O advogado Jorge Wellington foi um dos principais personagens do júri popular do Caso Serrambi. Durante intensos cinco dias, ele manteve firme a tese de que os irmãos kombeiros Marcelo e Valfrido Lira sequer tiveram contato com as adolescentes Maria Eduarda Dourado e Tarsila Gusmão e, portanto, não teriam qualquer relação com o crime.
E convenceu a maioria dos jurados, que decidiu pela absolvição dos réus.
Às vésperas de completar 20 anos do Caso Serrambi, no próximo dia 3 de maio, o advogado de defesa dos kombeiros concedeu entrevista ao JC.
Ele voltou a afirmar que não haviam provas para apontar Marcelo e Valfrido como os responsáveis pelas mortes das adolescentes. “Dois inocentes acusados de um crime que não cometeram.” Jorge deve lançar, ainda neste ano, um livro sobre os bastidores do Caso Serrambi.
Confira a entrevista dada pelo advogado:
JC - Quais considerações iniciais o senhor pode fazer sobre o Caso Serrambi?
JORGE WELLINGTON - É um caso realmente bastante emblemático. Um caso que teve uma repercussão em nível nacional e que até hoje é motivo de discussões, tanto jurídicas como na academia. Na realidade, os irmãos Valfrido e Marcelo Lira foram absolvidos no tribunal do júri. A decisão foi confirmada pelo Tribunal de Justiça de Pernambuco e ratificada pelo Superior Tribunal de Justiça, em Brasília.
JC - Os kombeiros tiveram algum contato com Maria Eduarda e Tarsila?
JORGE - Pelo que se mostrou no processo, não. Não há nenhuma prova nos autos que indique qualquer contato de Marcelo e de Valfrido Lira com as vítimas. Não há nada no processo que vincule eles ao caso.
JC - Uma testemunha, Regivânia Maria da Silva, descreve com detalhes que as meninas entraram na kombi e que Valfrido era o cobrador da kombi. O que o senhor tem a dizer sobre isso?
JORGE - Regivânia não foi ouvida no tribunal do júri. Ela foi ouvida na primeira (audiência de) instrução, mas foi ouvida tardiamente. Na reprodução simulada, os peritos do Instituto Criminalística chegaram à conclusão que, na posição que Regivânia estava, na posição que a kombi estava, e o horário pela escuridão e pela claridade dos faróis, ela não teria condições de reconhecer nem Valfrido nem Marcelo Lira. Portanto, o depoimento de Regivânia não tem cunho científico, nem cunho lógico, para ela dizer que reconheceu Valfrido Lira.
Impressionante que ela, inclusive, reconhece a cor dos olhos dele numa distância considerável. Qualquer pessoa naquelas condições não teria condições nenhuma. Isso foi cientificamente provado, não teria condições de reconhecer ninguém.
JC - Como o senhor avalia o conjunto de provas que aponta para os kombeiros como culpados?
JORGE - Não há prova nenhuma. É necessário entender não só o texto do processo, mas o contexto. Por exemplo: Por que Valfrido e Marcelo estariam juntos no dia do crime? É interessante que, no dia 29 de abril, ou seja, quatro dias antes do desaparecimento das meninas, Valfrido e Marcelo estavam intrigados. Inclusive há uma queixa na Delegacia de Ipojuca de Valfrido contra Marcelo.
Na investigação, localizaram dentro da kombi de Marcelo papelão, uma peça de corda, um barbeador, papel de bombom. O que é que acontece? Pegaram esse material que foi aprendido dentro da kombi e fizeram um comparativo com outro material que ninguém sabe de onde veio, coincidentemente um papel de bombom semelhante, uma corda semelhante, papelão semelhante.
Esse foi o material que a polícia diz ter encontrado no local do crime. E por que não fotografou? Onde se encontra a cadeia de custódia? Não tem cadeia de custódia.
O perito precisa fotografar o vestígio do local do crime, acomodar ele, e levar para ser albergado dentro do Instituto de Criminalística para aquele material ficar à disposição das partes, do Ministério Público e da defesa. Mas isso não aconteceu. Então isso não é prova, não serve para nada.
JC - No final do júri, uma jurada teria dito a um dos kombeiros algo do tipo: "eu não disse que ia dar certo?!". Essa declaração foi levada pela acusação para pedir anulação do júri. Qual a sua avaliação?
JORGE - Quem diz isso é acusação. Ninguém mais ouviu isso, nem a defesa nem os demais jurados. Portanto, eu não posso dizer que sim ou que não. Na realidade, não se provou que essa jurada fez essa manifestação. Quem matou as meninas? Uma coisa que eu posso garantir é que não foram os irmãos Marcelo e Valfrido Lira. Aliás, eles nunca tiveram contato com as jovens.
JC - O senhor acredita que quem matou Maria Eduarda e Tarsila Gusmão?
JORGE - Não cabe a mim dizer isso. Caberia à polícia e ao Ministério Público fazerem uma investigação mais acurada e chegar aos verdadeiros autores desse crime tão horrendo.
JC - O senhor ainda tem contato com os dois irmãos?
JORGE - Sim, mantenho contato sempre com eles. Eles estão bem, vivendo a vida deles, de uma forma simples. Trabalhadores, decentes, direitos e sem causar nenhum prejuízo ou trazer qualquer alteração à sociedade. Vivem bem com suas famílias, vivem lá na cidade de Ipojuca.
JC - O que mais lhe marcou no Caso Serrambi?
JORGE - O que me marcou mais foi exatamente ver duas vítimas brutalmente assassinadas e dois inocentes sendo acusados. Isso me marcou profundamente. Trago comigo a dor das duas famílias. Trago comigo a dor das famílias das meninas, mas também carrego a dor, agora bem mais aliviada, da família de Marcelo e de Valfrido Lira.
VEJA O WEBDOCUMENTÁRIO: CASO SERRAMBI 20 ANOS
EXPLICAÇÃO AO LEITOR SOBRE VALFRIDO LIRA
Diferentemente da informação que o advogado recebeu, Valfrido Lira está preso, há mais de oito meses, após um processo que o condenou por uso de documento falso transitar em julgado.
Segundo as investigações, Valfrido utilizou uma carteira de habilitação falsa para trabalhar dirigindo uma kombi, entre abril de 1998 e 23 de julho de 2002, quando o documento foi cancelado por solicitação do Detran de Minas Gerais.
Impedido de dirigir, Valfrido teria adquirido outra carteira nacional de habilitação, por meio do Detran da Paraíba. O kombeiro usou o documento até o dia em que foi preso preventivamente por suspeita de envolvimento na morte de Tarsila Gusmão e Maria Eduarda Dourado.
Ambos os documentos teriam sido confeccionados e entregues ao kombeiro por José Ramos Porfírio, proprietário da autoescola localizada em Ipojuca.
A Justiça determinou uma pena de oito anos e dois meses de prisão para Valfrido, em regime inicialmente fechado, e multa. Já para José Ramos a pena foi de oito anos, além de multa.
Familiares informaram que Valfrido está cumprindo pena no Centro de Observação e Triagem (Cotel), em Abreu e Lima.
Procurada, assessoria da Secretaria Executiva de Ressocialização (Seres) informou que, por questões de segurança, não poderia confirmar a unidade prisional onde ele está cumprindo pena.
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