COLUNA JC SAÚDE E BEM-ESTAR

Fome: insegurança alimentar é também um problema de saúde pública

Infelizmente a fome é um indicador que se salta em meio a outras chagas, como ausência de água e esgoto, o que causa consequências irreversíveis na saúde

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Cinthya Leite

Publicado em 08/04/2022 às 18:50 | Atualizado em 08/04/2022 às 18:57
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Não é de hoje que a segurança alimentar de milhões está ameaçada. A questão é que agora, a fome - um fenômeno de natureza política e econômica - desponta com um agravamento nestes anos pandêmicos. O impacto da crise sanitária imposta pela covid-19 só reforça que a insegurança alimentar é um problema estrutural, e não momentâneo.

É do Estado a tarefa de assegurar o direito à alimentação adequada para toda a população. Mas, segundo um relatório da Organização das Nações Unidas (ONU), cerca de um décimo da população global (mais de 800 milhões de pessoas) enfrentou a fome no primeiro ano de pandemia. Esse é um dado que mostra o quanto é essencial estruturar uma força-tarefa para o mundo cumprir a promessa de acabar com a fome até 2030.

A publicação da ONU (feita em parceria com a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura, o Fundo Internacional para o Desenvolvimento Agrícola, o Fundo das Nações Unidas para a Infância, o Programa Mundial de Alimentos das Nações Unidas e a Organização Mundial da Saúde) destaca que a pandemia continua a expor fraquezas nos sistemas alimentares, que ameaçam a vida e a subsistência de pessoas, muitas delas crianças, em todo o planeta.

O Brasil chegou a ser retirado do Mapa da Fome da ONU em 2013. Mas houve um retrocesso diante do cenário de crise econômica, política e sanitária. O Inquérito Nacional sobre a Segurança Alimentar no Cenário da Covid-19, desenvolvido pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar (Rede PENSSAN), revelou que mais da metade da população brasileira estão em insegurança alimentar durante a pandemia, com cerca de 19 milhões de pessoas na forma grave dessa condição - ou seja, passando fome, o que representa um salto de 27%, em comparação com 2017.

Infelizmente a fome é um indicador que se salta em meio a outras chagas, como ausência de água e esgoto, o que causa consequências irreversíveis na saúde. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostra que, nos lares onde não há alimentos em quantidade ou qualidade, também falta acesso à rede hídrica. Além disso, vários são os estudos científicos que demonstram uma associação direta entre desnutrição na infância com o risco de doenças crônicas não transmissíveis na fase adulta. Isso só joga luz ao fato de que as manifestações biológicas da fome, como a desnutrição, retratam um modelo de desenvolvimento social que não privilegia o bem-estar.

Um dos maiores intelectuais brasileiros no tema da alimentação e nutrição, Josué de Castro colocou o problema da fome na agenda política brasileira, ao afirmar que a insegurança alimentar não é um fenômeno natural, mas social. Portanto, apenas com ações sociais e coletivas, como a implantação de políticas públicas de segurança alimentar, é possível tornar real o direito universal à alimentação. É hora de a questão alimentar e nutricional ser assumida como responsabilidade do Estado, pois o assistencialismo e as iniciativas voltadas para dar apoio a quem passa fome não devem substituir as políticas públicas.

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