Caso Betinho: Após 9 anos, polícia diz que namorado matou professor no Recife

Nova investigação foi realizada a pedido da Justiça, após absolvição de alunos do Colégio Agnes, onde vítima trabalhava. Acusado está em liberdade

Publicado em 18/11/2024 às 10:34 | Atualizado em 18/11/2024 às 10:38
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Após mais de nove anos, uma nova investigação da Polícia Civil de Pernambuco trouxe uma reviravolta no esclarecimento do assassinato do professor e coordenador pedagógico José Bernardino da Silva Filho, o Betinho, de 49 anos. O inquérito apontou que o namorado foi o autor do crime, ocorrido no apartamento da vítima, no Edifício Módulo, localizado no bairro da Boa Vista, área central do Recife. 

A investigação indicou que Raphael Gouveia Thorpe, 30, matou o professor Betinho depois que os dois beberam cervejas e assistiram filmes pornôs no quarto da vítima. Cuecas foram encontradas no local, indicando que eles podem ter tido relações sexuais pouco antes. 

A reabertura do inquérito foi determinada pela Justiça em 2019, após a absolvição de dois alunos do Colégio Agnes, onde Betinho trabalhava. Os estudantes foram considerados suspeitos depois que uma perícia do Instituto de Identificação Tavares Buril (IITB) indicar que impressões digitais deles haviam sido encontradas na cena do crime, ocorrido em  16 de maio de 2015. 

Posteriormente, duas perícias - uma da Polícia Federal e outra do Instituto de Criminalística - apontaram que as digitais não eram da dupla. Numa revisão, os peritos papiloscopistas do laudo inicial reconheceram o erro.

O novo inquérito, conduzido pelo delegado Rodrigo Lobo, do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), durou quase cinco anos para ser concluído - sob total sigilo. O Ministério Público de Pernambuco (MPPE) analisou as provas e decidiu denunciar Raphael por homicídio duplamente qualificado (emprego de tortura e mediante recurso que dificultou a defesa da vítima). 

A coluna Segurança teve acesso com exclusividade à íntegra da denúncia, que foi aceita pela 1ª Vara do Tribunal do Júri Capital no mês passado. Agora na condição de réu, a Justiça deu um prazo para que Raphael apresente a defesa prévia. Ele está em liberdade. 

Na denúncia, a promotora de Justiça Érica Lopes de Almeida afirma que Raphael matou o professor Betinho com pancadas na cabeça usando um ferro de passar roupas. Além disso, usou o cabo de energia do eletrodoméstico para estrangulá-lo. 

A coluna não conseguiu contato com Raphael, nem com a defesa dele. O espaço está aberto. 

MPPE DETALHA MORTE DE BETINHO E FUGA

De acordo com o MPPE, Raphael era garoto de programa e namorado do professor Betinho. "Os pagamentos dos encontros eram feitos com drogas, que passaram a consumir juntos", apontou a denúncia.

"(No dia do crime) o denunciado teve novo encontro com a vítima, no apartamento dela, ocasião que após os dois ficarem no sofá da sala, onde foram encontradas duas cuecas usadas, o denunciado levou a vítima para o quarto dela, onde praticou a ação homicida", descreveu a promotora, no documento. 

"No quarto, o denunciado, agindo de forma fria e de extrema violência, deitou a vítima em um colchão que estava ao chão do quarto e, antes que a vítima fosse a óbito, o denunciado lhe torturou, tendo amarrado seus tornozelos com o cabo de energia de um ventilador e estrangulando-a (amarrando o pescoço e puxando) com o cabo de energia do ferro de passar roupa que, por sua vez, foi o instrumento utilizado para golpear sua cabeça, causando-lhe traumatismo cranioencefálico, que foi a causa da morte da vítima", complementou.

Segundo a investigação, Raphael fugiu rapidamente do local do crime. 

"(Ele) abriu o cadeado para trancar a grade da porta de entrada do apartamento com as próprias chaves da vítima, tendo ao sair do apartamento trancado a grade com o cadeado novamente. Logo em seguida, se evadiu do local descendo as escadas do prédio, se desfazendo do molho de chaves, presas por meio de um chaveiro contendo a letra 'B', jogando-o dentro da lixeira localizada no quarto andar do edifício", pontuou a denúncia.

Como Raphael trancou apenas a grade do apartamento, esquecendo de fechar a porta de entrada, que permaneceu batendo, o barulho chamou a atenção de moradores.

No dia seguinte ao crime, Raphael voltou ao local sob o argumento de que estava procurando a vítima. O barulho da tentativa de arrombar o apartamento chamou a atenção de um morador e parente do síndico, que foi ao local ajudar. 

A denúncia indicou que, ainda no corredor do apartamento, Raphael teria dito a esse vizinho que Betinho estava morto. Em depoimento, o vizinho, cujo nome será preservado, afirmou que daquele ponto onde o acusado estava não era possível confirmar o óbito, já que "e estava de noite, a luz do quarto estava apagada e a porta do quarto entreaberta".

A testemunha contou à polícia que "que teve que entrar no quarto para sentir o cheiro, pois até então não tinha sentido no corredor, conforme Raphael tinha dito". 

A polícia foi acionada pelos vizinhos, mas Raphael deixou o local antes da chegada dos investigadores.

NAMORO E DROGAS EM TROCA DE SEXO

Na denúncia, a promotora descreveu que o acusado conhecia o professor Betinho havia cerca de quatro anos e que frequentava o apartamento dele, onde mantinha relações sexuais mediante o pagamento em dinheiro. 

"Cerca de cinco meses antes do homicídio, a vítima começou a fumar crack, subproduto da cocaína, e se reunia com Raphael em seu apartamento para ambos usarem a droga. No decorrer das investigações foi realizado exame toxicológico no cadáver, tendo o resultado apontado positivo para a presença de cocaína. (...) Inclusive, foram encontradas três pedras de 'crack' no apartamento", pontuou a denúncia aceita pela Justiça.

A promotora afirmou ainda que, após o crime, os investigadores encontraram duas cuecas no sofá no apartamento de Betinho.

"No quarto, a vítima vestia apenas uma camiseta. É importante destacar que o denunciado era o único com quem a vítima se relacionava, bem assim como era apenas com o denunciado que a vítima consumia drogas."

ERRO EM LAUDO TIROU RAPHAEL DO FOCO DA INVESTIGAÇÃO 

Raphael Thorpe chegou a ser investigado e era considerado o principal suspeito no primeiro inquérito conduzido pelo delegado Alfredo Jorge, do DHPP. Mas o erro no laudo das impressões digitais tirou ele do foco da investigação.

Na época, o delegado indiciou um estudante de 19 anos e outro de 17, sob o argumento de que digitais deles foram encontrados no ferro de passar e na porta de um armário. Uma possível motivação para o homicídio não foi indicada. 

Somente com a realização dos outros dois laudos, os peritos federais e do Instituto de Criminalística do Estado indicaram que os únicos fragmentos papiloscópicos no local do crime eram de Betinho e de Raphael, descartando a possibilidade de alunos do Colégio Agnes terem sido autores do homicídio.

Com a comprovação do erro, a Justiça determinou a absolvição sumária dos estudantes. 

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