Pela primeira vez, um estudo encontrou evidências científicas que confirmam a transmissão sexual do vírus da Zika. A pesquisa foi realizada pela Fiocruz Pernambuco, em colaboração com a Universidade Estadual do Colorado (CSU) dos Estados Unidos, sendo o primeiro estudo brasileiro a encontrar esses resultados e o segundo no mundo a demonstrar que a transmissão sexual do vírus da Zika tem um papel muito mais importante na epidemia do que se estimava inicialmente. O primeiro a indicar a importância desta forma de transmissão na epidemia foi em Porto Rico (2019).
A existência desta forma de transmissão em localidades sem a presença do mosquito vetor, o Aedes aegypti, já havia sido comprovada em outras investigações. O estudo pernambucano, por sua vez, aponta que essa transmissão é significativa para a epidemia.
“A via sexual não parece ser unicamente responsável pelo contágio sustentado do Zika, mas associada à transmissão pelo mosquito pode contribuir significativamente para a disseminação eficiente do vírus”, explica a pesquisadora Tereza Magalhães (CSU e Fiocruz PE), que coordenou o projeto ao lado dos pesquisadores Ernesto Marques (Fiocruz PE e Universidade de Pittsburgh, EUA) e Brian Foy (CSU).
Os pesquisadores tiveram dois grandes desafios durante o estudo. Primeiro, o cuidado metodológico para conseguir enxergar a transmissão sexual separadamente da transmissão causada pelos mosquitos, a vetorial. Em segundo lugar, a equipe precisou superar um desafio logo no início da pesquisa: a redução drástica dos casos de Zika, a partir de 2017 (em Pernambuco e em todo o país), que acabou inviabilizando a identificação de novos casos para se somarem ao conjunto de pessoas do estudo.
Dessa forma, a saída foi buscar uma estratégia alternativa, envolvendo participantes de uma pesquisa anterior sobre diagnóstico de dengue, e moradores de suas residências. Realizado por Tereza e Ernesto entre maio de 2015 e maio de 2016, esse estudo recrutou pacientes atendidos na UPA de Paulista, na Região Metropolitana do Recife, com sintomas sugestivos de dengue. O trabalho foi realizado em colaboração com o pesquisador da Universidade de Heidelberg (Alemanha) e CSU, Thomas Jaenisch.
Ao final das análises, 60% dos mais de 250 pacientes estudados foram casos confirmados de infecções com os vírus Zika e chikungunya, sendo pouquíssimo casos de dengue. Esse estudo foi um registro importante do final da epidemia de Zika e crescimento dos casos de chikungunya na sequência, em Pernambuco.
A pesquisa então comparou essas informações com dados de participantes, seus parceiros sexuais e até mais dois moradores da mesma residência, analisados em uma outra pesquisa, chegando a um grupo de 425 pessoas. Os resultados apontaram que, no caso do Zika, o risco de ter sido exposto ao vírus foi significativamente maior (risco relativo de 3.9) para o parceiro sexual do que para o morador no mesmo espaço que não era parceiro sexual (risco relativo de 1.2).
Para chikungunya, utilizado nessa pesquisa como “controle”, o resultado foi bem diferente e o risco se mostrou igual para todos os moradores (parceiros sexuais ou não; risco relativo de 2-2.5). Na segunda parte das análises, os pares sexuais das residências tiveram uma maior probabilidade de terem sorologia concordante para o Zika do que os pares sem relação sexual, fato que não foi observado com o grupo chikungunya.
O estudo mostrou que a transmissão sexual do Zika em áreas endêmicas, associada à transmissão vetorial, pode ter sido um dos fatores responsáveis pela rápida disseminação do vírus nas Américas e em outras regiões afetadas pela pandemia em 2015/2016.
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