VIOLÊNCIA

Facção Trem Bala, que atua no Litoral Sul de Pernambuco, tenta ingressar na política, aponta investigação

Grupo, que tem ligação com facções do Sudeste, arrecadou quase R$ 10 milhões no período de um ano. E gastou quase R$ 300 mil com compra de armas de fogo

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Raphael Guerra

Publicado em 28/06/2023 às 12:41 | Atualizado em 28/06/2023 às 16:57
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A Polícia Civil revelou que a facção Trem Bala, com forte atuação nas cidades do Litoral Sul de Pernambuco, pretendia colocar integrantes em cargos políticos a partir das próximas eleições. Na operação realizada nesta quarta-feira (28), 24 integrantes do grupo foram presos. As investigações apontaram também que as vítimas deles são torturadas, mortas e enterradas em cemitérios clandestinos. 

A Trem Bala atua principalmente na praia de Porto de Galinhas, cartão-postal de Pernambuco. A investigação apontou que o grupo, especializado no tráfico de drogas, comércio ilegal de armas de fogo, tortura e lavagem de dinheiro, também tem ligação com facções do Sudeste, como o Primeiro Comando da Capital (PCC) e, principalmente, o Comando Vermelho. 

Para a polícia, o grupo é bem organizado, com estrutura hierárquica e divisão de tarefas entre os membros: há "olheiros", vendedores de drogas, gerentes do tráfico, homicidas, "laranjas" que emprestam contas bancárias para a lavagem de dinheiro, chefias e líderes da organização. 

A facção tem forte atuação nos municípios de Ipojuca (onde Porto de Galinhas está localizado), Cabo de Santo Agostinho, Sirinhaém, Itamaracá, Escada, Jaboatão dos Guararapes, entre outros. 

Para avançar ainda mais, o grupo já estaria financiando pessoas para serem candidatas a cargos políticos. 

"Tem um funcionário da prefeitura (de Ipojuca) que era uma espécie de líder comunitário e que, segundo as investigações, iria se candidatar nas próximas eleições como vereador. Ele era envolvido com o tráfico de drogas e foi preso na última quinta-feira", afirmou o delegado Ney Luiz Rodrigues, responsável pelo inquérito. 

O suspeito já se apresentava nas redes sociais como candidato a vereador. 

A assessoria da Prefeitura de Ipojuca informou que o servidor investigado foi exonerado do cargo após a prisão. 

FACÇÃO ARRECADOU R$ 10 MILHÕES EM UM ANO

Ao longo das investigações, foram apreendidos com integrantes do grupo cerca 200 cadernos, onde constavam parte da contabilidade do tráfico de drogas. A polícia acredita que, entre o ano de 2021 e início de 2022, a facção arrecadou quase R$ 10 milhões. Além disso, o grupo gastou, no mesmo período, quase R$ 300 mil na aquisição de armas de fogo e R$ 114 mil com munições coletes a prova de bala. 

A Operação Manguezal Vermelho, como está sendo chamada, foi realizada nas cidades de Ipojuca, Igarassu, Abreu e Lima, Recife, Palmares e Limoeiro (todas em Pernambuco), além de Aracaju, em Sergipe.

O nome da operação faz referência à planta mangue vermelho, vegetação típica de mangues que, quando tem sua casca raspada, apresenta uma coloração avermelhada. É uma alusão à existência de cemitérios clandestinos nas áreas de mangue nos distritos de Porto de Galinhas e Nossa Senhora do Ó, também em Ipojuca.

"É uma investigação complexa, que a gente vem acompanhando desde 2018. Descobrimos que pessoas eram mortas e enterradas em mangues. Os alvos muitas vezes eram traficantes rivais, usuários de drogas em dívidas com a facção e pessoas que praticavam crimes patrimoniais na região", explicou o delegado.

Pessoas apontadas como informantes da polícia também eram mortas após serem "julgadas e condenadas" por uma espécie de tribunal do crime.

"A gente não sabe dizer a quantidade de pessoas mortas porque as famílias, infelizmente, com medo de represálias, não procuram a polícia para denunciar os desaparecimentos. Tudo o que a gente consegue é de maneira informal", declarou o delegado. 

Dos 24 mandados de prisão, 14 foram cumpridos em presídios do Estado. "É um dos principais problemas da segurança pública essa facilidade que os presos têm de continuar mantendo contato com o mundo externo e gerenciar essas facções criminosas."

Além das 24 prisões efetuadas, nove mandados de busca e apreensão foram cumpridos. Celulares, drogas e dinheiro estão entre as apreensões. 

PCPE/DIVULGAÇÃO

Dinheiro, drogas e celulares foram apreendidos na operação nesta quarta-feira (28) - PCPE/DIVULGAÇÃO

LÍDERES DA FACÇÃO ESTÃO PRESOS

No último dia 16 de junho, o atual líder da Trem Bala foi preso. Pedro Paulo de Jesus Teixeira, conhecido como Carioca, estava morando na chamada Zona de Expansão de Aracaju, uma espécie de região metropolitana recém construída, onde estaria investindo em imóveis.

"A maior dificuldade nossa era produzir provas contra ele, porque ele não agia diretamente. Usava outras pessoas, principalmente adolescentes, para praticar os crimes. Mas, ao longo da investigação, conseguimos essas provas e ele foi preso", disse Ney Rodrigues. 

CORTESIA

Pedro Paulo de Jesus Teixeira estava escondido em uma casa em Aracaju. Ele estava sendo procurado desde o ano passado - CORTESIA

Evanilson José da Silva, conhecido por "Bambam", o líder anterior ao Carioca, também já está preso.

Ambos, segundo a polícia, tem forte ligação com o Comando Vermelho, do Rio de Janeiro, que seria a principal fornecedora de drogas. A descoberta foi feita porque integrantes da Trem Bala usavam, nas redes sociais, usam expressões como "Tudo dois", que pertencem à simbologia alusiva à facção carioca. 

FACÇÃO TREM BALA, ALVO DE OPERAÇÃO, TAMBÉM TEM LIGAÇÃO COM O PCC

Durante as investigações da Polícia Civil, nos últimos anos, constatou-se que o grupo Trem Bala também tem ligações com a facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC), que seria uma fornecedora de drogas.

Fotos de comprovantes bancários encontradas em celular periciado demonstram transações financeiras com indivíduos integrantes da facção paulista. 

COMPRA DE ARMAS DE FOGO DA POLÍCIA CIVIL

A Trem Bala, inclusive, é apontada como uma das facções que compraram armas de fogo subtraídas da sede da Coordenadoria de Recursos Especiais (Core), no Recife. O esquema, que envolveu policiais civis, foi descoberto em 2021.

No total, 1.131 armas (entre metralhadoras, pistolas e revólveres) e milhares de munições foram desviadas e vendidas por valores médios entre R$ 6,3 mil a 6,5 mil. Já as submetralhadoras custavam R$ 22 mil no comércio ilegal.

FACÇÃO COMANDA ROTINA DE COMUNIDADE EM PORTO DE GALINHAS, APONTA INVESTIGAÇÃO

A investigação revelou que a comunidade de Salinas, em Porto de Galinhas, é comandada por integrantes da Trem Bala. O acesso de pessoas à localidade só é permitido com autorização dos criminosos, que portam armas de grosso calibre pelas ruas em plena luz do dia.

Eles se comunicam por meio de rádios e monitoram os lugares por meio de câmeras de segurança.

Até mesmo o acesso para realização de serviços públicos essenciais, como a coleta de lixo, reparos e instalação de iluminação pública e entrega de encomendas, só podem ser feitos com a permissão do chefe da boca de fumo. 

PROTESTOS APÓS MORTE DE MENINA FORAM ORGANIZADOS PELA TREM BALA

ALEX OLIVEIRA/JC IMAGEM

REVOLTA Moradores de Porto de Galinhas protestaram contra ação da Polícia Militar na comunidade - ALEX OLIVEIRA/JC IMAGEM

As investigações também revelaram que os protestos de moradores da comunidade de Salinas após a morte da menina Heloysa Gabrielle, de 6 anos, em março de 2022, foram orquestrados por integrantes da Trem Bala.

Nos protestos, que resultaram em dias tensos no cartão-postal pernambucano, moradores pediam a retirada dos policiais do Batalhão de Operações Especiais (Bope) da região, sob a acusação de que seriam violentos. 

"Esses traficantes falavam em atacar a delegacia e falavam até em atirar um helicóptero da polícia", contou o delegado Ney Luiz Rodrigues. 

PCPE/DIVULGAÇÃO

Delegado Ney Luiz Rodrigues comandou investigação que desarticulou grupo criminoso - PCPE/DIVULGAÇÃO

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