EMPREGO E CARREIRAS

Inclusão não é cota: a luta das pessoas com deficiência para ingressarem no mercado de trabalho

O país conta com cerca de 371.913 profissionais PcDs trabalhando formalmente. Isso representa menos 1% da força de trabalho formal no Brasil

Marcelo Aprígio
Cadastrado por
Marcelo Aprígio
Publicado em 26/09/2021 às 8:00
Marcelo Camargo/Agência Brasil
Segundo o IBGE, 17,3 milhões de brasileiros têm algum tipo de deficiência - FOTO: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Leitura:

Daniele Lins, técnica administrativa, se formou na área que amo, mas passou anos em busca de um lugar ao sol do mercado de trabalho. Conseguiu apenas uma oportunidade informal até encontrar a vaga que ocupa hoje, em um centro universitário com sede no Recife.

ACERVO PESSOAL
Daniele Lins, técnica administrativa e pessoa com deficiência - ACERVO PESSOAL

“Depois de diversas tentativas de envio de currículo em sites e empresas, fui a uma feira de emprego para pessoas com deficiência. Chegando lá, havia várias companhias. Deixei alguns currículos. Na Unit-PE, fui chamada para fazer uma entrevista e passei. Realizei uma prova e estou com 2.9 meses de empresa”, conta a jovem de apenas 25 anos, ressaltando que as oportunidades são mínimas e, de quebra, oferecem um salário baixíssimo.

A realidade enfrentada e explicitada por Daniele é semelhante à de muitos brasileiros que, assim como ela, são pessoas com deficiência. Segundo a última Relação Anual de Informações Sociais (Rais), cujo dados mais recentes são edição de 2020, o país conta com cerca de 371.913 profissionais PcDs trabalhando formalmente. Isso representa menos 1% da força de trabalho formal no Brasil, um número abaixo da proporção de pessoas com deficiência quando observada a sociedade, como um todo: 8,4%.

Um levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) aponta que 8,4% da população brasileira acima de 2 anos – o que representa 17,3 milhões de pessoas – tem algum tipo de deficiência. A pesquisa mostra também que a inclusão da pessoa com deficiência no mercado de trabalho ainda é um obstáculo. Apenas 28,3% delas em idade de trabalhar (14 anos ou mais de idade) se posicionam na força de trabalho brasileira. Entre as pessoas sem deficiência, o índice sobe para 66,3%.

Pandemia derruba contratações

Desde 2010, o que se observava no Brasil era um aumento contínuo na contratação de profissionais PcDs, segundo a Rais, apesar de ser um número aquém do esperado. Isso, porém, piorou com a pandemia. De acordo com Guilherme Braga, CEO da Egalitê, startup especializada na seleção e recrutamento de PcDs, conta que em 2020 houve uma queda de cerca de 80% no número de vagas ofertadas para esse público.

“As empresas estavam enfrentando a crise causada pela pandemia e deixaram de lado contratação de PcDs, que geralmente e infelizmente deixam de ser prioridade para as companhias em momentos como esse”, pontua o executivo, projetando que a oferta de vagas para o segmento aumente minimamente até o fim do ano e comece a se recuperar em 2022.

DIVULGAÇÃO/EGALITÊ
Guilherme Braga, CEO da Egalitê, startup especializada na seleção e recrutamento de PcDs - DIVULGAÇÃO/EGALITÊ

Patrick Gouy, CEO e cofundador da plataforma Recrut.Ai, concorda que as empresas em crise vão atacar problemas que precisam ser resolvidos com urgência, a fim de sobreviver. “Obviamente, o grau de maturidade da empresa tem um fator importante, mas não é apenas isso. Há um componente cultural. Temos visto diversas ações para inclusão de gênero e raça no processo seletivo e estas ações têm recebido a chancela de “diversidade”, mas PcD também é diversidade”, afirma.

Cotas não são respeitadas por 47% das empresas

Um dos principais instrumentos de garantia dos direitos das pessoas com deficiência, a Lei de Cotas (8231/91) completou, no fim de julho de 2021, 30 anos de vigência. Apesar de avanços na inclusão de PcDs no mercado de trabalho, ainda não estão preenchidas 47% das vagas que por lei deveriam ser destinadas a pessoas com deficiência nas empresas. A lei reserva de 2% a 5% de vagas nas corporações com mais de 100 funcionários. Além disso, manobras legislativas tentam, nos últimos anos, reduzir o alcance e tirar a força da lei.

“Funciona assim: empresas que têm até 200 funcionários precisam ter 2% de funcionários PcDs; companhias com até 500 funcionários, 3%; até 1.000, sobe para 4%; e a partir de 1.001, precisa ter 5%”, explica a advogada e professora universitária Fernanda Resende.

CHICO ANDRADE/DIVULGAÇÃO
Advogada e professora universitária Fernanda Resende - CHICO ANDRADE/DIVULGAÇÃO

“Se a empresa não cumprir, pode levar uma multa. É muito comum o Ministério Público do Trabalho mover uma ação civil pública ou firmar um termo de ajustamento de conduta demandando que a empresa cumpra a cota, por exemplo”, afirma Ariston Flávio, advogado trabalhista, professor e doutor em Direito pela UFPE.

Vagas para a base da pirâmide

A professora de direito trabalhista Ana Flávia Dantas explica que a oferta de vagas, historicamente, é para cargos operacionais. “Infelizmente, as organizações não olham para a contratação de PcDs de forma estratégica, como geralmente fazem na hora de admitir pessoas sem deficiência. A Lei de Cotas acaba sendo uma obrigação e não uma oportunidade de construir um ambiente mais diverso”, afirma.

“Na minha opinião, o capacitismo é o maior fator de não ocupação dos cargos de chefia para pessoas com deficiência. A sociedade brasileira ainda tem uma visão muito ligada à funcionalidade formal, ou seja, a diversidade não contempla grande parte do empresariado, pelo fato de crer que deficiência é sintoma de ineficiência”, diz Francisco Rodrigues, assistente social com baixa visão.

A remuneração de profissionais PcDs também vem caindo mais do que a média. Segundo os dados da Rais divulgada em 2020, a remuneração média de profissionais PcDs caiu 3,6% na comparação com a edição 2019. Na média da população geral, a queda foi de 1,31% no mesmo período.

“Eu vejo uma divisão de oferta de vagas quando você é PcD. O mercado, ano passado, teve altos e baixos para todos, mas nós, PcDs, tivemos dificuldades de achar vagas para nos candidatar que integrassem nossa experiência a um salário justo. É triste um profissional que tem o conhecimento ser mal remunerado”, lamenta.

Comentários

Últimas notícias