A Espanha vem abastecendo bem a Netflix de produções que cativam um séquito de admiradores. Títulos como La Casa de Papel, Elite, Vis a Vis e As Telefonistas se encarregam de conquistar um público global, adicionando massivos números - apesar de raramente divulgados - de audiência. A lista agora ganha mais um título, o suspense O Poço, de Galder Gaztel-Urrutia, cujo buzz nas redes já deve ter agradado os executivos da plataforma que distribui mundialmente o longa. O título se pauta pelo absurdo do universo que constrói e pelo comentário social. Porém, enquanto o primeiro aspecto logo se esgota, o segundo racha a cabeça no chão achando que está mergulhando em algo muito mais profundo do que realmente é.
Vejamos, Goreng (Iván Massagué) é um homem de meia idade que acorda em uma prisão sem grades, dotada de um grande buraco no chão e outro no teto. Acima e abaixo, consegue ver que existem outras celas, habitadas por outros detentos. A sua é dividida com um senhorzinho ranzinza (Zorion Eguileor), que logo explica como funciona aquela instalação. Do alto, descerá uma plataforma com comida, a alimentação diária dos presos. Porém a plataforma é a mesma para todos, ou seja, quem está nos níveis superiores poderá devorar um banquete e os abaixo se contentarão com restos ou até nada. Há um rodízio periódico entre os níveis, podendo levar a ascensão ou queda. E claro que essa estrutura carrega também potenciais conflitos éticos e interpessoais.
É muito clara a dimensão alegórica que o projeto quer dar a si mesmo, de tentar falar sobre uma estratificação social a partir de um microcosmo. E não há problema na obviedade com que o filme trata o tema. Até dá para se desenvolver um bom drama em cima de um comentário social que, por mais que seja superficial, carrega um potencial dramático instigante. E O Poço parece fazer isso em seus momentos iniciais, antes de virar um caos.
Um caos com direito a fantasminhas imaginários sussurrando no ouvido e o sentimento de um texto que se perde tanto na lógica do universo construído ali, assim como em sua dimensão simbólica. Ou seja, enredo não consegue escorar a alegoria e alegoria não consegue sustentar enredo. Seus conflitos morais não conseguem se desenvolver plenamente e seus personagens não conseguem causar interesse suficiente, quando não são reduzidos a caricaturas.
A impressão é de que o projeto para se fascinar com suas ideias iniciais, com os potenciais plantados ali e pronto. Não se aprofunda nas possibilidades atmosféricas que a arquitetura do espaço confere e falha em criar tensão. Seus recursos visuais mais interessantes logo se esgotam e começam a soar irritantemente repetitivos. O ambiente não provoca as sensações que parece querer ativar, não parece pequeno demais ao ponto de se tornar claustrofóbico, mas também não grande o suficiente para apequenar seus personagens.
Para tentar compensar isso, a direção investe na violência gráfica como uma forma mais fácil de gerar ansiedade, priorizando a repulsa. Há a tentativa de fazer um retrato psicológico de seu protagonista, seu deterioramento e suas motivações. E tudo cai mais uma vez na obviedade, apelando aos pesadelos e alucinações para tentar ilustrar um igualmente óbvio estado de espírito.
Por fim, após uma série de momentos que flutuam entre o espirituoso e o raso, partimos para sua conclusão que, apesar de razoável em suas motivações, não deixa de soar artificial e acaba por se apropriar, mais uma vez, debilmente de seus simbolismos. Não que seu recado sobre como superar uma sociedade pautada pela desigualdade na distribuição de recursos seja incoerente. Não é, o problema é a forma como a trama se perde ainda mais nesse momento, incluindo mais inconsistências dentro de sua lógica interna. E mais pretensão de um simbolismo raso.
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