A decisão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) de determinar que o Tribunal de Justiça de Pernambuco retire 70% dos presos do Complexo Prisional do Curado, na Zona Oeste do Recife, para diminuir a histórica superlotação num prazo de até oito meses, jogou luz sobre os graves problemas no sistema prisional de Pernambuco.
Há péssimas estruturas físicas, falta de higiene, pouca segurança e presos ditando regras.
Apesar da promessa de mais investimentos, com a criação do Pacto pela Vida, em 2007, o número de presos em regime fechado ou semiaberto mais que triplicou nos últimos anos.
E a quantidade de vagas segue distante de ser suficiente para abrigar a todos e garantir as mínimas condições para o adequado processo de ressocialização.
Segundo a Secretaria Executiva de Ressocialização (Seres), há 34.610 detentos no regime fechado ou semiaberto. E o total de vagas é de 13.842.
Só no Complexo Prisional do Curado, um dos mais superlotados do Brasil, há 6.508 detentos, apesar de só ter 1.819 vagas.
Coordenadora do Comitê Estadual de Prevenção e Combate à Tortura, Wilma Melo há décadas luta por melhorias nas unidades prisionais de Pernambuco. Já perdeu as contas de quantas vezes fez visitas, ouviu detentos e denunciou ao Estado e aos outros poderes o cenário caótico e desumano vivenciado nos presídios.
Foi ela a responsável por acionar, há mais de dez anos, a Corte Interamericana de Direitos Humanos e denunciar uma série de irregularidades no Complexo Prisional do Curado. A denúncia foi investigada, comprovada e levou à condenação do Estado brasileiro. Por isso, o CNJ vem cobrando melhorias.
"É obrigação de todos os órgãos do Estado a realização de visitas para observar se a Lei de Execuções Penais está sendo cumprida. É o básico, mas ninguém fez nada para mudar. Por isso, foi preciso recorrer ao mecanismo internacional de direitos humanos. O CNJ passou esse tempo todo e parecia que não estava acontecendo nada", afirma.
"A população carcerária é, basicamente, formada por pretos, pobres e periféricos. É como se todos já estivem acostumados com isso, como se o Estado não fosse o garantidor da volta com dignidade dessas pessoas para a sociedade."
Wilma destaca que problemas semelhantes aos encontrados no Complexo Prisional do Curado, como a superlotação, favelização dos espaços e falta de controle - devido ao baixo número de policiais penais - é comum em todo o sistema. São apenas 1.497 policiais na ativa para dar conta de 23 unidades prisionais e 44 cadeias públicas.
Na falta de segurança, o estímulo à continuidade do crime é natural. Tanto que é muito comum a Polícia Civil realizar operações contra organizações criminosas e precisar ir às unidades prisionais cumprir mandados de prisão contra acusados - que comprova que eles seguem cometendo crimes mesmo sob a guarda do Estado.
"A gente quer que a sociedade receba essas pessoas integradas socialmente, e não capacitadas para o crime. Mas é muito difícil quando o Estado não dá condições mínimas para que esses presos passem por um processo de ressocialização. Muita gente acha que as condições são boas, que os presos só comem e dormem, mas não conhecem a realidade lá dentro", diz.
PRESÍDIO DE ITAQUITINGA
Wilma cita ainda o exemplo do Centro Integrado de Ressocialização de Itaquitinga, que inicialmente seguiria o modelo de Parceria Público-Privada e acabou tendo as obras paralisadas em 2012.
Cinco anos depois, o Estado decretou a caducidade com a empresa responsável e, com 65% da construção da primeira unidade concluída, assumiu as obras. Em 2018, houve a inauguração. Prometido como um centro "modelo" e com mais segurança, a unidade, no entanto, apresenta problemas para os presos e seus familiares, segundo Wilma Melo.
"São quase as mesmas situações encontradas nas outras unidades prisionais. Já houve fugas, por exemplo. Há problemas estruturais também. Lá, presos dormem em treliches, que são muito altos e com formatos que não estão previstos no sistema prisional. Houve um caso, inclusive, de um preso que caiu e foi parar numa cadeira de rodas. A unidade também não conta com ambulância", conta.
"Outro problema é que os familiares dos presos não têm acesso à unidade, porque lá não chega ônibus. É um presídio punitivo para o preso e também para os seus parentes", relata.
FALTA DE HIGIENE NOS PRESÍDIOS DE PERNAMBUCO
Na visita feita pelos membros do CNJ a Pernambuco, na segunda semana de agosto, várias entidades e estudiosos que acompanham a situação dos presídios no Estado foram ouvidos. A professora da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e pesquisadora do Grupo Asa Branca Marília Montenegro expôs a situação de racionamento de água.
Segundo ela, a questão começou a atrair a atenção do grupo em 2020, antes do início da pandemia da covid-19, durante pesquisa nacional com presos, familiares e atores do sistema.
Os pesquisadores notaram que os presos não têm acesso regular à água, que em alguns estabelecimentos esse acesso é de apenas 30 minutos e há registro de inúmeros casos de diarreia. Diante disso, a água começou a fazer parte da lista de principais itens que os familiares passaram a levar para seus parentes na prisão.
A necessidade mínima de higiene pessoal nas unidades foi o ponto destacado pelo integrante da Pastoral Carcerária Severino Queiroz. Ele citou casos como o do Presídio Igarassu que, com 810 vagas, abriga 4.100 detentos.
"Teve o caso de um preso que pediu para a pastoral levar pasta de dente. Ele nos disse que estava há sete ou oito meses sem escovar os dentes e que só passava o dedo com água na boca", relatou aos membros do CNJ.
Em outro exemplo, Severino contou o caso das mulheres presas na Colônia Penal Feminina Bom Pastor, no Recife. "Vi uma situação muito crítica e difícil de senhoras menstruadas, dormindo no chão naquela situação", relatou.
A ajuda para as detentas veio de uma campanha na Igreja Nossa Senhora das Graças, que arrecadou 200 pacotes de absorvente e que foram levados no começo do mês à unidade prisional.
O QUE DIZ O GOVERNO SOBRE OS PRESÍDIOS DE PERNAMBUCO
A coluna Ronda JC solicitou à Secretaria Executiva de Ressocialização uma entrevista. Mas a assessoria só quis se pronunciar por nota. Informou que um pacote de ações no valor de R$ 53 milhões foi lançado pelo governo de Pernambuco.
"Serão contratados, até o final deste ano, 466 novos técnicos de nível médio e superior, por meio de quatro seleções; abertas mil vagas na unidade 2 do Complexo de Itaquitinga; será concluída a licitação para mais quatro mil tornozeleiras eletrônicas; além da conclusão/andamento do processo seletivo para novos 500 policiais penais", disse.
"As medidas incluem a assinatura de um termo de cooperação para ampliar a assistência jurídica às pessoas privadas de liberdade com o reforço de mais dez defensores públicos, além da instituição da Política Estadual de Alternativas Penais, com a aplicação de sentenças diversas da privação de liberdade", informou.
Por fim, a Seres disse que está em andamento a criação de mais 3.054 vagas em presídios, mas não deu prazo de conclusão.
Comentários