COMBATE À CRIMINALIDADE

'Polícia prende, Justiça solta': entenda a polêmica das audiências de custódia

Críticas à liberdade provisória do suspeito de tentar assaltar a equipe de segurança da vice-governadora Priscila Krause trouxeram de volta a discussão sobre as decisões judiciais após prisões em flagrante

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Raphael Guerra

Publicado em 16/05/2024 às 13:41 | Atualizado em 16/05/2024 às 13:58
Notícia

Não faltaram críticas, nos últimos dias, ao mecanismo das audiências de custódia da Justiça. "Polícia prende, Justiça solta" foi uma expressão que ganhou ainda mais força entre os pernambucanos após a tentativa de assalto à equipe de segurança da vice-governadora Priscila Krause, no bairro do Parnamirim, Zona Norte do Recife. Apesar de ter sido autuado em flagrante, o suspeito, que estava com uma arma calibre 32 e teria disparado ao menos duas vezes, teve a liberdade provisória concedida por um juiz plantonista, sob o argumento de não haver risco à ordem pública. 

Faz alguns anos que autoridades da segurança pública de todo o País criticam o formato das audiências de custódias, destacando exemplos de pessoas com vasta ficha criminal que deveriam estar presas, mas que são autorizadas a permanecerem em liberdade aguardando julgamento. Porque, em alguns casos, mesmo com o benefício, elas seguem praticando crimes. 

Na última segunda-feira (13), dia seguinte à soltura do suspeito de tentar assaltar os seguranças da vice-governadora, houve a reunião semanal do Juntos pela Segurança - inclusive com a presença da governadora Raquel Lyra. E claro que o formato das audiências de custódia foi abordado, ainda que de forma sutil para não gerar embate entre os Poderes. Havia representantes do Ministério Público, Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) e Defensoria Pública Estadual.

Há uma evidente preocupação - e desconforto - das polícias com a liberdade concedida aos presos em flagrante, porque o sentimento é de que estão "enxugando gelo". E que a violência só vai diminuir no Estado se os criminosos estiverem atrás das grades. 

Um exemplo disso é outro episódio recente no Grande Recife. Na tarde do último dia 10 de maio, policiais militares do 6º Batalhão prenderam um suspeito no Conjunto Muribeca, em Jaboatão dos Guararapes. Ele portava uma submetralhadora, dez munições e um carregador de pistola, segundo indicaram os militares. Pela descrição, o homem ainda era suspeito de praticar um homicídio e teria expulsado os moradores da casa onde foi encontrado. O imóvel estaria sendo usado para outros crimes. 

PMPE/DIVULGAÇÃO
Suspeito de homicídio foi preso com submetralhadora e dez munições, em Jaboatão dos Guararapes, mas foi solto em audiência de custódia - PMPE/DIVULGAÇÃO

O suspeito foi detido, levado à Delegacia de Prazeres e autuado em flagrante. Na audiência de custódia, porém, ele teve a liberdade provisória concedida. Um dos argumentos foi de que tinha residência fixa.

No dia seguinte, o mesmo homem foi preso flagrante novamente no Conjunto Muribeca. Desta vez, estava acompanhado de outro suspeito. A dupla estava com uma pistola 9mm, sete munições e pedras de crack. Foram autuados em flagrante por porte ilegal de arma de fogo e tráfico de entorpecentes.

DEFESA ÀS AUDIÊNCIAS DE CUSTÓDIA

A gestão estadual tem evitado falar oficialmente sobre a questão das audiências de custódia para evitar um possível mal-estar com o Poder Judiciário, mas internamente o sentimento é de que os juízes deveriam ser mais rígidos na análise das prisões em flagrantes para evitar a concessão de liberdade às pessoas que põem risco à sociedade. 

Coordenador Criminal do TJPE, o desembargador Mauro Alencar defendeu o mecanismo das audiências de custódia.

"A regra geral é de que a pessoa que comete crime deve responder em liberdade. Mas cada caso é analisado. Até 2015, o flagrante feito pela Polícia Civil já era válido como prisão. O suspeito permanecia preso até que conseguisse um advogado e o juiz analisasse o pedido de liberdade. Isso poderia durar dias, semanas ou até meses. Com a criação da audiência de custódia, pelo Conselho Nacional de Justiça, isso mudou, porque a audiência é feita logo após a prisão em flagrante", pontuou, em entrevista à coluna Segurança.

"Há casos em que a pessoa é autuada em flagrante por um simples furto em um supermercado. Há medidas cautelares, como o uso de tornozeleira, que podem ser adotadas para que não haja a necessidade de o suspeito ser levado para um presídio enquanto aguarda o julgamento. Apesar das críticas, é importante dizer que aproximadamente 60% dos presos em flagrante têm as prisões convertidas em preventiva. E cerca de 40% são soltos", completou o magistrado.

Segundo Alencar, 2.915 presos em flagrante passaram por audiência de custódia em Pernambuco entre 1º de janeiro e 30 de abril. Outras 929 pessoas capturadas por força de mandados de prisão preventiva e por sentença condenatória também passaram por audiência. Os dados foram apresentados na última reunião do Juntos pela Segurança. 

"Em 2019, com o Pacote Anticrime, houve alteração no Código Penal Brasileiro. Com a mudança, o juiz não pode decretar a prisão preventiva sem que a polícia ou o Ministério Público faça a representação. Agora o juiz tem autonomia para decidir por conceder a liberdade provisória, mesmo com o Ministério Público e a polícia pedindo a prisão preventiva. Isso faz parte da subjetividade do juiz. Não é uma ciência matemática", destacou o desembargador. 

Alencar citou ainda a importância da audiência de custódia como forma de identificar se houve violência policial durante a prisão em flagrante. "Todo juiz é obrigado a perguntar ao suspeito no começo da audiência", citou.

O suspeito preso após a tentativa de assalto aos seguranças da vice-governadora afirmou, em audiência ter sofrido agressão. Ele disseque foi atingido com tiros nos pés, na mão e na perna após ter sido imobilizado pelos policiais. 

Com base no depoimento do suspeito, que alegou ter sofrido agressão física após ser preso, o juiz Aldemir Alves de Lima determinou que a agravação da audiência de custódia seja encaminhada à Corregedoria da Secretaria de Defesa Social (SDS) e à Central de Inquéritos do Ministério Público para que seja apuração a conduta dos policiais militares envolvidos no caso.

CNJ/DIVULGAÇÃO
Quase 4 mil audiências de custódia foram realizadas pela Justiça de Pernambuco no primeiro quadrimestre deste ano - CNJ/DIVULGAÇÃO

DEFENSORIA PÚBLICA DEFENDE FORMATO 

O defensor público José Wilker Neves, titular da Subdefensoria Criminal da Capital, destacou que, em geral, as prisões preventivas devem ser determinadas pela Justiça quando o autor do crime apresentar risco à sociedade. 

"As audiências são uma oportunidade de ser abreviar o tempo de análise da autuação em flagrante. Isso é feito em até 24 horas, mas antes se levava muito tempo. E o preso, que muitas vezes nem pegaria uma pena de regime fechado em caso de condenação, acabava ficando muito tempo atrás da grades à espera dessa avaliação do juiz", afirmou. 

"O ideal é que toda pessoa responda em liberdade até o julgamento. Mas é evidente que, de forma excepcional, quando há risco à sociedade e risco à prática de outros crimes, o suspeito precisa permanecer preso. Mas é preciso que haja evidências concretas, uma fundamentação. É preciso que se evite a antecipação da pena e se atente à excepcionalidade, observando-se o caso concreto", pontuou.

O defensor público reconheceu que, muitas vezes, o resultado das audiências de custódia geram críticas da sociedade.

"O que gera espanto são as decisões divergentes. Mas o juiz tem independência funcional. De fato, é preciso que exista segurança jurídica, com princípio de previsibilidade e coerência na aplicação das leis, nas audiências de custódia", disse. 

"Mais de 90% dos casos que envolvem assalto, ainda que na modalidade tentado, com grave ameaça, quando há prisão em flagrante há o encaminhamento pela prisão preventiva. Ainda não que não existam antecedentes. O caso dos seguranças da vice-governadora foi um ponto fora da curva. Geralmente não acontece (a concessão da liberdade provisória)", completou. 

Dois dias após a liberdade, o suspeito da tentativa de assalto foi preso preventivamente. O mandado foi expedido pelo juízo da 12ª Vara Criminal da Capital, após nova representação da Polícia Civil. 

O Ministério Público de Pernambuco e a Ordem dos Advogados do Brasil - Seccional Pernambuco (OAB-PE) foram procurados pela reportagem para contribuíram com a discussão sobre as audiências de custódia, mas as assessorias de comunicação de ambos não indicaram representantes. 

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