PANDEMIA

O discurso politizado contra a vacina contra a covid-19 gera diminuição na adesão, afirma infectologista da Fiocruz

Em entrevista ao Passando a Limpo, da Rádio Jornal, o médico infectologista pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) Julio Croda analisou o que pôde ter tardado a campanha de vacinação no país

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Katarina Moraes

Publicado em 04/05/2021 às 16:29 | Atualizado em 04/05/2021 às 16:35
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Com a vacinação a passos lentos, o Brasil imunizou, até agora, 6,7% da população contra a covid-19, apesar de sempre ter sido uma referência em campanhas de imunização. Em entrevista ao Passando a Limpo, da Rádio Jornal, o médico infectologista pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) Julio Croda analisou o que pôde ter tardado no país e feito com que ele tivesse chegado ao estado atual, com mais de 14,8 milhões de casos e 409 mil mortes pela doença.

Ao ser questionado sobre como via a rejeição do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) com a vacina, ele afirma que "tudo isso é uma falta de comunicação e estímulo adequados para a população, é uma politização da vacinação", e analisa que "o discurso politizado contra a vacina sem fundamento científico gera o sentimento antivacina, a diminuição da adesão e impacta no número de casos, óbitos e de pessoas que adoecem diariamente no Brasil".

O especialista também comentou o anúncio sobre o fim do surto de ebola na República Congo, declarado nessa segunda-feira (3). Ao todo, 12 pessoas foram infectadas e seis morreram pela doença na província de Kivu do Norte. Esse foi o 12º surto a atingir o território congolês e o quarto em menos de três anos.

"É uma doença extremamente letal, tem um mecanismo de transmissão por contato com líquidos corporais, então tem uma transmissão menor diferentemente da covid-19, que é transmitida pelo ar. Há uma preocupação mundial da disseminação desse vírus por outros países justamente por causa dessa elevada letalidade. A gente já teve outros surtos de ebola, então, quanto mais rápido a gente o controla, menor o risco de disseminação para outras regiões do mundo", analisou.

Confira a entrevista completa:

Rádio Jornal: Os antigos presidentes aparecem sendo vacinados, enquanto Bolsonaro despreza a vacina. No resto do mundo, os líderes festejam a vacinação. No Brasil, como você avalia essa rejeição do presidente à vacina?

Julio Croda: Todos perdemos, porque a comunicação é essencial. No momento em que Bolsonaro falou que as pessoas virariam jacaré se tomassem, que era da China e não funcionava, que era perigosa pelos efeitos colaterais, tudo isso foi uma falta de comunicação e de estímulo adequados para a população, é uma politização da vacinação. Os apoiadores do presidente tendem a não se vacinar. Se eles não se vacinarem, não vamos gerar a dita imunidade de rebanho e não vamos controlar a doença para preservar, inclusive, a vida de quem não pode tomar a vacina, como crianças e grupos específicos que têm alergia à vacina, por exemplo, e não protegemos a população como um todo. O discurso politizado contra a vacina sem fundamento científico gera o sentimento antivacina, a diminuição da adesão e impacta no número de casos, óbitos e de pessoas que adoecem diariamente no Brasil.

Rádio Jornal: A CPI da Covid convocou ex-ministros da Saúde e uma das orientações é a pontualidade, para que ela comece no tempo certo. Outra orientação é de que é necessário o uso da máscara, para evitar o que se viu na imprensa, Pazuello passeando em um shopping center sem a máscara. Precisava que ele fosse alertado de que é necessário suar a máscara?

Julio Croda: Isso é desnecessário e acontece predominantemente nos países que negam a pandemia e a ciência e que têm os piores indicadores em termos de mortalidade por 100 mil habitantes. É importante ressaltar que a comunicação é fundamental no controle da pandemia. Se não temos uma comunicação alinhada e adequada ao que a ciência já provou que dá certo, que resolve, que evita óbitos, casos e hospitalizações, qualquer discurso sobre o combate à pandemia se torna demagógico e vai levar a mais óbitos e ao caos na saúde pública.

A grande justificativa é o impacto econômico, mas a gente sabe que países e estados que controlaram a pandemia tiveram uma recuperação econômica mais rápida, então não existe uma dualidade entre o que é bom para a saúde e para a economia. Se você consegue controlar rapidamente a transmissão, se você segue a ciência no controle dela, você tem uma recuperação econômica mais adequada. Se tivéssemos vacina [para todos], se tivéssemos fechado com a Pfizer em 2020, teríamos mais doses e estaríamos com a doença mais controlada atualmente.

Autoridades sanitárias da França e da Alemanha têm recomendado que os cidadãos com menos de 60 anos que já tomaram a primeira dose da de Oxford recebam como segunda todo um imunizante diferente do primeiro, que recai sobre a vacina da Pfizer e da Moderna. A combinação tem sido receitada para diminuir os riscos de coágulos nos mais jovens. A OMS não recomenda a mistura de vacinas diferentes. O que os infectologistas têm observado em relação a isso?

A gente precisa avaliar isso com mais calma, não tem dados clínicos a respeito disso. A gente tem pouca informação a respeito da eficácia e d efetividade da vacina nesses esquemas alternativos. A recomendação, pelo menos no Brasil, continua sendo utilizar do mesmo produtor. Há risco muito menor de ter coágulo pela vacina do que pela covid. É importante fazer essa diferenciação. O risco de apresentar trombose pelo uso de uma vacina de adenovírus, como a de Oxford, é de 0,0004%, enquanto por covid é de 16%. Pensando no risco benefício, é bem menor do que em remédios usados cotidianamente, como anticoncepcional. Não existe lógica de não se vacinar por causa disso.

Mudando de assunto, sabemos que a República do Congo declarou o fim do surto de ebola. É verdade que ele mata 90% dos contaminados?

É, sim. É uma doença extremamente letal, que tem um mecanismo de transmissão por contato com líquidos corporais, então tem uma transmissão menor, diferentemente da covid-19, que é transmitida pelo ar. Há uma preocupação mundial da disseminação desse vírus por outros países justamente por causa dessa elevada letalidade.

A informação de que ele foi dominado na região africana é uma informação para o mundo festejar?

É importante, sim. A gente já teve outros surtos de ebola, então quanto mais rápido a gente o controla, menor o  risco de disseminação para outras regiões do mundo, assim como aconteceu com a covid-19. A gente não quer viver uma pandemia de ebola com essa elevada taxa de mortalidade. Então, é de se comemorar, porque diminui o risco de que esse vírus seja exportado para outros países.

O grande problema do coronavírus é a facilidade da contaminação?

A transmissão é pelo ar, cada vez mais isso está comprovado que você tem que se preocupar menos com superfícies. No início da pandemia, os municípios faziam uma desinfecção nas ruas, mas isso tem pouco impacto no controle da doença. Temos que ficar atentos em manter a distância de dois metros entre as pessoas e principalmente em usar a máscara. A gente vê as pessoas cobrindo só a boca, não o nariz, usando só para entrar nos estabelecimentos, mas é importante ter uma adesão massiva às medidas relacionadas a isso.

Já tem vacina para ebola?

Já tem uma vacina para ebola, sim. Está em estudo de fase dois. É uma vacina que já está disponível. O quantitativo é reduzido, mas para as regiões específicas com surtos pequenos, pode ser utilizada com bastante eficácia.

 

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