Há uma movimentação em Hollywood que vem colocando profissionais da área dos dublês na cadeira da direção. A maior prova desse momento talvez seja o sucesso da trilogia John Wick, iniciada por David Leitch e Chad Stahelski, ambos com vasta experiência atuando e coordenando esses profissionais que correm os maiores perigos no set de filmagens. São produções que vêm empenhando um papel significativo na encenação da ação, conciliando estilização e realismo e trazendo novos ares para a pancadaria e os tiroteios.
Agora, a lista dessas produções ganha mais um exemplar com esse Resgate, lançado nesta sexta-feira (24) pela Netflix. O filme é produzido pelos irmãos Joe e Anthony Russo (Vingadores: Guerra Infinita e Ultimato) e escrito pelo primeiro. Contudo, a direção é entregue para Sam Hargrave, dublê, coordenador de cenas de ação e coreógrafo de lutas, parceiro dos Russo, fazendo agora sua estreia na direção de longas. É um exemplar que, apesar de não chegar perto do vigor dos filmes de Leitch e Stahelski, traz interessantes construções em relação a abordagem desses conflitos físicos e como eles se desenrolam no espaço.
O ponto de partida é o sequestro do jovem Ovi (Rudhrask Jaiswal), filho de um poderoso traficante indiano, raptado pelo maior rival de seu pai. Mantido sob as poderosas forças desse outro gângster, que conta inclusive com apoio das forças policiais locais, seu resgate é uma tarefa complicada. A missão cai nas mãos do mercenário Tyler Rake (Chris Hemsworth, o Thor dos filmes da Marvel), que será a ponta de lança na missão. Entretanto, a empreitada é sabotada durante a execução por seus contratantes e Rake, atacado por todos os lados, precisa descobrir o que fazer com o garoto enquanto tenta sobreviver.
É um pretexto que serve como uma âncora dramática, que não deixa a trama afundar enquanto desembarca sua real intenção, a ação física. É uma trama que passa por algumas questões paternais e dilemas morais de uma maneira nada profunda, mas que também não precisaria ser. Ainda assim a dupla Jaiswal e Hemsworth consegue evocar um afeto bonitinho no meio da matança. Faz o básico e o básico é o necessário para a proposta do filme. Parece beber na fonte não só de Leitch, mas passa por Peter Berg e chega até em Cidade de Deus. Inclusive na associação de crianças periféricas ao crime.
No segmento que parece ser o maior interesse, da ação propriamente, Hargrave trabalha de uma forma que talvez não seja tão inovadora, mas ainda assim é interessante e bem aplicada na maior parte das vezes. Há uma abdicação da montagem na hora de construir o impacto dos embates e uma valorização do corpo em continuidade no espaço. Um espaço de frenesi, trazido por uma câmera nervosa que corre, pula, persegue e não fragmenta o tempo. Essa abordagem em si acaba flutuando entre uma concepção mais estilizada, principalmente quando chama a atenção para seu caráter artificioso em movimentações mais "ousadas", mas também acaba caindo às vezes em um tom mais realista, talvez até documental da pancadaria.
Ou seja, não se trata de nenhuma invenção da roda, claro, mas é bom ver essa alternativa no lidar com os corpos se enfrentando no espaço. Um espaço, por sinal, bem vivo e delimitado nesse Resgate, não servindo apenas como pano de fundo. Em certos momentos, Hargrave utiliza um certo imaginário do caos urbano da Índia para fazer dos arredores um terceiro elemento dos embate. Seja em uma briga de facas que quase atinge um motociclista casual ou uma atropelamento que muda a dinâmica do conflito.
Mesmo não tendo sempre um pulso firme dentro de sua proposta, Resgate parece indicar que há realmente um novo caminho se consolidando dentro do cinema de ação. A chance dada para Hargrave talvez seja o pontapé inicial para dentro de trabalhos mais maduros no futuro. O domínio do artifício técnico está ali, agora é uma questão de conseguir desenvolver melhor uma coesão e uma identidade artística mais própria.
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