Sertanejo, como título, diria mais do novo disco de Mônica Salmaso do que
Caipira, como foi batizado (recém-chegado às lojas com selo da Biscoito Fino). A vulgarização do "sertanejo" comprometeria o trabalho, embora talvez nem tenha sido este o propósito de não usá-lo. Mas Mônica Salmaso não se fixa apenas no universo da música caipira no repertório, que é bem mais abrangente.
Num passado, já distante, seria chamado de folclore, um estilo a que se dedicaram artistas como Stelinha Egg, Gilvan Chaves, José Tobias (com 90 anos em 2017, e que gravou disco no ano passado), Inezita Barroso e, em passado ainda mais longínquo, a grande, e esquecida, recifense, Stefana de Macedo, que gravava, no final dos anos 20, acompanhada pelo violão de João Pernambuco (também foi ótima violonista).
Mônica Salmaso, a grande cantora do país, alheia às frivolidades, indiferente à obrigatoriedade de estar
pari pasu com o som da vez, penetra no fundo das raízes da música caipira passa pelos sertões nordestinos, da Amazônia, canta autores contemporâneos como Dudu Nobre e Roque Ferreira (na parceria
Água da Minha Sede), o Gilberto Gil tropicalista (de
Bom Dia, assinada, em 1967, com Nana Caymmi), ou Cartola (de
Feriado na Roça).
Caipira, que dá nome e abre o disco, é parceria de Breno Ruiz com Paulo César Pinheiro, com citação de A
Lenda do Caboclo, de Villa-Lobos. Teco Cardoso (flauta baixo), Neymar Dias (viola caipira, baixo acústico), e André Mehmari (piano), acompanham a cantora, de interpretação irretocável em todas as faixas. Tanto na comovente
Leilão, de Hekel Tavares e Joracy Camargo (fornecedores de dezena de canções para os citados cantores de folclore do passado), quanto em
A Velha, creditada a Zezinho da Viola, mas da tradição popular de Minas Gerais. No Nordeste foi adaptada por Jonas de Andrade,
A Véia Debaixo da Cama, um sucesso nacional retumbante, em 1975, com Geraldo Nunes (com dezenas de regravações posteriores).
O disco fica ainda mais rico pelas participações especiais de Rolando Boldrin, voz em
Saracura Três Potes (Cândido Canela/Téo Azevedo), de músicos como o baterista Robertinho Silva, Nailor Proveta (clarinete), ou Toninho Ferragutti (acordeom). A voz afinadíssima e exata de Mônica, que dispensa desnecessários melismas, vibratos, é mais um instrumento percorrendo um repertório irrepreensível.
Caipira é remédio eficaz contra sertanejas universitárias de música primária, fel, moléstia e demais crimes, inclusive os do tal colarinho branco, que assolam o país.
Confiram Mônica Salmaso, ao vivo, em
A Velha:
https://www.youtube.com/watch?v=HkAu23Cx-Nc