Renato Russo não foi apenas um compositor de canções pop bem-sucedidas. Em suas letras ele emitia manifestos, questões de ordem, cantava angústias existenciais para adolescentes e gente entrando nos 20 anos. Tornou-se uma espécie de xamã da geração dos anos 80, e continuou cultuado pelas gerações seguintes. Duas décadas depois de sua morte, versos dos hits do Legião Urbana são grafitados em muros pelo país afora, ou estampados em camisetas. Em quase toda grande cidade brasileira há uma banda cover com repertório de Russo, solo ou com a Legião Urbana.
O primeiro disco tributo a Renato Russo foi gravado por Célia Porto, cantora brasiliense, em 1997. Dois anos depois, Jerry Adriani (cuja voz tem semelhança com a de Renato Russo) lançou um disco inteiro com canções do cantor, em italiano,
Forza Sempre Sucessos da Legião Urbana em Italiano (Indie Records, 1999). A emepebista Leila Pinheiro, em 2010, prestou tributo a Renato Russo, no CD
Meu Segredo Mais Sincero (Biscoito Fino).
Para marcar a passagem dos 20 anos sem o cantor, a Legião Urbana Produções Artísticas, empresa que faz a curadoria da sua obra (leia-se Giuliano Manfredini) idealizou mais um tributo,
Viva Renato Russo - 20 anos, que já circula nas plataformas digitais (terá também edição em CD), com bandas da novíssima cena pop nacional, uma seleção bastante abrangente que pega do Pará a roqueira Molho Negro, ao Rio Grande do Sul, com a experimental Duda Brack e ainda a cantora japonesa Tsubasa Imamura e o espanhol Sepiurca Zukin.
Já se tornou um clichê apontar que "como todo tributo", este tem seus altos e baixos, erros e acertos.
Viva Renato Russo - 20 anos não difere da maioria dos congêneres. Tem acertos e equívocos. O principal foi motivado pela disputa judicial entre os herdeiros de Russo e seus ex-companheiros de Legião Urbana, Dado Villa-Lobos e Marcelo Bonfá. Todas as músicas são assinadas apenas por Renato Russo, o que automaticamente exclui tanto os dois desafetos, quanto a boa parte das grandes músicas do LU, assinadas por Russo com Villa Lobos e Bonfá.
Assim é que o repertório privilegia canções menos badaladas do grupo, e traz poucos dos números essenciais que fizeram a cabeça de milhares de fãs, feito
Tempo Perdido, cantado com Cris Botarelli e Nathália Noronha. A primeira do Far From Alaska (que estava no projeto, mas saltou fora), a segunda do Plutão Já Foi Planeta, ambas da incensada cena de Natal (RN).
Nathália Noronha volta a cantar em
Por Enquanto, outro grande sucesso, desta vez com a banda.
Tempo Perdido funciona melhor, com um bom arranjo movido a guitarras, um riff que lembra o de Jeff Beck em
Superstition, de Stevie Wonder, e a voz segura de Cris Botarelli. Em
Por Enquanto, a Plutão se apega ao lado mais pop da canção, que teve uma interpretação matadora de Cássia Eller, cujo vozeirão calibrado e certeiro é covardia comparado com a voz intimista de Nathália.
Elogiável o fato de todas as bandas do projeto ter escanteado a reverência que costuma estragar tributos. A Molho Negro é responsável por um dos melhores momentos do álbum, com guitarras soltas na pedaleira e vocais estridentes em
Tédio (Com um T Bem Grande pra Você), canção resgatada da época do Aborto Elétrico, o embrião do Legião Urbana. Da mesma época,
Faroeste Caboclo ganhou um arranjo bem óbvio da
Facção Caipira (Niterói), roupagem country western. Talvez o que tenha faltado às bandas que participam do disco foi contextualizar as canções.
A interpretação de Renato Russo era quase sempre furiosa, como se tivesse dando um esporro em alguém. Sobretudo em canções de conteúdo político, a exemplo de
Geração Coca- Cola, amaciada na versão feita pela cearense Selvagem à Procura de Lei. De Paraty (estado do Rio), a Supercordas se sai bem imprimindo psicodelia a pouco lembrada
Metrópole.
Boomerang Blues, lançada há 30 anos pelo Barão Vermelho, é um campo perfeito para as experimentações da gaúcha Duda Brack, na melhor faixa do disco.
Eduardo e Mônica, uma das canções bem-humoradas de Russo precisa ter a letra enfatizada, e não é isso o que faz a curitibana Uh La La. Ao contrário da paulistana Vespas Mandarinas, na igualmente leve
Marcianos Invadem a Terra. A Codinome Winchester (MT) peca pelo excesso de reverência em
Índios. A carioca Baleia faz outra boa versão do disco com
Mariane, e a paulista República evoca a pergunta e a ira que não ficam datadas
Que País É Este?. Fica meio difícil de entender, tanto a escalação quanto o sotaque do português da japonesa Tsubasa Imamura em
Eu Sei e o espanhol Sepiurca Zukin, cantando
Vinte e Nove. Duas faixas bônus dispensáveis (matéria publicada na edição do dia 11 de outubro, do Jornal do Commercio).
Confiram a versão de Cris Botarelli e Nathalia Noronha para
Tempo Perdido:
https://www.youtube.com/watch?v=j423KJ4o_Wc