A Música de 1966 (14) - Ângela Maria cai no samba com classe

Publicado em 19/06/2016 às 22:44
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angela maria o samba red “Ângela a voz por excelência que ainda ontem fazia cru-cru-cru em onomatopaico arrulho mexicano, rasgou o mapa da mina e nos dá este LP de presente. Vamos agradecer e incentivá-la, torçamos para que os disc-jockeys gostem e mandem sua brasa mais legal, colocando os seus tijolinhos nas devidas construções. Façamos ver a Ângela Maria que vale a pena respeitar a obra prima da voz que Deus lhe deu em tarde alegre de Fla-Flu, mais Fla”. O parágrafo acima foi pinçado do texto da contracapa do LP O Samba Vem Lá de Cima (Copacabana), de 50 anos atrás. Quem o assina é o compositor Fernando César que, na verdade, em lugar de apenas elogiar os dotes canoros da Sapoti, faz-lhe uma admoestação, e diz, sem muita sutileza, que ela finalmente gravou um disco que faz justiça à sua voz. A citação ao tijolinho é uma alfinetada no iê iê iê, e o hit Tijolinho, de Bobby de Carlos, estouradissimo na época. O ano de 1966 não foi dos melhores para a cantora, envolvida em um relacionamento conturbado, que fez a festa da imprensa sensacionalista, e a levou mais de uma vez a internamentos em clínicas médicas. Seus discos além de vender menos, recebiam malhações sucessivas da crítica especializada, uma atividade que começava a ganhar espaço na imprensa brasileira. O que não era de estranhar, afinal em plena era dos festivais da MPB, no auge da Jovem Guarda, com a bossa nova consolidada e emplacando sucessos internacionais, ela continuava apegada a sambas canção, tangos e gravou naquela ano um LP inteiramente dedicado ao bolerão mexicano, considerado então o suprasumo da cafonice. Produzida por Paulo Rocco, que fez história como homem de gravadoras (seu filho, também Paulo, é o criador da Editora Rocco), Ângela Maria resolveu dar uma repaginada no estilo, e gravou seu primeiro disco de sambas. Ou melhor, com dez sambas e dois maracatus, Menina, Quem Foi Seu Mestre (do baiano Erasmo Silva, autor das antigas, parceiro de Wilson Batista), e Prece de Um Anjo de Cor (Carlos Cruz/Fernando César). Não apenas isto. Os arranjos, do maestro Renato de Oliveira são modernos, nem sempre com orquestras, vale-se mais de combos de samba jazz, como acontece em Agora Sei (Laurindo do Cabuçu/José Garcia). Ângela Maria raramente cantou assim, comedida, sem histrionismos vocais. Ainda permanecem os cacoetes da era do rádio, os erres fortes, um pouco de drama, mas o fraseado é diferente. Tampouco foi em busca de compositores da moda, num atualização forçada, como faria em discos posteriores. O samba de abertura, Fogo No Morro, em belo dueto com Monsueto (autor da música em parceria com José Batista). Uma das melhores faixas, Madrugada (Zé Keti), tem um trombone (não creditado na contracapa), e um coro, que lembra Quarteto em Cy (também não creditado). Assim como não se sabe quem toca o violão enfatizado no maracatu Menina, Quem Foi Seu Mestre. A faixa mais tocada neste LP foi Boêmio na Calçada (Rubens Campos/Waldemar Santos), lançado neste disco. A tentativa de se encaixar na nova música brasileira, em que Elis Regina era considerada a grande voz (e fã confessa da Sapoti), Ângela Maria não gravou nada do amigo e maior fornecedor musical, Adelino Moreira. Embora os sambas tenham desilusões amorosas (assim como o maracatu Menina, Quem Foi Seu Mestre), estão longe do passionalismo rasgado de alguns sucessos da cantora. João Ninguém (A.Maciel/F.Martins) tem letra com temática social. Um dos sambas que poderia ser o grande sucesso do LP, Palmas no Portão (Walter Dionísio e D'Acri Luiz), no entanto, acabou estourando com Elza Soares. O Samba Vem Lá de Cima é um dos melhores títulos da extensa discografia de Ângela Maria, classudo até na capa que, em vez de estampar o rosto da cantora, como em quase todos os seus álbuns, traz uma foto sépia de barracos de um morro, de onde grandes sambas, supostamente, desciam para o asfalto. Confiram áudio de Angela Maria em Menina, Quem Foi Seu Mestre: https://www.youtube.com/watch?v=70DGkNo2MBI

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