Anatomia de 45 hits do pop americano

Publicado em 03/01/2017 às 20:36
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anatomy-1483484312f0275b086aa9051894f32584be6c2dea Light My Fire, clássico do rock dos anos 60, o maior hit de The Door, foi composta, em agosto de 1966, pelo guitarrista Robby Krieger, na casa dos pais, em Pacific Palisides, na Califórnia. Ele se inspirou inicialmente em Hey Joe (na gravação com os Leaves), e em Play With Fire, dos Rolling Stones. Fã de bossa nova, o baterista John Densmore imprimiu à canção uma levada meio bossa a Light My Fire. O tecladista Ray Manzarek, autor da antológica introdução adicionou um pouco do John Coltrane, de My Favorites Things (da trilha de A Noviça Rebelde), mais uns motivos de Bach, dando-lhe um toque barroco A linha de baixo, feita num teclado, foi chupada, por Manzarek, de Blueberry Hill, com Fats Domino (na gravação foi acrescentado o baixo de Larry Knechtel). A versão original de Light My Fire ficou com 7m6s, imensa para um single na época. A versão que a gravadora Elektra mandou às rádios tinha três minutos. O improviso do meio da canção - um solo de guitarra de Krieger e de órgão de Manzarek -  foi suprimido. Jim Morrison, Ray Manzarek, John Densmore e Robbie Krieger não gostaram, mas não protestaram. A canção chegou ao topo das paradas americanas em 1967. Porém a versão do porto-riquenho Jose Feliciano foi um sucesso internacional, até hoje rende muito dinheiro a Robby Krieger. A hístória de Light My Fire e de mais 44 canções influentes e bem sucedidas da música pop americana é contada em Anatomia de um Canção - A História Oral de 45 Hits Icônicos que Mudaram o Rock, o R&B e o Pop, de Marc Myers, lançado em novembro, nos EUA, pela Grover Press. As historinhas foram publicadas ente 2011 e 2015, na coluna Anatomy of a Song, que Myers assinava no The Wall Street Journal. A lista abrange dos anos 60 aos 90, com ênfase para as décadas de 60 e 70. Todas, em maior ou menor intensidade, foram hits que tocaram mundo afora. Do prosaico ao inusitado, cada canção tem origem peculiar, e ela é contada por compositores e produtores, entrevistados por Marc Myers. https://www.youtube.com/watch?v=YR5ApYxkU-U Por exemplo, Another Brick on the Wall, o primeiro hit mundial do Pink Floyd: “A letra foi uma reação ao tempo que estudei na Cambridgeshire High School, para garotos, em 1955, quando tinha 12 anos. Alguns professores estavam imbuídos da ideia de que garotos precisavam ser controlados com sarcasmo e com o exercício da força bruta para lhes dominar a vontade. Era esta a ideia deles de educação”, de Waters, autor da música. O coro é formado por 25 adolescentes, entre 13 e 15 anos, da Islington Green School, na Zona Norte de Londres, uma parte mais pobre da cidade. As vozes foram dobradas várias vezes pelo produtor Bob Ezrin, reforçando o coro. Roger Waters fez mais dois Another Brick on the Wall, um sobre o pai, morto na Segunda Guerra Mundial, e o terceiro sobre um colapso nervoso devido a problemas no relacionamento pessoal com a sua mulher. As canções são os links da ópera rock The Wall, cuja inspiração veio de um concerto tumultuado do Pink Floyd,durante a turnê Animals, no Olympic Stadium de Montreal, no Canadá. Um grupo de vândalos, no meio da plateia, provocou um incêndio, que resultou num tumulto. No corre, corre, um deles veio em direção ao palco, quando ia subindo, Roger Waters foi até ele e lhe deu uma cuspida no rosto. Waters passou a refletir sobre a alienação do público, no muro que separava o palco da plateia. Daí The Wall (O Muro). FRANKENSTEIN Numa das cenas do filme O Jovem Frankenstein, de Mel Brooks (1974), Gene Wilder é recebido na porta do castelo por Marty Feldman (hilário com uma corcunda que muda de lugar o tempo todo), e o manda entrar dizendo. Vá por aqui”, ou “Walk This Way”. O filme foi lançado no final de 1975, um sucesso  mundial de bilheteria. Steven Tyler, Joey Krammer, Tom Hamilton, Brad Whitford, os quatro do Aerosmith, mais o produtor Jack Douglas, estavam gravando o álbum Toys in the Attic, num estúdio em Manhattan. Num intervalo, foram ver o filme. Quando Feldman disse o “Walk This way”, Jack Douglas comentou com Steven Tyler que daria um bom nome para a música . A música a que se referia tinha só a melodia surgida de um riff de guitarra que veio a Joe Perry durante um ensaio, numa jam entre ele o baterista Joey Kramer. Na mesma noite, ao voltar para o hotel Steven Tyler escreveu a letra. Mas perdeu ao esquecer a bolsa no táxi. No estúdio, o pessoal o esperava com a letra que ele não tinha mais. Irritado ele foi para a cobertura do Record Plant, o estúdio onde estavam, e a reescreveu na parede. Tinha levado o lápis, mas se esqueceu do papel. Depois de terminada a letra, ele desceu apanhou um bloco e a copiou. Um dos clássicos do hard rock (depois também do rap) foi todo criado em torno do riff e do ritmo surgidos na citada jam session entre o guitarrista e o baterista. Dez anos depois, Walk This Way voltou estourar novamente agora impulsionada pela gravação que o Run DMC, os rappers nova-iorquinos fizeram, um clássico do crossover rap com rock. https://www.youtube.com/watch?v=xwtdhWltSIg Em 1987, de volta para casa, em Athens, Geórgia, depois de uma longa turnê com o R.E.M, o guitarrista Peter Buck, deitado no sofá, exercitando-se com um bandolim novo, começou a juntar uma seqüência de acordes. O embrião de Lose My Religion, maior hit do grupo. Na época a banda se preparava para gravar o álbum Green, mas ele segurou a nova música, que somente seria lançada cinco anos mais tarde. O riff da canção foi inspirado no tema de Ryuichi Sakamoto para o filme Good Morning Mr. Lawrence (estrelado por David Bowie). Ele só mostrou o rascunho da música ao grupo em meados de 1990. Mike Stipe conta que a melodia saiu fácil, a letra demorou mais um pouco. É sobre alguém inseguro, que ama uma pessoa, mas não sabe se será aceito. O título Lose My Religion (Perdi Minha Religião) vem de uma expressão popular no estado da Geórgia, I almost lose my religion (quase perdi minha religião), dita quando se perde o controle sobre determinada situação. A canção foi gravada em Athens, e mixada no Paisley Park, o estúdio de Prince, em Minneapolis. Não se acreditava que Lose My Religion fosse estourar. Era difícil um canção com solos de bandolins chegar às paradas pop. O sonho de Mike Stipe, conta ele ao autor do livro, era compor um hit de verão. Lose My Religion realizou seu sonho. Lose My religion é o 45º capítulo de Anatomy of a Song, ainda não traduzido no Brasil, um daqueles compêndios que poderiam estar na prateleiras das abrobrinhas literárias, mas que entre as entrelinhas da trivialidade, diz muito do autor, ou de quem gravou a música. Em 1970, Janis Joplin voltou de uma circulada pelo Brasil (basicamente Rio e Bahia), cercada de lendas, mas livre da heroína, difícil de encontrar no país. O vicio logo foi retomado nos Estados Unidos. Em agosto, ela estava em Port Chester, no estado de New York para uma apresentação. Antes do show, foi com alguns amigos para um bar, entre eles, estavam o compositor Bob Neuwirth e a atriz Geraldine Page. Lembrando-se de um verso de um poema do poeta Michael Mclure, pedindo a Deus uma Mercedes Benz, ela começou a improvisar um blues e a letra, que Neuwirth ia anotando em guardanapos de papel, incluindo trechos seus. Meia hora mais tarde, Janis Joplin cantou Mercedes Benz no palco. Voltou a cantá-la em outubro, gravando-a para o álbum Pearl. Três dias depois morreria de uma overdose. Foi a última canção que gravou. Mercedes Benz, embora seja a música mais popular de Janis Joplin, é a menos bem sucedida entre as 45 listadas no livro. Lançada em um  compacto,  com Cry, Baby, no lado B, só chegou ao 42º segundo lugar no paradão da Billboard. https://www.youtube.com/watch?v=WGU_4-5RaxU PÉ NO SACO As vezes um simples verso, ou mudança de um título catapulta uma canção para o sucesso, ou para se tornar um clássico. Heart of Glass, maior hit e música mais conhecida do grupo new wave americano Blondie, chamava-se The Disco Song, um esboço, inspirado em frases de Rock the Boat, da Hue Corporation.  O guitarrista Chris Stein escreveu a música e Debbie Harry a letra. The Disco Song foi incluída no repertório do grupo, e era uma das preferidas dos fãs da banda. Mas foi deixada de lado. Em 1975 fizeram uma gravação demo da canção, rebatizada de Once I Had Love, e a engavetaram. Em 1978, quando foram gravar o terceiro, o produtor Michael Chapman quis saber se eles tinham alguma coisa bem pop. Lhe mostraram a música desprezada. Chapman gostou dela, mas não de um dos versos “Soon turned out/He was a pain in the ass” (pain in the ass pode ser traduzido, grosso modo, como “uma dor na bunda”, equivalente a “um pé no saco”, no Brasil). O produtor trocou a expressão por  “heart of glass”, que virou o nome da música. Foi de Chapman também a ideia de dar à música um roupagem à Giorgio Moroder, e Heart of Glass voltou a ser o que era na origem, uma disco music. Como tal foi um hit das discotheques em 1979. Este divertido Anatomy of a Song – The Oral History of 45 Iconics Hits That Changed Rock, R& B and Pop, merecia uma tradução em português. Aliás, no Brasil o jornalista, radialista paraense (radicado em Brasília) Ruy Godinho, escreveu Então, Foi Assim – Os Bastidores da Criação Musical Brasileira, que já vai em três volumes, sobre as histórias de centenas de canções da MPB, muitas delas contadas pelo próprio compositor.

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