Possível escassez de medicamentos está relacionada à falta de coordenação federal, diz sindicato dos hospitais de Pernambuco
Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp) afirmou que realizou um levantamento, no dia 18 de março, no qual "ficou clara a escassez de medicamentos essenciais para o tratamento de pacientes acometidos pela covid-19"
O sanitarista e infectologista George Trigueiro comentou na manhã desta terça-feira (23) no Passando a Limpo, da Rádio Jornal, o comunicado enviado pelos fabricantes e pelos laboratórios de medicamentos a respeito da falta de remédios necessários para atendimento dos pacientes com casos graves de covid-19. Ele, que também é presidente do Sindicato dos Hospitais, Clínicas, Casas de Saúde e Laboratórios de Pesquisas e Análises Clínica de Pernambuco (Sindhospe), alega que o problema acontece por uma falta de coordenação central do Ministério da Saúde em relação à pandemia.
"Desde o início estamos alertando que se não houver um comando central, através do Ministério da Saúde, vão ocorrer descontroles em todos os setores. [Isso começou] no início da pandemia em relação aos EPIs, foi aquela correria. [Agora] nos prolongamos na questão da vacina, que éramos para ter adquirido desde o segundo semestre do ano passado, Aconteceu com o oxigênio em Manaus, e agora vem acontecendo com os insumos básicos. Não temos autossuficiência desses produtos e ficamos na dependência", critica.
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Em carta, a Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp) afirmou que realizou um levantamento, no dia 18 de março, no qual "ficou clara a escassez de medicamentos essenciais para o tratamento de pacientes acometidos pela covid-19, especialmente os sedativos necessários para intubação". O texto também afirmou que alguns destes medicamentos, como propofol e cisatracurio, só tinham estoque médio até esta quarta-feira (24).
No mesmo dia, o Fórum Nacional de Governadores informou que enviou uma carta ao Ministério da Saúde para alertar sobre o baixo estoque de medicamentos do chamando “kit intubação”, utilizado para intubar de pacientes que estão em tratamento contra a covid-19 em unidades de tratamento intensivo (UTIs) e precisam de respiradores artificiais.
"Alguns laboratórios, principalmente fabricantes de analgésicos, que são necessários para fazer a intubação do paciente e manter a sedação, já vinham avisando que poderia haver descontinuidade na fabricação de medicamentos, até mesmo de anticoagulantes", disse Trigueiro.
Quando falaram que estava faltando remédio, achamos que era crise no SUS, falta de ação do governo, mas a informação é de que os hospitais particulares também estão com problemas de falta de medicamentos. O que aconteceu?
O que aconteceu era previsível. Desde o início estamos alertando que se não houver um comando central, através do Ministério da Saúde, vão ocorrer descontroles em todos os setores. [Isso começou] no início da pandemia em relação aos EPIs, foi aquela correria, o país não estava preparado e há uma dependência muito grande desses equipamentos da China e da Índia. [Agora] nos prolongamos na questão da vacina, que éramos para ter adquirido desde o segundo semestre do ano passado, mesmo que ainda não tivesse sido aprovada pelas agências reguladoras internacionais ou pela própria Anvisa, como os outros países fizeram. Aconteceu com o oxigênio em Manaus, e agora vem acontecendo com os insumos básicos, como kit intubação. Não temos autossuficiência desses produtos e ficamos na dependência. É a lei da oferta e mercado.
As próprias fabricantes já emitiram notas oficiais e encaminharam aos hospitais privados, principalmente, avisando que poderia ocorrer uma descontinuidade na fabricação pela grande demanda, e o Ministério Público e o Ministério da Saúde têm conhecimento disso. A pandemia voltou para valer nessa segunda onda, entrando já para a terceira com essas variantes, e as UTIs e enfermarias todas lotadas. Ninguém esperava que essas variantes causassem um quadro tão grave, com essa alta taxa de transmissibilidade e gravidade. As pessoas mais jovens estão ficando mais tempo na UTI, com infecções mais graves, o que gera dificuldade de rotatividade do leito. Tentamos evitar a intubação precoce, mas, na necessidade, chega o momento em que você entuba, e o paciente morre.
O senhor já encontra informações dos seus associados do risco de falta dos analgésicos, ou a questão é mais sobre preço? Qual é o quadro hoje?
Há um mês, quando já vínhamos observando que as pessoas com menos de 60 anos estavam ocupando os leitos de UTI, os mais jovens, a Associação Nacional dos Hospitais Privados mandou um ofício para o Ministério da Saúde prevendo que se não houvesse uma providência efetiva, poderia haver uma descontinuidade no tratamento em até 20 dias. Alguns laboratórios, principalmente fabricantes de analgésicos, que são necessários para fazer a intubação do paciente e manter a sedação, já vinham avisando que poderia haver descontinuidade, até mesmo de anticoagulantes. O governo fez uma requisição administrativa nas fábricas e concentrou esses medicamentos, garante que não vai faltar; as indústrias aceitaram esse tipo de procedimento, estão trabalhando durante três turnos.
O Ministério da Saúde praticamente concentrou a distribuição dos imunizantes, não está liberando para os privados comprarem nem mesmo com preço diferenciado. Os medicamentos aumentaram: há problema de mercado, mas também de fornecimento. O ministério é que tem que fazer a distribuição, da mesma forma que está fazendo com as vacinas, e deve também contemplar os hospitais privados. Hoje parece que ocorreu um bom senso e vai ter reunião do Executivo, do Congresso, com o Supremo e alguns governadores para tentar centralizar ações de combate à pandemia. Isso deveria ter sido feito desde o início, como foi em outros países.
O movimento Pró-Pernambuco conseguiu abrir um diálogo com o governo. Ele já está nos recebendo, ouvindo nossas considerações. O diálogo já deveria estar acontecendo há muito tempo. Nosso inimigo é o vírus, é a pandemia. Não existe saúde sem economia, e nem economia sem saúde. Tem que trabalhar em conjunto. Acredito que hoje o governo federal deva tomar uma medida para coordenar uma política nacional, independentemente do perfil ideológico. Fazendo isso, acredito que vamos nos ater à questão dos imunizantes e dos medicamentos necessários para manter o funcionamento do sistema de saúde público e privado.
O município de Brejo da Madre de Deus informou ontem que está em uma situação bastante difícil, porque só havia um cilindro de oxigênio cheio, sem ser usado, enquanto os demais, outros 14, estavam atendendo pacientes internados na UPA. Quando aperta no interior, os pacientes são transferidos para a RMR. Qual prognóstico você faz se por acaso a situação continuar dessa forma?
Nós falamos com a Secretaria Estadual de Saúde (SES-PE) sobre a questão do oxigênio, e ela garante que não tem possibilidade de haver falta de oxigênio no Recife. Temos uma plataforma em Suape e tem produção suficiente para atender. A questão é que os hospitais não têm instalações para armazenar o oxigênio. Os hospitais de campanha, os outros maiores, têm um tanque para receber oxigênio líquido e usar em uma demanda suficiente, e é abastecido por caminhões. Pela alta demanda de cilindro, eles estão indo e não estão voltando. Às vezes você faz uma remoção em uma ambulância, com cilindro, por exemplo. Para enchê-los, tem problema. As cidades podiam ter feito consórcios, ter uma central de abastecimento maior, o problema é que estava descontrolado, ninguém sabia o que podia acontecer em uma pandemia dessa. Se não tem lá, eles têm que procurar cidades maiores.
O maior problema que vivenciamos com a nova onda da pandemia foram essas remoções em mandar pacientes para o Recife, trazendo a variante 1, disseminando no Estado da Paraíba, Pernambuco, sem nenhuma barreira sanitária. Não adianta eu vir com uma pessoa do interior e ninguém fazer um controle epidemiológico. Deveria haver uma descentralização do atendimento. Se todo mundo de cada município vier para o Recife, a pessoa vem doente, como vai funcionar? A logística é complicada quando não houve um planejamento estruturado para atender todo o sistema de saúde, que envolve o plano, municipal, estadual e federal.