Edital do governo de Pernambuco prevê câmeras para detectar 'vadiagem'
Uso da tecnologia é alvo de críticas, que apontam para possibilidade de racismo. Em 2022, Prefeitura de São Paulo mudou edital semelhante após pressão
O edital do governo de Pernambuco para contratação da empresa que vai instalar 2 mil câmeras de videomonitoramento nas ruas e avenidas com maior incidência de crimes está sendo alvo de críticas, porque prevê a instalação de softwares com detecção de "vadiagem".
O alerta foi feito pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC), do Rio de Janeiro. "O uso desse analítico abre brechas para a perseguição de grupos minorizados. Historicamente, a população negra foi associada ao termo 'vadiagem' como forma de perpetuar o controle e segregação sobre esses corpos, inclusive após a pseudoabolição da escravatura com a criação da Lei da Vadiagem", pontuou a instituição, em publicação nas redes sociais.
No termo de referência, o governo de Pernambuco indica que pretende adquirir a licença de 598 unidades do analítico de imagem com detecção de "vadiagem". A tecnologia promete a análise e detecta de forma automatizada situações consideradas suspeitas ou evento apontados como fora do padrão de comportamento.
Em 2022, a Prefeitura de São Paulo publicou edital semelhante, inclusive com reconhecimento de pessoas pela cor da pele, mas voltou atrás após pressão popular.
A vadiagem está prevista no artigo 59 da Lei de Contravenções Penais. É imputada à pessoa que se entrega "habitualmente à ociosidade, sendo válido para o trabalho, sem ter renda que lhe assegure meios bastantes de subsistência" ou que mantém a "própria subsistência mediante ocupação ilícita". A pena varia de 15 dias a três meses de prisão.
Doutor em ciência política e coordenador do CESeC, Pablo Nunes destacou que, desde 2019, houve um avanço no uso de tecnologias de análise de imagens pelas polícias no País como forma de tentar prever e evitar crimes de conveniência, como os roubos e furtos. Mas reforçou que é preciso discutir os efeitos negativos que são provocados, principalmente contra a população negra.
"A gente sabe o quanto que a vadiagem foi utilizada como uma categoria jurídica para perseguir pessoas escravizadas recém-libertas no cenário do Brasil do século 19. E essa mentalidade segue sendo utilizada para direcionar o aparelho estatal de repressão para determinadas populações. Quando a gente vê novamente o termo vadiagem sendo utilizado nesse projeto de segurança pública nos relembra exatamente desse passado que se faz muito presente, cotidianamente. Essas tecnologias, no fim das contas, têm produzido mais do mesmo. E muita das vezes aprofundando problemas sociais que a gente já conhece muito bem", avaliou Pablo Nunes, doutor em ciência política e coordenador do CESeC.
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"É um indicador muito grave de que o Estado (de Pernambuco) tem a ideia de avançar nessas tecnologias sem discutir os principais problemas. O uso na segurança pública produz efeitos negativos de maneira muito mais frequente para a população negra do que para a população branca. Infelizmente, Pernambuco está indo em direção ao atraso, e não a direção ao avanço", completou.
SDS SE POSICIONA SOBRE CRÍTICAS
Na noite desta segunda-feira (8), a assessoria da Secretaria de Defesa Social (SDS) decidiu se pronunciar sobre as críticas. Em nota, enviada à coluna, a pasta argumentou que "assim como acontece com as câmeras de reconhecimento facial que se baseiam em fotos de foragidos, a tecnologia é apenas um indicativo que auxilia as forças policiais, jamais funciona como veredito ou substitutivo da atuação das polícias".
A tecnologia de reconhecimento facial começou a ser usada no Estado, pontualmente, a partir do Carnaval, mesmo com críticas de especialistas que destacaram a possibilidade de racismo e as prisões injustas ocorridas pelo País nos últimos anos.
ESTADO ESTÁ SEM CÂMERAS DESDE DEZEMBRO
Desde 1º de dezembro de 2023, as 358 câmeras de videomonitoramento da SDS foram desativadas das ruas de Pernambuco.
A decisão foi tomada após o Tribunal de Contas do Estado (TCE) cobrar, em fevereiro do mesmo ano, a realização de uma nova licitação, já que, desde agosto de 2020, no governo Paulo Câmara, contratos vinham sendo "renovados" por meio de Termo de Ajuste de Contas (TAC) - o que não é o ideal.
A promessa inicial era de que a nova licitação seria publicada ainda em dezembro, mas sofreu adiamentos, sob o argumento de que apenas uma empresa havia demonstrado interesse e que o edital precisava de ajustes.
Finalmente, em 19 de junho deste ano, o edital da prestação de serviço para instalação de 2 mil novas câmeras foi publicado. O investimento, em cinco anos, é avaliado em mais de R$ 216 milhões. Os equipamentos, agora, serão digitais e com inteligência artificial.