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'Eu Nunca...' rompe a caixinha de comédia teen na Netflix

Série disponível na plataforma quebra com o protagonismo branco norte-americano para retratar com leveza os dilemas desta fase

Robson Gomes
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Robson Gomes
Publicado em 31/05/2020 às 8:00 | Atualizado em 31/05/2020 às 8:00
LARA SOLANKI/NETFLIX
Fabiola (Lee Rodriguez) e Eleanor (Ramona Young) são as confidentes de Devi (Maitreyi Ramakrishnan, à dir.) na série 'Eu Nunca...' - FOTO: LARA SOLANKI/NETFLIX

A adolescência é aquela fase complicada da vida, repleta de dúvidas, incertezas, pressões para buscar sua personalidade e aceitação, tanto para si, quanto para compreender quem está ao seu redor. Agora, imagine todas as nuances dessa etapa com o “plus” de ser uma jovem indiana inserida numa sociedade norte-americana, com costumes e estilo de vida completamente diferentes do seu. Este é um dos motes da série Eu Nunca..., disponível na Netflix em dez episódios. A comédia, criada por Mindy Kaling e Lang Fisher, é estrelada pela estreante Maitreyi Ramakrishnan como Devi Vishwakumar, uma estudante do segundo ano do ensino médio de pavio curto – o que a coloca em situações difíceis.

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Embora a premissa acima pareça fraca e previsível à primeira vista, junto a um trailer que vendeu a série como uma comédia sobre uma jovem nerd e inconsequente que “queria transar” para ser popular, Eu Nunca... tem outros méritos. Talvez o mais impactante seja a diversidade étnica de seu elenco na linha de frente, fugindo do estereótipo clássico das sitcoms norte-americanas protagonizadas por jovens adolescentes brancos. Além de ser de família indiana, morando com sua mãe Nalini (Poorna Jagannathan) e a prima Kamala (Richa Moorjani) – que possui um divertido arco paralelo sobre casamento arranjado, fazendo-a brilhar como uma boa coadjuvante –, as melhores amigas de Devi na escola são Fabiola (Lee Rodriguez), uma negra que se descobre lésbica, e Eleanor (Ramona Young), uma chinesa. Claro que isso é explorado na trama (com direito a bullying), mas de forma natural, sem qualquer tipo de militância direta, deixando a história mais orgânica e verossímil.

Com episódios curtos, de até 30 minutos, a série tem um ritmo cativante. Voltando à sinopse que parece frágil, ao longo da trama, percebemos uma storyline mais séria ao descobrir que Devi está em processo de recuperação de um trauma pessoal: a perda de seu pai, Mohan (Sendhil Ramamurthy), que faleceu durante uma apresentação sua na escola, que levou a paralisação dos movimentos das pernas da jovem por alguns meses, tudo isso a olhos vistos em sua escola, reforçando ainda mais o seu estereótipo de outsider.

Entre uma sessão de terapia e outra, vemos Devi também se derreter pelo seu crush: o popular Paxton Hall-Yoshida (Darren Barnet) – que embora seja branco dos olhos verdes e sarado, “é meio japonês” – com quem ela inventa, sem querer, já ter transado, despertando todos os olhares no colégio e a fúria de Ben Gross (Jaren Lewison), seu CDF arquirrival desde a infância e o típico “filhinho de papai”, que se revela uma pessoa solitária, mas de grande coração. Outra história pouco explorada na trama, mas não menos interessante, é a da irmã de Paxton, portadora de síndrome de Down. Rebecca (Lily D. Moore) é uma das pessoas mais sensatas da série mesmo nos poucos episódios em que está presente.

PARA FICAR ATENTO

Além do Piloto (primeiro episódio), vale a pena prestar atenção no capítulo 4, onde toda a temática indiana move a história durante as celebrações de Ganesh Puja (conhecido no Ocidente como o aniversário do deus Ganesha), que explora de forma divertida o choque cultural e contribui para entendermos melhor a personalidade da protagonista.

Nos episódios 8 e 9, vemos Devi tomar algumas medidas drásticas para a sua vida e atitudes extremas para com seus amigos e familiares, mas que são perfeitamente coerentes e nos levam à catarse para a season finale, trazendo um desfecho emocionante.

E é assim, fugindo dos padrões convencionais de série teen, que Eu Nunca... se destaca como opção de comédia leve e divertida, mas também profundamente reflexiva. Com capítulos que passam “voando”, vemos que todos temos um pouco de Devi Vishwakumar dentro de nós, nos sentindo estranhos no contexto em que somos inseridos e tentando nos descobrir como pessoas em meio àquele turbilhão de sentimentos sobre os quais não temos o mínimo controle, principalmente quando somos adolescentes, esta eterna “fase complicada da vida”.

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