O policial civil licenciado e empresário Diego de Almeida Soares, dono de um dos maiores clubes de tiro do País e que acumulou mais de R$ 60 milhões em apenas três anos, teve a demissão solicitada pela Secretaria de Defesa Social (SDS) ao governo de Pernambuco.
Diego é presidente da Associação dos Policiais Civis de Pernambuco. Investigação conduzida pela Polícia Federal em Pernambuco revelou que ele comandava as empresas CTA Clube de Tiro e Shop do Atirador, ambas localizadas no município de Caruaru, no Agreste do Estado, com clientes de todo o Brasil.
Segundo a Polícia Federal, as empresas vendiam armas de fogo de forma irregular e ainda produziam e publicavam vídeos no Youtube com conteúdos e propagandas para quem pretendia adquirir as armas.
Segundo a Polícia Federal, a Shop do Atirador somava R$ 391 mil na conta bancária em 2018. Já em 2021, o valor acumulado chegou a mais de R$ 60 milhões.
Em duas fases, a operação Zona Cinza cumpriu mandados de prisão e de busca e apreensão entre outubro e dezembro de 2022. Cerca de 3 mil armas e munições foram apreendidas, segundo a Polícia Federal.
Diego foi preso na primeira fase da operação, mas foi solto em fevereiro deste ano por decisão do Tribunal Regional Federal da 5ª Região. Ele é apontado pelo Ministério Público Federal como o líder do esquema criminoso de comércio e porte ilegais de arma de fogo.
O policial civil e mais oito acusados viraram réus na Justiça Federal e respondem por crimes como falsidade ideológica, uso de documento falso e a conduta de oferecer e executar serviços de armaria clandestina – crime hediondo equiparado ao comércio ilegal de arma de fogo.
PEDIDO DE DEMISSÃO
O processo administrativo disciplinar foi instaurado pela Corregedoria da SDS porque a atuação de Diego à frente de empresas privadas fere o Estatuto dos Policiais Civis de Pernambuco.
Inquérito da Polícia Federal aponta que Diego estruturou pessoas jurídicas por ele comandadas para que, formalmente, ele não aparecesse como principal sócio. No caso do Shop do Atirador, por exemplo, a mãe dele aparece como dona de 99% da empresa.
O pedido de demissão do policial civil foi assinado pela secretária de Defesa Social, Carla Patrícia Cunha.
Na decisão, publicada na última terça-feira (21), informa que a gestora acolheu a "sugestão da 5ª Comissão Permanente de Disciplina Polícia Civil, do Parecer da Corregedora Auxiliar Civil, do
Parecer Técnico da Assessoria da Corregedoria Geral e do Despacho Homologatório da Corregedora Geral da SDS" para aplicação da demissão.
Os autos do processo foram remitidos à Procuradoria de Apoio Jurídico Legislativo do governo estadual. A decisão final será da governadora Raquel Lyra. Não há prazo para isso.
O QUE DIZ A DEFESA DO POLICIAL CIVIL?
O advogado Ricardo do Rego Barros, que defende o policial civil, se pronunciou sobre a decisão da SDS por meio de nota oficial.
"A defesa de Diego de Almeida Soares entende que essa decisão demissional é manifestamente contrária à legislação vigente, uma vez que é prematura, apressada e incompatível com os ditames da ampla defesa e do contraditório, tornando-a extremamente temerária", afirmou.
"Embora não se desconheça que a punição na esfera administrativa é independente da esfera criminal, seria razoável e prudente aguardar as conclusões do processo penal na Justiça e, só assim, adotar eventuais providências", continuou o advogado.
"Até porque, durante todo período tratado nas investigações, Diego estava devidamente licenciado do cargo, inclusive sem receber os seus vencimentos. Não houve, portanto, irregularidade suficiente a demandar uma severa sanção demissional", concluiu.
A INVESTIGAÇÃO DO CLUBE DE TIRO
A investigação começou em outubro de 2021, após a Delegacia de Polícia Federal em Caruaru receber a informação de que um clube de tiro e uma loja de armas pertencentes ao mesmo grupo estariam ministrando cursos, prestando serviços de conserto, manutenção e customização de armas de fogo, executados por pessoas sem licença da Polícia Federal para atuarem como armeiros.
Além disso, o grupo também estaria produzindo documentos ideologicamente falsos em nome de armeiros legalmente credenciados, mas que não mantinham vínculo com essas pessoas jurídicas.
Apesar de atuar principalmente em Caruaru e Santa Cruz do Capibaribe (também no Agreste de Pernambuco), a empresa também tinha ligações com clubes de tiro em Alagoas e em São Paulo.
De acordo com a Polícia Federal, o público-alvo da empresa eram os CACs (Colecionadores, Atiradores Desportivos e Caçadores) - atraídos por meio de propaganda massiva em redes sociais, como vídeos publicados em um canal no YouTube, que contava com 97,2 mil inscritos e mais de 11 milhões de visualizações.
CLUBES DE TIRO SERÃO FISCALIZADOS
A multiplicação dos clubes de tiro no País, impulsionada pelos decretos que flexibilizaram as regras para posse e porte de armas no governo Bolsonaro, preocupa as polícias e os especialistas em segurança pública pelo perigo do aumento da criminalidade.
Antes mesmo de tomar posse como ministro da Justiça e Segurança Pública do governo Lula, Flávio Dino reforçou que os clubes de tiro seriam fiscalizados e regulados.
"Os clubes de tiro têm que ser regulados, com uma regulação firme e clara: fixar horários, cadastro público de quem frequenta, colocar fim ao funcionamento 24 horas, porque isso não faz sentido e é perigoso para a sociedade", defendeu, em dezembro de 2022.