Mortes em ações da polícia têm pouca transparência, diz representante da ONU

Segundo estatísticas do Ministério da Justiça e Segurança Pública, 2.445 pessoas foram mortas em ações policiais entre janeiro e maio deste ano

Publicado em 13/07/2024 às 8:57

A falta de transparência e investigação das mortes decorrentes de ações da polícia no Brasil foi criticada pelo representante regional para o Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas (ONU) para os Direitos Humanos, Jan Jarab. Ele afirmou que há tendência a "pouca transparência" nos casos de letalidade policial no país.

"Embora tenhamos estatísticas sobre letalidade policial, há uma falta de investigação adequada de cada uma dessas mortes com o uso do Protocolo de Minnesota. É, portanto, impossível distinguir as mortes em legítima defesa de policiais daquelas atribuíveis ao uso desnecessário ou excessivo da força", afirmou Jarab ao participar de audiência organizada pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, vinculada à Organização dos Estados Americanos (OEA).

Segundo estatísticas do Ministério da Justiça e Segurança Pública, 2.445 pessoas foram mortas em ações policiais entre janeiro e maio deste ano. O Estado da Bahia lidera em número de óbitos: 726. São Paulo aparece em segundo lugar, com 263 registros. 

No encontro, realizado na tarde dessa sexta-feira (12), foram ouvidas denúncias levadas por movimentos sociais sobre a atuação das forças policiais brasileiras. O representante da ONU também apresentou um resumo das análises da ONU e um balanço das ações governamentais sobre o problema. Representantes do governo federal, do Judiciário e do Ministério Público puderam expor as medidas feitas em diferentes áreas.

O Protocolo de Minnesota, citado por Jarab, é um conjunto e diretrizes estabelecidas pela ONU para investigação de homicídios de forma a combater execuções extrajudiciais.

Operações Escudo e Verão

As operações Escudo (2023) e Verão (2024) realizadas pela Polícia Militar de São Paulo foram citadas pelo representante das Nações Unidas como exemplos de falta de transparência. Ambas ações foram lançadas na Baixada Santista, no litoral paulista. "A Operação Escudo e a Operação Verão, em fevereiro e março de 2024, resultaram em 28 e 56 mortes, respectivamente, com transparência insuficiente", destacou Jarab.

A integrante do movimento Mães de Maio Débora Maria da Silva acusou a polícia de não só ter feito execuções, mas também de ter torturado algumas das vítimas. "O governador do estado [Tarcísio de Freitas] decidiu retomar a operação e matar os meninos com requintes de crueldade, com tortura, arrancando pele das vítimas e escapelando com canivetes", afirmou sobre a Operação Verão.

Para Débora, o governo  tenta apresentar as ações como um esforço para a melhora da segurança pública na região, mas tem apenas causado sofrimento à população mais pobre. "A gente sabe que o real objetivo era o massacre da pobreza. O que está acontecendo na Baixada Santista precisa de uma resposta imediata, porque não é possível que seja feita campanha eleitoral em cima de corpos negros", acrescentou.

No Rio de Janeiro, a integrante do Movimento Mães da Baixada, Nívia Raposo, protestou contra os impactos que as operações policiais nas comunidades causam na vida dos moradores.

"Em regiões onde operações acontecem, moradores como nós, que ficamos presos no meio de operações policiais, sem poder retornar às nossas casas ou preocupados com nossos filhos, sofremos um impacto severo na saúde mental, passando por estresse pós-traumático, ansiedade, depressão e, por vezes, inclusive, pensamentos suicidas", disse.

Desaparecimentos forçados

Rute Silva, que faz parte da rede Mães de Maio na Bahia, afirmou que o filho, Davi Fiuza, foi morto por agentes do Estado, mas seu corpo foi ocultado, configurando um desaparecimento forçado. "Eu tive meu direito de enterrar o meu filho retirado, eu fui ameaçada, perseguida durante a minha luta por justiça, eu nunca vi a justiça acontecer, e tudo isso por agentes do Estado brasileiro", denunciou.

Jan Jarab disse que não há notificação dos casos de desaparecimentos forçados no país devido à falta de previsão legal.

"Em 2021, na inspeção pelo Comitê sobre Desaparecimentos Forçados, o então governo brasileiro apresentou a tese de que não há desaparecimentos forçados no país. E não há porque o crime não foi tipificado e, portanto, não aparece nas estatísticas, embora a criminalização [desse tipo de ação] seja uma obrigação sob a Convenção contra os Desaparecimentos Forçados. No entanto, os testemunhos das famílias das vítimas de bairros marginalizados das grandes cidades nos dizem o contrário", declarou.

A diretora executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Samira Bueno, afirmou que o controle externo da atividade policial, exercido pelo Ministério Público, tem sido "pouco eficiente" para conter os abusos.

"Uma análise do processamento de inquéritos criminais sobre homicídios cometidos por policiais mostrou que, em São Paulo e no Rio de Janeiro, nove em cada dez casos são arquivados. Não é possível que operações policiais letais sigam sendo a política de Estado aplicada aos jovens negros neste país", disse.

Em Pernambuco, 120 mortes decorrentes de ações da polícia foram registradas em 2023. Houve um aumento de 30,43% em relação ao mesmo período do ano anterior, quando foram somados 92 óbitos. 

Uma das ações violentas foi a morte de dois homens na comunidade do Detran, na Iputinga, Zona Oeste do Recife, em novembro de 2023. Na ocasião, seis policiais militares do Batalhão de Operações Especiais (Bope) invadiram a casa onde as vítimas estavam e atiraram nelas, após ordenarem que as mulheres e crianças deixassem o local.

Com falhas no inquérito, a Polícia Civil concluiu as investigações afirmando que houve legítima defesa por parte dos PMs. Mas o Ministério Público de Pernambuco não concordou com o resultado, e os seis militares foram denunciados por homicídio qualificado. Atualmente, estão presos preventivamente aguardando julgamento. 

Governos

O coordenador do Sistema Único de Segurança Pública, Márcio Júlio da Silva Matos, destacou a portaria do Ministério da Justiça que regulamentou o uso de câmeras corporais pelas forças policiais, "estabelecendo normas técnicas para utilização e para aquisição desses equipamentos pelas polícias estaduais, municipais e também pelas polícias federais", disse.

A Secretaria de Segurança Publica do Rio de Janeiro afirmou que "divulga, de forma transparente, os dados de morte por intervenção de agente do Estado" junto com outros crimes. As informações são disponibilizadas mensalmente, em formato de dados abertos e painel que possibilita saber o perfil das vítimas e o meio empregado.

A Secretaria da Segurança Pública da Bahia afirmou, por nota, que "em 2023, a Polícia Civil contabilizou o menor número de mortes violentas dos últimos sete anos". "Na comparação com 2022, a redução das ocorrências de homicídio, latrocínio e lesão dolosa seguida de morte foi de 6%", informou.

Também em nota, a Secretaria da Segurança Pública de São Paulo destacou que "todas as ocorrências são rigorosamente investigadas pelas polícias Civil e Militar, com o acompanhamento das respectivas corregedorias, Ministério Público e Poder Judiciário".

*Com informações da Agência Brasil

Tags

Autor