SAÚDE

VARÍOLA DOS MACACOS: Médicos já recorrem à morfina contra casos graves

Médicos têm recorrido à morfina e a outros opioides para manejar a dor de pacientes com quadros graves da varíola dos macacos

JC
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Publicado em 23/08/2022 às 21:10 | Atualizado em 24/08/2022 às 0:37
FREYA KAULBARS / RKI ROBERT KOCH INSTITUTE / AFP
TRANSMISSÃO Prevalência de contágio do vírus é por contato íntimo, segundo o Ministério da Saúde - FOTO: FREYA KAULBARS / RKI ROBERT KOCH INSTITUTE / AFP
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Agência Estado

Médicos têm recorrido à morfina e a outros opioides para manejar a dor de pacientes com quadros graves da varíola dos macacos.

Esses diagnósticos geralmente levam à internação e têm sido mais comuns em pessoas com lesões na região genital ou perianal. Outros casos raros também começam a surgir e podem levar à morte ou à cegueira, com inflamações do pulmão, do cérebro e das córneas.

Tratando casos da monkeypox no pronto-socorro do Hospital Emílio Ribas desde os primeiros registros em São Paulo (e no Brasil), o infectologista Fábio Araújo estima que 10% a 20% dos pacientes que passaram por lá foram considerados "graves".

Segundo o balanço mais recente da Organização Mundial da Saúde (OMS), 7,8% de todos os casos relatados até hoje levaram à hospitalização. Para ser classificado assim, o quadro pode ser caracterizado por uma ou mais lesões que aumentam de tamanho a ponto de a dor ser descrita como insuportável.

Nesses casos, o uso de paracetamol ou de analgésicos clássicos, como a dipirona e o Tylenol, não surte efeito e a maioria dos pacientes precisa receber morfina ou outro opioide como o tramadol (vendido apenas sob prescrição médica) de forma intravenosa.

"Hoje, o que define mais comumente como quadro grave é a dor que não pode ser controlada com analgésicos orais. Pela experiência, já estamos utilizando alguns mais fortes porque sabemos que os do cotidiano não têm funcionado", explica Araújo.

"A resposta que os analgésicos têm nos casos graves é bastante pobre e frustrante", aponta o infectologista Rico Vasconcelos, do Hospital das Clínicas.

"A opção de escalar para os opioides, como codeína e tramadol, também é uma ideia ruim, se for caso de lesão anal ou perianal, porque podem causar eventos adversos como a obstipação (ressecamento das fezes). Ao tentarmos tirar a dor do paciente, ele acaba tendo mais."

As preocupações de Vasconcelos não são infundadas. Dados do Ministério da Saúde apontam que quase 60% dos pacientes registrados até agora apresentaram ferida genital. Já os médicos relatam que os casos graves da varíola dos macacos estão comumente associados às lesões nessa região, na perianal e, principalmente, anal.

"São essas que levam mais o paciente para a dor incurável e intratável", aponta Araújo.

Ele relata ter visto uma prevalência desses quadros entre pessoas vivendo com HIV, que correspondem a 41% dos pacientes mapeados pela OMS, ou com alguma forma de comprometimento do sistema imunológico, como tratamento prévio por radio ou quimioterapia e recém-transplantados, como era o caso da primeira vítima no País.

Outras populações vulneráveis são os extremos de idades, crianças ou idosos, e gestantes, em quem o vírus pode induzir ao aborto e causar má formação dos fetos.

O advogado João Pinheiro, de 31 anos, não tem nenhuma das comorbidades mencionadas, mas descreveu a dor de uma ferida da monkeypox no lábio inferior como "ter cacos de vidro espalhados pela boca e um alicate apertando".

A lesão começou no terceiro dia após o surgimento dos primeiros sintomas e, a princípio, foi confundida com afta. João precisou tomar morfina nas veias por três dias seguidos para aguentar essa dor, que se espalhava do lábio para o restante do corpo. "Começou a melhorar no segundo dia, mas quando diminuíam as doses atacava de novo."

CENÁRIO

Ainda não há acesso a remédios específicos contra a varíola dos macacos ou expectativa de receber doses suficientes para atender a uma grande demanda. "Uma coisa é sabermos os medicamentos e a outra é como consegui-los", explica o infectologista David Uip, secretário de Ciência, Pesquisa e Desenvolvimento em Saúde do Estado de São Paulo.

A situação, ele aponta, é da mesma escassez de ferramentas que o Brasil sofreu para combater o coronavírus. Ao longo da pandemia, o País dependeu da importação de insumos e doses.

Na segunda-feira, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, afirmou que "o fato de não existir um tratamento específico não quer dizer que não tenha tratamento" possível para a doença. "Até porque o tratamento pode ser para melhorar sintomas, dor."

"Estamos atrás desses medicamentos e tentando entrar em contato com as indústrias que produzem e as que importam", explica Uip, acrescentando que o esforço tem sido em conjunto com o Ministério da Saúde e o governo federal, com foco voltado para atender os pacientes mais graves da doença.

"Mas temos indústrias muito produtivas em São Paulo, por exemplo, não podemos depender de outros países todas as vezes e estar sempre correndo atrás."

Enquanto os "graves" ainda são minoria, a doença já se manifestou em pelo menos outros três quadros "fora da curva", com evolução de inflamações no cérebro (encefalite), pulmão (pneumonite) e córneas (ceratite).

Para esses pacientes de risco, os governos estadual e federal têm tentado importar doses específicas por "uso compassivo", quando é autorizado o acesso a um item médico ainda não aprovado no País e que esteja em desenvolvimento.

"Estamos tentando fazer esse apelo pela gravidade dos pacientes. Nesses casos, que são diferentes das compras regulares, o remédio é doado pela empresa com uso específico", explica Uip.

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