Estudo revela violências sofridas por pessoas LGBTQIA+ em presídios de Pernambuco
Em entrevistas, 75% das pessoas autodeclaradas gays, travestis e transexuais disseram ter sofrido algum tipo de violência nas unidades prisionais
Um estudo realizado pelo Grupo de Trabalho em Prevenção Posithivo (GTP+) identificou uma série de violações no tratamento da população de gays, travestis e transexuais nos presídios localizados na Zona da Mata de Pernambuco.
Foram identificadas 12 pessoas autodeclaradas LGBTQIA+, sendo oito no Presídio de Vitória de Santo Antão e quatro no Presídio Dr. Rorenildo da Rocha Leão, que fica em Palmares.
Quanto à identidade de gênero, 54,5% se declararam mulher trans, 18,2% travesti e 27,3% homem cis. Nas duas unidades, não há alas exclusivas para pessoas LGBQIAP+. E todos convivem com a superlotação em espaços improvisados e precários.
"Dessa forma, narram, e de fato foi constatada, uma situação de extrema insegurança de sofrerem diversos tipos de violência. Inclusive, chamou a atenção relatos de que sequer poderiam escolher o local que mais se sentiam seguras dentro da unidade, tampouco era questionado às mulheres trans e travestis sobre a possibilidade de serem transferidas para uma unidade feminina", apontou o relatório da 5ª Edição do Projeto Fortalecer para Superar Preconceitos.
A pesquisa, realizada entre outubro e novembro de 2022, foi divulgada nesta quarta-feira (13), por isso pode haver uma diferença no atual número de pessoas LGBTQIA+ nas duas unidades avaliadas.
VIOLÊNCIAS SOFRIDAS NAS UNIDADES
Em entrevistas, 75% das pessoas autodeclaradas gays, travestis e transexuais disseram ter sofrido algum tipo de violência nas unidades prisionais.
No total, 44,4% afirmaram já ter sofrido agressão física. Já 11,1% sofreram violência sexual. O restante disse ter sofrido agressão verbal.
"Quanto à violência praticada em virtude da identidade de gênero vem causando forte temor nas pessoas que querem passar pela transição de gênero, seja através das alterações de documentos de identificação, utilização de roupas femininas e realização de tratamento hormonal", pontuou o relatório.
"Quanto a este último ponto, a população trans suporta verdadeira anulação quanto aos direitos da personalidade, uma vez que não há tratamento hormonal disponibilizado pelas unidades prisionais. Inclusive, no PVSA (Presídio de Vitória de Santo Antão) foi proibido o uso, sob a promessa de que teria acompanhamento médico no tratamento, informação esta que até o momento não se concretizou", completou.
No presídio de Palmares, os gays, transexuais e travestis são impedidos/as de receberem visita íntima, e é muito presente a figura do "chaveiro", preso responsável pelos espaços de convivência e que dita as regras no local.
Outra violação apontada no estudo é que os reeducandos não aceitam quem é adepto/a de religiões de matriz africana, pois quem se revela pode sofrer violência física ou intolerância religiosa.
O nome social das travestis e transexuais não é respeitado nem pelos presos, nem por funcionários do sistema de segurança.
RECOMENDAÇÕES
Segundo o advogado e coordenador do estudo, Lucas Enock, a pesquisa é importante para que os mecanismos em defesa tracem estratégias para a preservação da integridade dessa população que carece tanto de assistência e dignidade.
"O estudo é marcado pelo seu ineditismo. A pesquisa busca não somente denunciar as violações de direitos, mas também apresentar recomendações e caminhos possíveis ao Estado e autoridades para a promoção de uma política prisional que respeite a dignidade da pessoa humana", afirmou.
Além das críticas, o relatório traz recomendações ao governo de Pernambuco, Justiça, Defensoria Pública e Ministério Público.
Ao governo de Pernambuco, foram feitas 24 recomendações. As principais foram:
Padronização do tratamento da população LGBTIQAP+ nas unidades prisionais do Estado;
Criar e manter espaço de convivência e segurança de pessoas LGBTQIAP+;
Criar e manter espaços físicos adequados para a prática de outras religiões para além da cristã;
Extinguir a figura do “chaveiro” de modo que o Estado assuma total controle de gestão sobre as unidades prisionais;
Criar e garantir política de atendimento da população LGBTQIAP+ por profissionais de saúde mental.
Ao Tribunal de Justiça de Pernambuco:
Promover mutirão para mapear todos os processos criminais e de execução penal referentes às pessoas LGBTQIAP+ privadas de liberdade;
Reconhecer trabalho informal desenvolvido por essa população para fim de remição de pena.
À Defensoria Pública do Estado de Pernambuco:
Revisar todas as prisões em flagrantes e preventivas da população LGBTQIAP+ de modo a identificar ilegalidades e abusos;
Criar núcleo especializado de execução penal em pessoas LGBTQIAP+ para atuação e defesa especializada de modo a assegurar e monitorar tratamento penal adequado durante a privação de liberdade, nos termos da Resolução 348/2020 do CNJ.
Ao Ministério Público de Pernambuco:
Instaurar inquérito para apuração e verificação de responsabilidade de todas as graves violações de direitos humanos apresentados neste relatório;
Instaurar inquérito para verificação do tratamento penal destinado à população LGBTQIAP+ em todo o Estado, de modo a também verificar a responsabilidade de todas as graves violações de direitos humanos identificadas.