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Naná Vasconcelos (1944/2016)

Publicado em 09/03/2016 às 12:17
Naná em Nova Iorque, 1978
FOTO: Naná em Nova Iorque, 1978
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Naná em Nova Iorque, 1978 Naná em Nova Iorque, 1978 "Senhor dos tambores", é um dos muitos epítetos equivocados dados a Naná Vasconcelos Ela era o senhor dos sons. A diferença entre Naná e tantos outros percussionistas estava na maneira com que ele explorava as possibilidades do instrumento. O berimbau em suas  mãos deixou de ser o instrumento que se usava na capoeira. O berimbau, ensinava Naná, se podia tocar, de infinitas maneiras. O mesmo para o caxixi, bateria eletrônica, ou penicos e bacias, Sua genialidade na percussão estava em preencher e colorir espaços, em entender que o silêncio também é uma espécie de som, em evitar o batuque óbvio, embora também empregasse tambores quando estes se faziam necessários. O som se propagava em Naná, que via música em tudo, Sinfonia & Batuques (2010), seu último disco solo, tem a água como principal instrumento. A maioria dos pernambucanos o conhecia da abertura do Carnaval, com os batuqueiros das nações de maracatu. Um ritual que celebrava o lado  africano da folia. Poucos assistiram a um concerto solo de percussão de Naná, ou conheciam os discos de sua extensa obra individual, os que dividiu com outros músicos, ou as centenas de participações em álbuns de terceiros. Em 1989, viajei para Nova Iorque, levando uma encomenda do jornalista Héber Fonseca para Naná. Uma sacola com vários Instrumentos de percussão inventados e fabricados por Tavares da Gaita, músico e artesão que morava em Caruaru. Nos dias de hoje, eu teria dificuldade em passar na imigração com aqueles objetos estranhos. Como explicar ao policial da alfândega o que era um quengasom? Um instrumento que Tavares da Gaita inventou, formado por duas quengas de coco coladas uma na outra e que, girando, emitiam um som eletrônico emitido por uma liga de dinheiro e arames, assemelhando-se a um teremin dos filmes de ficção científica dos anos 50. Naná nos recebeu em seu apartamento no Chelsea, onde me concedeu uma entrevista, a primeira das muitas que fiz com ele ao longo desde 27 anos. Várias vezes, a conversa era interrompida pelo tilintar do telefone. Lembro que falou com John Zorn, Jan Garbarek (contou que tinha acabado de receber recebido uma porção de ”brinquedos” da cidade dele). Depois nos unimos a Arto e Duncan Lindsay, num bar na esquina, instalado num vagão de trem (cenário do filme After Hours, de Martin Scorcese). Vale ressaltar que nesta época poucos eram os músicos brasileiros bem sucedidos no exterior, sobretudo o quanto Naná chegou a ser. Para nós ele era uma estrela distante, como Paul Simon ou B.B King, com os quais gravou.  Voltei para o hotel com alguns discos, o mais recente dele, Rain Dance com o grupo Bush Dancers, outro de Laurie Anderson, do qual havia participado, e acho que um do Aztec Camera, com quem também tocou. No ano seguinte, assisti ao seu primeiro concerto, na Sala Cecília Meireles, no Rio. Metade da plateia era formada pela nata da música brasileira, Marisa Monte, Caetano Veloso, Milton Nascimento, alguns dos que estavam no teatro naquela noite. Quando ele veio morar no Recife, aos poucos fui adquirindo sua confiança. De vez em quando me ligava, geralmente pela manhã, nem sempre para divulgar algum trabalho. Uma vez foi para ir à praia. Enquanto reformava a casa em que morava no Rosarinho, ele morou com a família em Boa Viagem. Pela manhã cedo, ele, eu Zé da Flauta, Paulinho da Macedônia, alguns amigos que fez na turma do Jornal Aquático, de segunda a sexta, passávamos umas duas horas conversando miolo de pote dentro d’água, protegido dos tubarões pelos arrecifes. Dos papos que tivemos na casa dele, um dos melhores foi em companhia do percussionista indiano Trilok Gurtu, atração da Mimo, em 2014. Feito garotos de colégios, os dois repassaram muitas histórias engraçadas acontecidas ao redor do mundo, nos festivais e concertos que fizeram. Vão fazer falta, a simplicidade, a risada franca, e o talento imenso de Juvenal de Holanda Vasconcelos. Confiram Naná Vasconcelos, ao vivo, num solo de berimbau: https://www.youtube.com/watch?v=hpGCAAw0wyo        

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