A luta do Hotel Central para permanecer por mais de nove décadas na paisagem do bairro da Boa Vista se confunde com a história de vida de Rosa Maria da Silva Nascimento, 55 anos. São ambas trajetórias de resistência, que voltam a se cruzar na esquina da Avenida Manoel Borba com a Rua Gervásio Pires, em benefício do patrimônio, da memória e da hospitalidade recifenses.
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Quando Rosa, ainda menina, brincava nos longos corredores daquele que já foi o prédio mais alto da cidade, nunca imaginou que um dia seria a responsável pela sua sobrevivência. Em plena pandemia, é o desafio que assume para não deixar o mais antigo hotel em operação na capital pernambucana fechar as portas de vez.
A relação afetiva com o Central foi herdada da mãe, chamada de Dona Miúda, que trabalhou toda a vida ali como camareira, assim como as duas irmãs de Rosa. Ela seguiu os mesmos passos por um período, mas logo foi atraída pelas panelas e condimentos, que aprendeu a manejar com o pai, Manoel Lourenço, no sítio onde a família morava na zona rural de Ouro Preto, em Olinda.
Não demorou para passar a comandar a cozinha do hotel, onde ficou por 15 anos até trocar o emprego fixo pelo sonho de montar seu primeiro negócio. “Mais de uma década depois, fui chamada para voltar com um restaurante meu e, agora, para administrar a estrutura completa. Me sinto honrada com a confiança dos donos, que me entregaram tudo regularizado. É uma emoção muito grande poder estar à frente de uma nova fase e permitir que esse lugar continue de pé”, diz a gestora, que apresenta com orgulho cada metro quadrado do Central como se fosse a sua casa.
Cozinheira de mão cheia e empreendedora por intuição, desde 2017, ela já movimentava o térreo do edifício com o Tempero da Rosa. Mas veio a covid-19 e o restaurante de comida tradicional pernambucana precisou adaptar-se para continuar atendendo o público que lotava o salão, ávido por uma galinha à cabidela, um pirão de chambaril ou uma charque desfiada crocante.
Para sua surpresa, o delivery deu tão certo que possibilitou o respiro financeiro necessário à nova empreitada. “Ao menos consegui equilibrar todas as contas. Próximo passo é ir em busca de financiamento para investir nas melhorias”, diz.
Entre elas, Rosa planeja um espaço para eventos e um salão de beleza com spa, além de um café para promover intercâmbios artísticos.
Outra ideia, já em execução, é transformar o hotel em local de moradia. Uma forma de diversificar as receitas neste momento de baixa ocupação de turistas. A mensalidade custa entre R$ 1.200 e R$ 3.000 (com adicional de 30% para duas pessoas), a depender do tamanho do quarto, e incluem serviço de limpeza, roupa de cama, internet wi-fi e um café da manhã apreciado pela fartura. Já as diárias saem a partir de R$ 65.
Os cômodos são simples, com mobiliário e equipamentos antigos, mas muito limpos e bem cuidados. Destaque para os charmosos janelões, que garantem iluminação e ventilação naturais e ainda permitem espiar a vida lá fora. Outro ponto importante: os banheiros, em geral, são bastante espaçosos. Alguns conservam, em bom estado, até pias e vasos sanitários importados da Alemanha.
São alguns dos poucos resquícios do luxo de outrora, ao menos nas suítes, que já hospedaram gente famosa, como a multiartista Carmem Miranda, o cineasta norte-americano Orson Welles e o então presidente da República, Getúlio Vargas. Conta-se que os tripulantes do dirigível alemão Graf Zeppelin eram outros dos hóspedes frequentes.
Na recepção e no salão principal, restam ainda móveis em madeira nobre de jacarandá e um pequeno museu que guarda objetos de época, como a central telefônica manual.
UM LEGADO DE PIONEIRISMO
Inaugurado em 31 de outubro de 1928, o Hotel Central foi, por muitas razões, um marco para o Recife. O reconhecimento oficial desse legado, no entanto, só ocorreu no fim de 2018, com o tombamento pelo governo do Estado, que viabilizou a revitalização da fachada. Até hoje, o prédio de cor salmão, estilo eclético e arquitetura classicista (greco-romana) chama atenção de quem anda pela Boa Vista. Pouca gente imagina é que ele deu início à verticalização da cidade, contribuindo definitivamente para a mudança da paisagem da capital pernambucana.
Com oito andares e 35,7 metros de altura, inaugurou a era dos arranha-céus. Até então, os poucos edifícios tinham, no máximo, quatro pavimentos. A mudança de patamar só foi possível devido a uma inovação trazida dos Estados Unidos: o elevador de manivela, primeiro da cidade e ainda em operação no hotel, que logo ganhou também uma moderna versão panorâmica.
A tecnologia e a sofisticação conferiram ao Central outro pioneirismo, de redefinir o padrão da hotelaria em Pernambuco. Em 2 mil m² de área construída, abrigava 80 quartos e seis suítes superiores, além de barbearia, perfumaria e um salão para senhoras.
Contava, ainda, com um badalado restaurante aberto ao público no sétimo piso, que até meados da década de 70 sediava os principais eventos sociais, casamentos e bailes da alta sociedade recifense. A noite começava à mesa, mas não terminava sem um último drinque no terraço da cobertura, com uma visão da cidade que alcança o cais. Ali ocorria a queima de fogos que iluminava os céus do Recife em disputadas festas de réveillon. É dali hoje que Rosa vislumbra um futuro onde o luxo está no afeto e na simplicidade.
Serviço: 3039-7733 / 985337384
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