Ministério Público recomenda curso de reciclagem e uso de câmeras corporais em todas as operações da Polícia Militar de São Paulo
PM paulista matou 496 pessoas de janeiro a setembro, o maior número desde 2020, de acordo com dados divulgados pela Secretaria da Segurança Pública
O Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP) recomendou na terça-feira, 3, que o comandante-geral da Polícia Militar, coronel Cássio Araújo de Freitas, determine que os integrantes da corporação apliquem integralmente os protocolos operacionais durante abordagens e que "seja realizada eventual atualização necessária nos procedimentos operacionais e das normativas existentes".
Em outro documento, recomendou ainda o uso de câmeras corporais em todas as operações policiais, implementando mecanismos eficazes para isso. Como mostrou o Estadão, um novo modelo do programa de bodycams, sem gravação ininterrupta, será implementado a partir deste mês. Procurada para comentar a recomendação do Ministério Público, a Polícia Militar do Estado de São Paulo ainda não se manifestou.
As recomendações do MP ocorrem após uma série de ocorrências ter colocado em xeque a atuação da PM paulista, como as mortes de uma criança de 4 anos em uma ação em Santos, no litoral paulista, e de um estudante de Medicina na Vila Mariana, zona sul paulistana.
Nesta segunda-feira, 2, um agente arremessou um homem do alto de uma ponte na região de Cidade Ademar, também na zona sul. Procurador-geral de Justiça do Estado, Paulo Sergio de Oliveira e Costa considerou as imagens do caso como "estarrecedoras e inadmissíveis".
Questionado sobre a violência policial, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), afirmou nesta quarta-feira que não vai demitir o secretário da Segurança Pública do Estado, Guilherme Derrite. "Olha os índices (da segurança pública)", disse o chefe do Executivo paulista.
O Estado tem registrado queda de indicadores como roubos e furtos neste ano, mas a PM matou 496 pessoas de janeiro a setembro, como mostrou o Estadão. Trata-se do maior número desde 2020, de acordo com os dados oficiais divulgados pela Secretaria da Segurança Pública.
As recomendações desta terça foram expedidas pelo Ministério Público por intermédio do Grupo de Atuação Especial de Segurança Pública e Controle Externo da Atividade Policial (Gaesp).
Em uma delas, o órgão pede que, no prazo de dez dias, o comando da PM determine, com mensagem enviada para a tropa, que os integrantes da corporação "apliquem integralmente e com eficiência os procedimentos operacionais e as normativas existentes sobre abordagens policiais, visando a redução dos casos de erros, abusos e, por consequência, de letalidade policial durante tais intercorrências".
No mesmo documento, os promotores de Justiça recomendam que o comandante "determine que seja realizada eventual atualização necessária nos procedimentos operacionais e das normativas existentes sobre abordagens policiais". Em entrevista à GloboNews, o coronel Cassio Araújo de Freitas chegou a dizer que, em mais de três décadas de serviço, nunca tinha visto uma cena tão chocante quanto o caso do homem arremessado da ponte.
O órgão pede também que a PM considere a implementação de cursos de reciclagem para a tropa. Especialistas em segurança pública questionaram a não utilização de equipamentos não letais, como tasers, em ações recentes, como a do estudante de Medicina morto na entrada de um hotel na Vila Mariana. Para elaborar a recomendação, o Gaesp levou em conta, além dos episódios recentes, o número de mortes decorrentes de intervenção policial
Em entrevista ao Estadão, o coronel Emerson Massera, porta-voz da Polícia Militar de São Paulo, afirmou que a corporação tem buscado adotar medidas para encontrar alternativas menos letais. "O comando está criando uma espécie de programa de redução de danos colaterais, porque é o que nós observamos nessas ocorrências, para estudar procedimentos e alternativas, talvez até com treinamentos mais específicos em alguns momentos e alternativas ao uso da força", disse Massera.
Câmeras corporais em todas as operações
Em outra recomendação, também encaminhada ao comando da Polícia Militar nesta terça, o MP pede à corporação a utilização de câmeras corporais em todas as operações policiais, implementando "mecanismos eficazes de fiscalização para garantir o cumprimento da obrigação de uso de câmeras corporais e sua ativação no momento determinado".
Em nota divulgada à imprensa, o Ministério Público informou que, além das duas recomendações, o Gaesp abriu investigação para apurar o caso em que um policial do 24º Batalhão de Polícia Militar, de Diadema, arremessa um homem de uma ponte na região de Cidade Ademar, na zona sul.
"Os promotores oficiaram à Polícia Civil para que, em 24 horas, encaminhe cópia do boletim de ocorrência dos fatos e das requisições de todas as perícias solicitadas. À Corregedoria da Polícia Militar, requisitaram que se informe, em cinco dias, sobre a instauração do Inquérito Policial Militar (IPM) e sobre o afastamento dos envolvidos", afirma a nota.
O caso, porém, só foi registrado internamente pela própria Polícia Militar. Segundo a corporação, os agentes fizeram o registro no sistema operacional da polícia de uma perseguição de um homem considerado suspeito, mas sem mencionar qualquer arremesso de viaduto.
O arremesso ocorreu após os policiais não encontrarem nenhuma irregularidade ao abordar dois homens em uma moto (uma das hipóteses é que o ato tenha ocorrido como forma de represália). Um IPM foi instaurado e ao menos 13 agentes foram afastados das atividades operacionais.