Associação denuncia sucateamento das tecnologias para perícias de crimes em Pernambuco

Entidade diz que falta estrutura no laboratório que analisa armas de fogo e projéteis. Também não há equipamento para extrair dados de celulares novos

Publicado em 09/07/2024 às 7:00

Peritos criminais estão com dificuldades para avançar em investigações de crimes por causa do sucateamento das tecnologias em Pernambuco. Segundo denúncia da Associação de Polícia Científica do Estado (Apoc-PE), o laboratório balístico do Recife está sem estrutura adequada e com equipamentos necessitando de manutenção. Além disso, ferramentas de extração de dados de celulares apreendidos estão ultrapassadas e só conseguem captar informações de aparelhos fabricados até 2018. 

A denúncia foi apresentada à coluna Segurança em resposta à reportagem que revelou a ausência de perícias nas investigações da ação de policiais militares do Batalhão de Operações Especiais (Bope) que resultou nas mortes de dois homens na comunidade do Detran, na Iputinga, Zona Oeste do Recife, em novembro do ano passado.

A reportagem mostrou críticas feitas pelo Ministério Público de Pernambuco (MPPE), em manifestação à Justiça. No relato, os promotores afirmaram, por exemplo, que foi requisitada "a conclusão de perícias tanatoscópicas realizadas nas vítimas, com exame detalhado externo e interno e fotos, inclusive em tendo havido localização e apreensão de projétil encontrado em algum dos corpos, que seja feita perícia de comparação balística em relação às arma utilizadas pelos policiais envolvidos na ocorrência". Mas a resposta não foi apresentada.

Segundo a Apoc-PE, o caso é um exemplo da "falta de investimentos e projetos destinados à produção da prova". 

"As tecnologias existentes carecem de manutenção e, em muitos casos, estão sem utilização por falta de estrutura e pessoal, como é o caso do Banco Balístico. Esta ferramenta milionária está presente em Caruaru (no Agreste), onde nunca foi utilizada, e no Recife, onde encontra-se parada pela falta de estrutura do laboratório, pessoal e manutenção de equipamentos", denunciou a entidade.

Os laboratórios balísticos analisam armas de fogo e projéteis apreendidos pela polícia. 

O MPPE afirmou, ainda em manifestação à Justiça, que não foram realizadas perícias nos celulares dos policiais militares do Bope após as mortes. A Apoc-PE confirmou a informação. 

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"De fato, não foi recebida a requisição solicitando perícia nos celulares pela autoridade competente. Contudo, os equipamentos atualmente disponíveis nos laboratórios de informática forense de Pernambuco não são capazes de extrair dados de celulares de modelos posteriores a 2018, o que prejudica a grande maioria dos casos onde a perícia de informática se faz necessária, e este fato já foi reportado e reforçado inúmeras vezes", disse a entidade. 

O MPPE também pontuou que não foram realizados exames residuográficos nas mãos das vítimas para identificar se elas teriam usado armas de fogo - que poderia confirmar ou não a hipótese de legítima defesa alegada pelos policiais do Bope. 

A associação argumentou que, em 2021, uma recomendação técnica emitida conjuntamente por 23 estados da federação, sugeriu a suspensão da análise de resíduos coletados em mãos, face e vestes por exame residuográfico, "pois este exame não prova ou subsidia de forma inequívoca a realização de disparo de armas de fogo".

"A recomendação é a utilização da técnica de Microscopia Eletrônica de Varredura acoplada à Análise de Raios-X por Espectroscopia de Energia em Dispersão (MEV/EDS) como a mais adequada, já que analisa tanto a composição química quanto a morfologia, apresentando uma especificidade muito mais apurada para resíduos de arma de fogo. A plataforma já foi solicitada e repetidamente ratificada desde 2020, também nos pedidos do Fundo Nacional de Segurança Pública ao Estado de Pernambuco, porém não foi adquirida até o momento", disse a Apoc-PE. 

O QUE DIZ A SDS?

Em nota, a assessoria da Secretaria de Defesa Social (SDS) reconheceu que houve redução das atividades realizadas no laboratório de balística, mas negou a crítica de falta de manutenção. E também que a unidade de Caruaru esteja sem funcionar.

"A SDS informa que, visando o aperfeiçoamento dos serviços oferecidos à população, foi realizada uma reforma no prédio do Instituto de Criminalística (IC), no Recife. Por este motivo, algumas atividades de balística foram reduzidas temporariamente, mas já estão sendo retomadas. Ainda em relação à balística do Recife, todos os equipamentos são novos e não apresentam nenhum problema de manutenção. E, em Caruaru, a ferramenta do banco balístico está em funcionamento", argumentou a SDS.

Sobre a falta de tecnologia adequada para extração de dados de celulares mais novos, a pasta estadual informou que "os laboratórios de informática forense vão contar com a aquisição de sistemas mais modernos, o que está previsto para acontecer no próximo mês de agosto".

"O objetivo é a realização de uma extração e análise de dados mais avançada", completou a nota. 

POLICIAIS SÃO RÉUS PELAS MORTES NO DETRAN

Seis PMs do Bope, presos preventivamente, são réus por homicídio qualificado (sem chance de defesa das vítimas). A Justiça ainda não agendou a audiência de instrução e julgamento do caso.

Uma câmera de segurança foi fundamental para as investigações. O equipamento filmou o momento em que os policiais invadiram a residência onde estavam Bruno Henrique Vicente da Silva, de 28 anos, e Rhaldney Fernandes da Silva Caluete, 32. Em depoimento, testemunhas contaram que os PMs obrigaram as mulheres e crianças a saírem do local. Os tiros foram ouvidos em seguida. Por fim, os corpos dos dois homens foram retirados enrolados em lençóis.

Logo após as mortes, nove militares do Bope se apresentaram na sede do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), no bairro do Cordeiro, e relataram que os homens foram mortos porque teriam reagido à abordagem.

Mas, após as investigações, o MPPE denunciou seis PMs que entraram no imóvel e teriam atirado nas vítimas. Pontuou ainda que os militares teriam alterado a cena do crime para dificultar o trabalho dos investigadores. Além disso, teriam forjado socorro às vítimas, que já estavam mortas - como atestaram os médicos de plantão na UPA da Caxangá.

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