) do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
Esse luto complicado a que o médico se refere é aquele em que o sentimento gerado pela morte de alguém nos traz tantas angústias que se transforma em doença. “O luto, acompanhado de tristeza e angústia, deve acontecer diante da perda. São ondas de sensações negativas que vêm e passam. O processo se torna complexo quando o luto fica mais intenso do que o esperado e se prolonga por um tempo maior do que o habitual”, esclarece Rodrigo.
E como perceber que uma pessoa, que perdeu alguém por causa da covid-19, vivencia um processo de luto complicado? “Muitas vezes, essa condição vem acompanhada de quadros depressivos e até a um risco maior de pensamentos suicidas.” Ou seja, são casos em que o enlutado não consegue se desligar da perda e associa qualquer fato ou momento do dia à pessoa que faleceu. No cenário da pandemia, oferecer ajuda a essas pessoas se torna mais difícil, mas não é impossível. Amigos e demais parentes podem se fazer presentes, mesmo a distância. Vale ligar, enviar mensagens e fazer chamadas por vídeo para levar palavras de conforto.
Para este momento epidêmico, os especialistas sugerem uma adaptação do que chamam de vivenciar do processo de luto antecipatório, o que faz a família e os amigos compreenderem que a forma grave com que alguns pacientes evoluem pode levar ao óbito. “É uma situação em que se torna menos complexo processar as emoções relativas a uma possível perda. É por isso que os hospitais devem oferecer um momento para repassar informações do quadro clínico dos pacientes com as famílias. No Hospital das Clínicas, há uma comissão dedicada a esse trabalho. Os diaristas da UTI repassam as informações para esse grupo, que dá suporte às famílias”, informa Rodrigo.
Para quem vive a perda de alguém por causa do novo coronavírus, ele orienta procurar ajuda de um profissional da área de saúde mental. “Se isso não for possível, deve-se recorrer a pessoas em quem se confia, a fim de que não se passe por esse processo sozinho”, diz Rodrigo, com a certeza de que a prática da compaixão pode nos ajudar a dar suporte às pessoas que precisam.
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