IMPUNIDADE

Milhares de investigações de homicídios em Pernambuco estão sem conclusão

Somente entre os anos de 2017 e 2022, a polícia instaurou 23.029 inquéritos. Mais de 8,1 mil ainda estão sem resposta

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Raphael Guerra

Publicado em 30/08/2023 às 9:45 | Atualizado em 30/08/2023 às 12:02
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Milhares de investigações instauradas para apurar crimes de homicídio em Pernambuco continuam sem respostas, como apontam estatísticas obtidas pela coluna Segurança por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI). Somente entre os anos de 2017 e 2022, a polícia somou 23.029 inquéritos. Desse total, 8.131 ainda estão sem conclusão. 

O ano com menor taxa de resolução é 2017, quando houve recorde histórico de homicídios no Estado. De acordo com a Polícia Civil, 5.306 foram inquéritos instaurados para apurar esses crimes. Até hoje, 2.009 foram encerrados com a identificação dos suspeitos. Outros 341 foram concluídos, mas a polícia não conseguiu descobrir os responsáveis pelas mortes. A taxa de resolução ficou em 44,2%. (Veja lista completa mais abaixo) 

O levantamento mostra o tamanho do desafio do programa Juntos pela Segurança, que substituiu o Pacto pela Vida, para identificar autores de crimes e diminuir a impunidade em Pernambuco. 

CASO BETINHO É EXEMPLO DE IMPUNIDADE

REPRODUÇÃO
José Bernardino da Silva Filho, conhecido como Betinho, foi encontrado morto no dia 16 de maio de 2015 - REPRODUÇÃO

Um dos crimes de maior repercussão do Estado nos últimos anos, e que ainda permanece sob mistério, é o assassinato do professor e coordenador pedagógico José Bernardino da Silva Filho, o Betinho, de 49 anos. Ele foi encontrado morto no apartamento onde morava, no Edifício Módulo, no bairro da Boa Vista, área central do Recife, em 16 de maio de 2015.

Na época, peritos papiloscopistas do Instituto de Identificação Tavares Buril afirmaram que digitais de dois estudantes do Colégio Agnes, onde Betinho trabalhava, foram encontradas em uma cômoda e em um ferro de passar. Por isso a dupla foi indiciada pelo crime. Posteriormente, duas perícias - uma da Polícia Federal e outra do Instituto de Criminalística - apontaram que as digitais não eram da dupla. Numa revisão, os peritos do laudo inicial reconheceram o erro. 

Em janeiro de 2019, os suspeitos foram inocentados e a Justiça determinou a reabertura das investigações. O delegado Roberto Lobo, do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), assumiu o caso, mas, até hoje, não concluiu o novo inquérito. Por telefone, o delegado informou à coluna apenas que segue investigando o crime.

Enquanto isso, familiares de Betinho seguem à espera de justiça. E torcem para que a morte dele não seja mais um caso em que a impunidade prevaleça.

"Sempre vou ao DHPP para saber informações e converso com o delegado para cobrar. Quando não posso ir, ligo. Mas estamos sempre em contato para que as investigações não parem. Vamos continuar lutando para que o caso do meu irmão seja esclarecido pela polícia", disse Sandra Pereira, irmã de Betinho. 

POLÍCIA CIVIL DIZ QUE ESTUDA REDUÇÃO DE ACÚMULO DE INQUÉRITOS

Por meio de nota, a Polícia Civil de Pernambuco afirmou que a taxa de resolução de homicídios no Estado "é atualmente de 56%, valor acima da média nacional".

"Ressaltamos que, desde 2017, ano com os maiores números de MVIs (mortes violentas intencionais) em todo o País, os índices de resolubilidade em Pernambuco, têm subido. Estudos estão sendo realizados para a redução dos inquéritos ainda não concluídos", disse o texto.

Thiago Lucas/ Design SJCC
Investigações de homicídios - Thiago Lucas/ Design SJCC

FALTAM RECURSOS PARA A POLÍCIA CIENTÍFICA

Diante de milhares de homicídios que ocorrem todos os anos em Pernambuco, um dos principais empecilhos para evitar a impunidade é a falta de efetivo policial suficiente. 

O governo de Pernambuco anunciou, em 31 de julho, que fará concurso público para diminuir o déficit de profissionais das polícias Civil e Militar e do Corpo de Bombeiros, mas os editais ainda não foram lançados.

Outro problema está na escassez de recursos da Polícia Científica, que se mostra cada vez mais fundamental para a robustez das provas materiais necessárias para identificar o autor dos crimes - evitando que inquéritos sejam encerrados sem identificação dos culpados. 

Na semana passada, durante audiência pública na Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe), a presidente da Associação de Polícia Científica do Estado (Apoc-PE), Camila Reis Baleeiro, cobrou mais atenção à categoria. E reclamou de não haver previsão de concurso público para aumentar a quantidade de peritos. 

"Não adianta a gente ter uma Polícia Militar ativa, uma Polícia Civil ativa, se as pessoas acusadas vão ser submetidas a um julgamento e não vai haver provas que vão garantir a correta punibilidade. É impossível que a Polícia Científica consiga dar a resposta, dar prova suficiente pra a quantidade de inquéritos policiais que são abertos todos os dias com um efetivo tão baixo", disse. 

SIDNEY LUCENA/JC IMAGEM
Trabalho de peritos da Polícia Científica tem sido fundamental para a solução dos crimes em Pernambuco - SIDNEY LUCENA/JC IMAGEM

"A gente tem um problema sério na Região Metropolitana do Recife, mas a situação do interior é muito pior. A unidade de Salgueiro (Sertão) conta com um perito e um agente de perícia para cobrir 18 mil quilômetros de área. A regional de Caruaru (Agreste) cobre 22 municípios com mais de um milhão de habitantes", destacou Camila. 

A presidente da Apoc-PE pontuou ainda a falta de estrutura para que os resultados sejam apresentados mais rápido e de forma mais eficaz.

"Apesar de termos dez unidades de Polícia Científica, nem todas contam com o IML (Instituto de Medicina Legal). Somente quatro têm IMLs pra fazer exames tanatoscópicos em cadáveres. É uma sobrecarga muito grande e não tem um rabecão. Temos que depender às vezes de funerárias pra fazer a remoção dos corpos", afirmou.

Sobre os problemas apontados pela presidente da Apoc-PE, a coluna entrou em contato com a assessoria da Secretaria de Defesa Social (SDS), mas não teve resposta. 

 

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