OAB-PE critica edital de câmeras para detectar 'vadiagem' nas ruas de Pernambuco

Presidente da entidade reforçou que termo gera preocupação pelo risco da reprodução de "práticas discriminatórias". Equipamentos seguem em licitação

Publicado em 15/07/2024 às 11:27 | Atualizado em 15/07/2024 às 11:29

O polêmico edital do governo de Pernambuco para instalação de 2 mil câmeras nas principais ruas e avenidas continua sendo criticado por entidades, porque prevê o uso de softwares com "detecção de vadiagem". Desta vez, a Ordem dos Advogados do Brasil - seccional Pernambuco (OAB-PE) fez um posicionamento duro e reforçou que o uso da expressão, publicada em edital, gera preocupação pelo risco de serem perpetuadas "práticas discriminatórias".

"O uso de tecnologias de videomonitoramento para a segurança pública deve ser sempre pautado por princípios éticos e legais que assegurem os direitos fundamentais dos cidadãos e das cidadãs. O uso do termo 'vadiagem' suscita preocupações sérias sobre a potencial violação de direitos humanos e a perpetuação de práticas discriminatórias", afirmou o presidente da OAB-PE, Fernando Ribeiro Lins. 

"É imprescindível que qualquer medida de segurança pública seja pensada de modo a não reforçar estigmas sociais, especialmente contra populações vulneráveis. É importante que sempre haja uma revisão criteriosa de textos como o do edital em questão, ouvindo uma série de atores, para que o seu conteúdo final seja sempre democrático, garantindo o respeito e a dignidade de todos os pernambucanos", completou. 

No termo de referência, o governo de Pernambuco indica que pretende adquirir a licença de 598 unidades do analítico de imagem com detecção de "vadiagem". A tecnologia promete a análise e detecta de forma automatizada situações consideradas suspeitas ou evento apontados como fora do padrão de comportamento.

Em 2022, a Prefeitura de São Paulo publicou edital semelhante, inclusive com reconhecimento de pessoas pela cor da pele, mas voltou atrás após pressão popular. O governo de Pernambuco, por enquanto, manteve o edital sem retificação. 

"RISCO ÀS EXPRESSÕES CULTURAIS"

O coordenador do Instituto do Pesquisa em Direito e Tecnologia do Recife (IP.rec), Pedro Amaral, pontuou que o uso do termo "vadiagem", como descrito no edital do governo de Pernambuco, põe em risco expressões culturais, artísticas e até religiosas.

"A 'vadiagem' foi usada para perseguir expressões culturais da população negra, como a capoeira, o samba e o próprio frevo. Pensando num paralelo atual, podemos pensar como isso traz riscos para o nosso Carnaval de rua e para expressões como o brega funk e o hip hop, mas também para as religiões de matriz africana, todas essas que já são perseguidas no Brasil atual", disse.

O pesquisador destacou ainda que o uso dessa tecnologia pode resultar na "criminalização da pobreza e da vulnerabilidade social".

"Respectivamente, me refiro aos riscos de penalização da população de rua e dependentes químicos. Num contexto de parcas políticas de cuidado com essas populações, Pernambuco corre o risco de imitar as políticas violentas que têm sido praticadas em São Paulo", alertou.

A vadiagem está prevista no artigo 59 da Lei de Contravenções Penais, desde 1941. É imputada à pessoa que se entrega "habitualmente à ociosidade, sendo válido para o trabalho, sem ter renda que lhe assegure meios bastantes de subsistência" ou que mantém a "própria subsistência mediante ocupação ilícita".

A pena varia de 15 dias a três meses de prisão. Apesar disso, na prática, é considerada inaplicável por causa das garantias previstas na Constituição de 1988.

SDS DIZ QUE CÂMERA É APENAS "INDICATIVO" QUE VAI AUXILIAR POLÍCIA

Em nota, na semana passada, a assessoria da Secretaria de Defesa Social (SDS), argumentou que a prática de "vadiagem", descrita no edital, refere-se a um recurso chamado "loitering", termo em inglês que também pode ser traduzido como "perambulação". 

"Alguns criminosos têm como 'modus operandi' estudar o local e ficar 'perambulando' pela rua onde, por exemplo, vão praticar um assalto — e essas atitudes consideradas suspeitas também são estudadas pelos policiais", disse a pasta estadual.

"O 'loitering' é usado ainda para identificar situações incomuns que podem gerar um alerta para a inteligência. Assim como acontece com as câmeras de reconhecimento facial, que se baseiam em fotos de foragidos, a tecnologia é apenas um 'indicativo' que auxilia as forças de segurança e 'jamais' funciona como veredito ou substitutivo da atuação das polícias", finalizou a nota. 

ESTADO ESTÁ SEM CÂMERAS DESDE DEZEMBRO 

Desde 1º de dezembro de 2023, as 358 câmeras de videomonitoramento da SDS foram desativadas das ruas de Pernambuco. 

A decisão foi tomada após o Tribunal de Contas do Estado (TCE) cobrar, em fevereiro do mesmo ano, a realização de uma nova licitação, já que, desde agosto de 2020, no governo Paulo Câmara, contratos vinham sendo "renovados" por meio de Termo de Ajuste de Contas (TAC) - o que não é o ideal.

A promessa inicial era de que a nova licitação seria publicada ainda em dezembro, mas sofreu adiamentos, sob o argumento de que apenas uma empresa havia demonstrado interesse e que o edital precisava de ajustes.

Finalmente, em 19 de junho deste ano, o edital da prestação de serviço para instalação de 2 mil novas câmeras foi publicado. O investimento, em cinco anos, é avaliado em mais de R$ 216 milhões. Os equipamentos, agora, serão digitais e com inteligência artificial. 

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