COLUNA TECNOLOGIA E INOVAÇÃO

Por que os tratores autônomos são risco para o Brasil e para os trabalhadores

O fabricante John Deere surpreendeu o mundo ao lançar um trator que pode arar campos, evitar obstáculos e plantar praticamente sem qualquer intervenção humana

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Guilherme Ravache

Publicado em 11/01/2022 às 6:34
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O fabricante John Deere surpreendeu o mundo ao lançar o 8R, um trator que pode arar campos, evitar obstáculos e plantar praticamente sem qualquer intervenção humana.

O agricultor também não precisa estar perto da máquina para operá-la, pois há um aplicativo de smartphone que controla tudo. O trator estará à venda a partir do final deste ano.

De longe ele parece como qualquer outro trator não fosse por seis pares de câmeras estéreo que usam inteligência artificial para escanear os arredores e manobrar o veículo evitando obstáculos.

A fabricante diz ainda que o kit de automação em breve estará disponível para outros de seus veículos. A Deere é uma das mais populares fabricantes de tratores e equipamentos agrícolas do mundo. Ou seja, não se trata de uma nova empresa estranha aos agricultores, o que deve acelerar muito o processo de adoção nas fazendas.

Trabalho 24 horas por dia

Automatizar a lavoura é um grande negócio. Nos últimos anos, houve um rápido crescimento da agricultura de precisão, um conceito que usa computadores, dados, imagens de satélite e toda sorte de tecnologia para maximizar a produção das fazendas e reduzir o impacto ambiental.

Tratores autônomos, drones e sensores na fazenda enviando informações em tempo real e a todo instante são um componente crescente dessa equação.

Embora a John Deere esteja apresentando isso como um sistema autônomo, vale a pena notar que existem humanos no processo, e não apenas agricultores. Quando os algoritmos da empresa detectam algo inesperado, as imagens das câmeras são enviadas para “teleoperadores” – essencialmente um call center de terceirizados que verificarão manualmente se o obstáculo é um falso positivo ou se o problema foi resolvido. “Se for um problema real, eles acionam o agricultor por meio de um alerta em seu aplicativo móvel. O agricultor pode então visualizar as imagens e decidir se deseja traçar um novo curso ou verificar a situação pessoalmente”, afirma a The Verge

O algoritmo é treinado para saber o que são pássaros voando, por exemplo. Mas se houver um cachorro no campo,a máquina vai parar. A ideia é reduzir o número de alertas, principalmente porque essas máquinas estão trabalhando 24h por dia, sete dias por semana.

Os desafios da nova tecnologia

Mas como em toda nova tecnologia, existem diversas questões ainda sem resposta. A Deere pode até nem cobrar pelo trator ou kit e vender tudo como um serviço de assinatura, como se fosse um carro alugado ou leasing.

Mesmo que o agricultor compre o trator e se torne seu proprietário, não está claro quem realmente possui os valiosos dados agrícolas que a máquina coleta. Os mais novos tratores John Deere são repletos de sensores e conectados à Internet.

“Quase tudo que a máquina faz é registrado e transmitido para a nuvem a partir de um transmissor de celular integrado, e a John Deere tem a capacidade de desligar remotamente muitos de seus tratores se determinar que alguém modificou seu equipamento ou perdeu um pagamento de aluguel. Muitos agricultores dizem que não podem nem consertar os tratores sozinhos, para não acionar um interruptor que desativa totalmente a máquina”, revela Adam Clark Estes, no Recorde.

“Isso significa que eles são forçados a pagar a John Deere ou suas oficinas autorizadas por suas necessidades de manutenção. Enquanto isso, a política de privacidade e dados da John Deere diz que a empresa pode compartilhar os dados sobre as atividades dos agricultores que seu software coleta com “entidades externas” em determinadas circunstâncias”, acrescenta Clark Estes.

Risco para o trabalhador

Os maiores beneficiados pela novidade serão os grandes produtores. Por possuírem as maiores propriedades, podem usar as máquinas por mais horas e reduzir o custo da operação. Além disso, os grandes produtores dispõem do capital necessário para investir na agricultura de precisão e máquinas como a da John Deere.

A John Deere ainda não revelou o valor dos kits, mas as máquinas R8 no Brasil custam mais de R$ 2,5 milhões cada. Vale lembrar que com os juros nas alturas, o financiamento no Brasil é um dos mais caros do mundo e um tremendo desafio para os produtores rurais.

A disponibilidade de terras e o clima favorável, mas também farta mão de obra, são vantagens históricas da agricultura brasileira. Mas à medida que a agricultura se torna uma operação cada vez mais tecnológica, a necessidade de maiores investimentos em formação e qualificação dos trabalhadores do campo pode colocar países desenvolvidos em vantagem frente ao Brasil.

A automação também tende a tirar o emprego dos profissionais menos qualificados da lavoura, justamente aqueles que têm menores alternativas em outras tarefas.

Existe ainda a questão do impacto dessa revolução na agricultura de pequeno e médio porte. A tendência é que a automação aumente ainda mais a pressão sobre o preço dos produtos agrícolas com o aumento da produtividade. Quanto maior a produtividade, maior a produção e a tendência de queda dos preços.

Brasil tem problema de produtividade

Hoje dois grandes problemas afetam a agricultura no Brasil. Primeiramente, a alta do dólar, que fez disparar o custo dos insumos para os agricultores. O preço dos fertilizantes disparou, mas também o custo de tratores e tecnologias como as usadas na agricultura de precisão, o que inviabiliza sua ampla adoção no Brasil.

Segundo, temos o problema da baixa produtividade brasileira. A Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) já afirmou que o problema do país não é a ampliação de áreas de cultivo, mas elevar a produtividade no espaço que já está em uso. Um problema que a agricultura de precisão poderia reduzir.
Ou seja, a automação e o aumento do uso da tecnologia são caminhos sem volta no campo. A melhor alternativa seria o governo criar políticas agrícolas eficientes para o setor e tentar saltar na liderança deste movimento, requalificando os milhares de trabalhadores que serão afetados por essa transformação.

O risco é ficarmos para trás e perdemos nossa liderança no setor agro, uma das indústrias mais relevantes do mundo e a maior exportadora do país.

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