O jazz vai à Transilvânia na trilha de Béla Bartók
Conhecida belo Drácula de Bram Stoker, a região é musicalmente muito rica
A Transilvânia ficou estigmatizada por um romance que se tornou um clássico da literatura, mesmo sem ser um daqueles livros imprescindíveis, é basicamente um thriller de horror. Drácula, de Bram Stoker, de 1897, Inspirado em Vlad III, Drácula, O Impalador, filho de Vlad II, Cavaleiro da Ordem do Dragão , ou Dracul no seu idioma. Drácula significa filho de Dracul. Vlad III passaria à história como um tirano a mais, igual ou pior a tantos outros. No entanto, Bram Stoker o transformou numa criatura do mal, transcendente, mexeu com os medos que habita o âmago das pessoas.
A bem da verdade, Dracula certamente não bebia sangue diretamente da carótida dos seus súditos, mas vampirismo é uma das superstições mais forte da região. Chama-se por lá, aliás, Nosferatu, também personagem do cinema. Alho como proteção, estaca no coração, sangue fresco direto da fonte não são invenção de Bram Stoker, mas o que ele pegou do rico folclore da Transilvânia.
O livro virou peça, filmes, e Drácula um dos personagens mais famosos mais famosos da ficção. Claro, estigma lucrativo. Graças a Stoker, a Transilvânia virou destino turístico. Compram-se por lá suvenires de Drácula, assim como na Sicília lembrancinhas com o rosto de Don Corleone. Mas a Transilvânia oferece outras atrações, sua música folk, fonte de inspiração para muito da obra do compositor húngaro Bela Bartok.
Em 1909, Bela Bartok começou sua pesquisa em etnomusicologia, e acumulou mais de um milheiro de canções e temas instrumentais da tradição popular da Romênia e da Hungria. Reprocessando-os e adicionando-lhes elementos que fizeram dele um dos mais importantes compositores do século 20 (Bártok morreu em 1945, em Nova Iorque).
Passados 110 anos do início das pesquisas do autor húngaro, o pianista Lucian Ban, nascido na Transilvânia, que mora nos Estados Unidos desde 1999, montou um trio de jazz, de câmera, com a viola do americano Mat Manieri e clarinete e sax barítono do inglês John Surman, assim como Bártok, especialista em etnomusicologia. O trio reprocessa músicas do folclore romeno pinçadas dos arquivos de Bela Bartok, e levam adiante o trabalho do compositor direcionando-o para o jazz.
Para Lucian Ban deve ter sido gratificante já que esta é a música com que ele cresceu. E que estudou na universidade em Bucareste.
Com toda esta carga acadêmica, erudita, com folclore da “misteriosa” Transilvânia, pode afastar deste disco quem está a fim de música mais leve como trilha de tempos tão pesados. Mas o diabo, ou o vampiro, não é tão feito quanto se pinta. Não é preciso tranças de alho, água benta ou crucifixo para encarar Transylvanian Folk Songs: The Béla Bartók Field Recordings (Sunnyside Records).
JAZZ E FOLCLORE
Lucian Ban, Mat Maneri e John Surman tocam jazz contemporâneo, isto é, sem ser continuidade de nenhuma corrente ou estilo. Empregam conceitos intrínsecos ao jazz, liberdade é o mais marcante, ignoram fronteiras entre o popular e o erudito, incursionam por ambos, sem transgressões, nem cortejos ao fácil, e conseguem ser bastante palatáveis. Aos nordestinos, o tema Violin Song deve agradar, o tema soa poderia ser confundido com um baião de tratamento erudito, o armorial com liberado para o improviso, e aí o Surman se mostra um saxofonista extremamente criativo.
O disco foi gravado ao vivo, os nove temas executados sem pausa que refresca, com andamentos variando entre o allegro e o andante, e terminando, com a surpreendente Transylvania Dance, tem ênfase no sax, é um longo solo, que levanta a platéia e é coberto de aplausos. Lucian Ban tem uma discografia considerável e merecedora de uma visita. Aliás, tanto Maneri e Surman também. Há mais música boa no ar do que podem imaginar os de gosto embotado pela exposição ao fácil e descartável.