Neil Young, o velho hippie, ainda irado e hiperativo

Publicado em 27/12/2016 às 17:18
Leitura:
neil-young-peace-trail Personagem enigmático e camaleônico do rock and roll, o canadense Neil Young está sempre atento ao alerta, que ele próprio propagou, há 40 anos: a ferrugem nunca dorme (Rust Never Sleeps, de 1979, dos seus grandes álbuns). Feito o cara do comercial do uísque, ele segue caminhando, mas seu roteiro é cada vez mais imprevisível. Não apenas o roteiro musical. Há anos luta para que as pessoas consumam música, em sistemas idealizados por ele, entre os quais o Pono, com que está enfrentando o poderoso iTunes (garante que a qualidade sonora do Pono é imbatível). Ao mesmo tempo implantou num Lincoln Continental, ano 1959, um sistema que limita a uma quantidade irrisória a emissão de CO2. Paradoxal, Young, um dos primeiros músicos a usar guitarra e microfones sem fios, trocou o smartphone por um celular básico. E igualmente básico é o novo álbum que acaba de lançar, o 37º solo, Peace Trail (Reprise). As canções foram compostas em duas semanas, o disco feito em quatro, no estúdio Shangri-la, de Rick Rubin, em L.A, com Neil Young na guitarra e violões, mais o veterano Jim Keltner, na bateria e percussão, e o desconhecido (fora do universo de músicos) baixista Paul Bushnell. O trio fez um disco leve de canções folk com letras cuja temática gira em torno das preocupações do chefe: ecologia, violência policial, corrupção. Mas raramente Young cantou apenas por cantar. Sua música geralmente é direcionada a um alvo. Numa de suas idas e vindas com o Crosby, Stills e Nash, ao saber do massacre na universidade de Kent, Ohio, em maio de 1970, criou uma canção em minutos, Ohio. A música foi gravada às pressas e lançada num compacto (com  Find the Cost of Freedom, de Stephen Stills, no lado B). Os “soldados de Nixon chegaram” (conforme os versos iniciais de Ohio), e abriram fogo contra um grupo de estudantes. Mataram quatro e deixaram nove feridos. A música virou um clássico, e estigmatizou o então presidente americano Richard Nixon como um dos vilões do século 20. Young ainda canta a favor de tribos indígenas, em India Givers, inspirado por uma polêmica de um oleoduto que cruza uma reserva no Colorado. Em Terrorist Suicide Hangs Glide, incorpora um eleitor de Donald Trump, espargindo versos irônicos sobre a xenofobia já existente, e incensada pelo presidente eleito, que leva a classe média branca a cada vez mais discriminar e temer estrangeiros “Sei de quem é a culpa/é dessa gente com nomes esquisitos/que veio morar na vizinhança/como se pode saber quem é bom ou o mau?”. Em Joe Oaks canta os percalços de um ativista que acaba envolvido com a polícia, e em Texas Rangers dispara  contra polícia à caça de imigrantes na fronteira com o México, esta com uma das suas melodias mais peculiares. Tem-se impressão que vai se dissolvendo, enquanto ele faz intervenções na gaita plugada no overdrive estourado, um som de mata-borrão. A única canção de amor é Glass Accident, em que comenta o fim recente de um casamento de 36 anos (está hoje a atriz Daryl Hannah), mas algumas são confessionais, revelam sua perplexidade pelo domínio da máquina sobre o homem, em My Pledge: “Em todo lugar, para onde olho vejo gente solitária/sozinhos com a cabeça voltada para as mãos/caminhando com sua atenção ligada na telinha”. My Pledge complementa-se com My New Robot, com a ironia uma história de um cara que feliz porque chego uma encomenda comprada na amazon.com, um robô. No final da canção ele canta com o vocoder, que faz a voz soar como a de robôs de cinema. Aos 71 anos Neil Young certamente sabe que canções não mudam o mundo, mas não custa tentar. O hiperativo velho hippie, que chegou na Califórnia em 1965 dirigindo um rabecão, passou pelo influente Buffalo Springfield, esteve no palco de Woodstock, com o Crosby Stills, Nash & Young (mas não permitiu que sua imagem fosse exibida no documentário), lançou álbuns solo que marcaram a música popular do século 20. Fez história, e continua fazendo. Como Bob Dylan, e mais uns poucos, que se contam nos dedos, mantém uma rara e invejável integridade e fidelidade à sua arte. Numa das canções do disco novo, Can’t Stop Working explica porque o contínuo caminhar, indiferente à idade: “Não consigo parar de trabalhar, porque gosto de trabalhar/é ruim para o corpo, mas é bom para alma”. Confiram clipe oficial de Neil Young, em Indian Givers: https://www.youtube.com/watch?v=CM-NkM-dIDA

O jornalismo profissional precisa do seu suporte. Assine o JC e tenha acesso a conteúdos exclusivos, prestação de serviço, fiscalização efetiva do poder público e muito mais.

Apoie o JC

Últimas notícias