Superlotação, falta de estrutura nos presídios, guerra entre detentos de facções rivais e mortes com requintes de crueldade. Há dez anos, era assim a situação do sistema prisional do Maranhão, considerado um dos piores do Brasil. O investimento em trabalho e educação dos presos, associado à valorização dos servidores públicos, mudou a realidade e fez até o Estado receber um prêmio nacional pelas boas práticas.
Ao contrário do Maranhão, o sistema prisional de Pernambuco não recebeu atenção na última década. Presídios continuam superlotados, com espaços que parecem verdadeiras favelas, com detentos ditando regras e se comunicando com facilidade com quem está fora das grades para seguir praticando crimes. Além disso, o déficit de policiais penais permanece alto e faltam iniciativas que estimulem o trabalho, já sobrecarregado, dos profissionais que estão na linha de frente.
No último dia 26 de maio, a governadora de Pernambuco, Raquel Lyra, e a secretária estadual de Justiça e Direitos Humanos, Lucinha Mota, visitaram duas unidades prisionais do Maranhão para colher ideias que podem vir a ser implementadas. A gestão prometeu melhorar as condições do sistema prisional pernambucano para garantir que os presos sejam ressocializados. Mas é preciso que, na prática, haja alto investimento financeiro e um choque de gestão - o que não ocorreu nos 16 anos da gestão do PSB à frente do Estado.
O QUE O SISTEMA PRISIONAL DO MARANHÃO TEM A ENSINAR?
Em 2013, o presídio de Pedrinhas (hoje chamado de Complexo Penitenciário São Luís) registrou 64 mortes. Tratava-se de uma unidade dominada por facções criminosas, com denúncias de torturas, estupros de mulheres de presos e conivência de servidores públicos. Em 2014, a situação seguiu descontrolada, com criminosos atacando ônibus e delegacia, mais mortes e fugas em massa do presídio.
Em 2015, na gestão do governador Flávio Dino, atual ministro da Justiça e Segurança Pública, o programa Gestão Penitenciária (Gespen) foi criado para dar a devida atenção ao sistema prisional maranhense - com acompanhamento de todas as unidades e cobrança mensal por metas de melhorias, a partir de indicadores pré-definidos. Sete anos depois, a iniciativa rendeu ao Estado o prêmio da 10ª edição do Ranking de Competitividade dos Estados, na categoria "Destaque Boas Práticas".
"São 4 eixos e 43 indicadores. No eixo Humanização, por exemplo, o destaque vai para a educação e trabalho. Com o Programa Rumo Certo, é desenvolvido um conjunto de ações estruturadas, voltadas para o aumento do nível de escolaridade das pessoas privadas de liberdade. Isso gerou resultados como a erradicação do analfabetismo no sistema. Cerca de 80% dos internos estão inseridos em atividades educacionais e mais de 100 internos estão cursando o ensino superior", pontuou o secretário da Administração Penitenciária do Maranhão, Murilo Andrade.
"Foi criado também o Programa Trabalho com Dignidade, que visa a ressocialização, capacitação profissional, inclusão social e remição de pena. Entre as principais frentes de trabalho estão: fábrica de blocos de concreto para pavimentação de ruas; malharia para confecção de fardamentos escolares da rede pública de ensino; fábrica de móveis; fábrica de conjuntos escolares. Há também o Projeto Digitalização, que consiste na digitalização de processos públicos (físicos) produzidos pelas secretarias estaduais do Maranhão", disse.
Segundo Murilo, 70,71% detentos estão inseridos em frentes de trabalho, interno ou externo, no Maranhão - número que faz diferença no processo de ressocialização e na diminuição dos conflitos entre as pessoas que estão privadas de liberdade.
Atualmente, a população carcerária em Pernambuco é de 29.886 detentos. Desse total, cerca de 2,3 mil trabalham nas 23 unidades prisionais, ou seja, pouco mais de 7%.
NO MARANHÃO, HÁ VAGAS SOBRANDO NOS PRESÍDIOS
O secretário estadual destacou os investimentos em infraestrutura, segurança e tecnologia no sistema prisional. "Na infraestrutura, a evolução contou com obras, reformas e modernização, gerando mais de 8 mil novas vagas, 30 galpões multiuso construídos e 56 estabelecimentos penais", contou.
O sistema prisional maranhense possui 12.471 internos. E a taxa de ocupação é de 93,5%, ou seja, há vagas sobrando. A realidade é bem diferente em Pernambuco, que conta com apenas 14.481 vagas e a taxa de ocupação é superior a 200%.
"Na segurança, a retomada do controle se deu a partir da gestão unificada, com o aparelhamento para o exercício adequado de funções, capacitação de servidores e criação da Polícia Penal do Maranhão. Houve também a instalação de mais de 1.300 câmeras nos estabelecimentos penais", afirmou Murilo.
O aumento no número de policiais penais e a valorização deles é uma cobrança constante do sindicato da categoria em Pernambuco. Atualmente há cerca de 1,4 mil profissionais, que trabalham em regime de plantão. Há ocasiões, segundo a entidade, que sete policiais penais são responsáveis pela segurança de mais de 1,1 mil presos - o que dificulta a garantia de segurança nas unidades.
O QUE DIZ O GOVERNO DE PERNAMBUCO SOBRE O SISTEMA PRISIONAL DO MARANHÃO
A secretária de Justiça e Direitos Humanos de Pernambuco, Lucinha Mota, concedeu uma breve entrevista por e-mail. Ela destacou que a gestão atual está trabalhando para mudar a realidade dos presídios.
"Recebemos o sistema prisional de Pernambuco em calamidade, tido como o pior do país, desde o déficit carcerário de quase 17 mil vagas até o acesso à condições básicas para a ressocialização, como saúde, educação e trabalho. Já sabíamos o que iríamos receber. Por isso, estamos trabalhando diuturnamente e incluindo no debate todos os atores envolvidos no processo para reverter essa situação", disse.
Sobre o sistema prisional do Maranhão, a gestora estadual afirmou que as ações voltadas à educação e trabalho foram as que mais chamaram a atenção.
"Hoje, o Maranhão é um laboratório e uma referência para todo o País na garantia da efetiva ressocialização e da reinserção na sociedade de forma digna. Durante a visita, nos chamou à atenção o número de apenados dentro da sala de aula e a empolgação dos reeducandos para integrar ações de capacitação profissional. Oferecer alternativas de sustento já dentro da prisão pode ser um diferencial nesse retorno a sociedade", afirmou.
COMPLEXO DO CURADO, NO RECIFE, É UM DOS PIORES DO PAÍS
A situação do Presídio de Casinhas, destacado nesta reportagem, lembra - e muito - o Complexo Prisional do Curado, no Recife, que é formado por três presídios superlotados, sem estrutura física adequada e com presos comandando pavilhões. Mortes, inclusive com armas de fogo, também foram registradas nos últimos anos - sem que o Estado apresentasse explicações sobre como os presos têm acesso aos revólveres.
Em 2011, a integrante do Conselho da Comunidade da 3ª Vara de Execuções Penais da Capital e coordenadora do Comitê Estadual de Prevenção e Combate à Tortura, Wilma de Melo, precisou denunciar o Estado brasileiro à Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Naquele ano, quando foi editada a primeira medida cautelar, a população carcerária se aproximava de 5 mil pessoas. Uma década depois, apesar de a Corte ter proibido a entrada de novas pessoas, o número de detentos no Complexo continuou a crescer, sem melhorias da estrutura.
O País foi condenado pela Corte IDH e, por isso, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) foi obrigado a fiscalizar e cobrar com rigor melhorias nas condições de sobrevivência dos presos.
Em agosto de 2022, uma comitiva do CNJ visitou o Complexo Prisional do Curado e ficou estarrecida com a situação.
No Presídio Juiz Antônio Luiz Lins de Barros, que faz parte do Curado, foram encontrados problemas estruturais e falta de higiene por toda a parte. Sem quartos, detentos improvisaram buracos para dormir. Para ter acesso, eles têm que rastejar. Os presos também são forçados a dormir no chão por falta de celas, abrigados da chuva por pedaços de lona.
Além disso, o CNJ citou que o Complexo tem estrutura de "favelização" e conta com "mercado paralelo" comandado por presos, com venda de bebidas e comidas - o que é proibido.
"A falta de água potável e de alimentação adequada e em quantidade suficiente enseja a ostensiva comercialização, por parte das próprias pessoas presas, de insumos de sobrevivência básica, vendidos em 'cantinas', com preços abusivos", pontuou, em relatório, a então corregedora Nacional de Justiça, Maria Thereza de Assis Moura.
Na ocasião, foi dado um prazo de oito meses para que 70% dos presos fossem retirados do Complexo do Curado. Houve mutirões e reforço no número de juízes criminais analisando os processos dos mais de 6 mil presos. O prazo chegou ao fim no final de abril deste ano, mas só 49,7% da meta foi atingida.